De passarinho feio a pégaso

Grande parte dos problemas do ser humano começa e termina na sua insistência em ver mais defeitos do que qualidades em si mesmo. A baixa auto-estima chega a antecipar tragédias pessoais e coletivas, que costumam se transformar em manchetes nos quatro cantos do mundo.

O universo das artes está cheio de alegorias que ilustram estereótipos de beleza. Estes sempre ditam padrões e afugentam a todos os que neles não se enquadram. Histórias clássicas como “O Patinho Feio” e “O Corcunda de Notre Dame” ou mais recentemente as aventuras do ogro “Shrek” trazem algumas das questões básicas que afligem o ser humano quanto aos modelos de beleza e à aceitação de si mesmo.

Dois dos nomes mais criativos da Música Popular Brasileira – Jorge Mautner e Moraes Moreira – também foram muito felizes ao tratar desse tema numa fábula em forma de canção. Em “A Lenda do Pégaso”, que foi inserida no disco “Bazar Brasileiro”, lançado por Moraes Moreira em 1980, um passarinho tido como feio deseja ser outras aves, sempre listando em cada uma delas o que considera uma qualidade que não possui.

Num dos trechos da música o passarinho feio “sonhava ser uma gaivota porque ela é linda e todo mundo nota, e naquela de pretensão queria ser um gavião; e quando estava feliz, ser a misteriosa perdiz”. Assim, ele também quis ser um canário, um colibri, um corvo, galo, garça e até cegonha.

Nessa história o final é feliz: Deus se apieda do passarinho feio e o transforma no pégaso, o belo cavalo voador. Interpretando as entrelinhas da canção, é como se Deus tivesse dito ao passarinho feio que a grandeza e a beleza daquele ser mitológico estavam dentro dele e de qualquer um que assim quiser ver.

Isso me faz lembrar até onde é capaz de nos levar a vaidade. Muitos são os que se acham “passarinhos feios” e desejam ser o que não são. Não é por acaso que tem crescido tanto a procura pelos mais diversos tratamentos estéticos capazes de mudar radicalmente as feições naturais.

Não que esse tipo de vaidade seja um ingrediente negativo na vida de alguém. Bem dosada, ela pode até ser uma alavanca na conquista pessoal de objetivos honestos e de caráter positivo. Pode até vir a tirar da lama quem nela tenha se colocado por depressão, auto-depreciação ou mero desleixo.

O pégaso da música é, na mitologia grega, um cavalo alado que teria nascido do pescoço de Medusa (a mulher com cobras no lugar de cabelos, cujo olhar era capaz de transformar uma pessoa em pedra). Ao ter a cabeça decapitada pelo herói Perseu, Medusa deu origem ao pégaso, que passou a servir aos deuses do Olimpo.

O filósofo alemão Theodor Adorno chegou a usar esse mito para lembrar que a beleza também pode nascer do terror. No entanto, vale lembrar que o inverso também é válido: da busca desenfreada pela beleza podem surgir formas grotescas e horrendas.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 05/02/2010
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