Sobre mensagens subliminares de exaltações ao satanismo e ao erotismo na Disney

Não há dúvida de que a Internet é o meio democrático por excelência no que diz respeito à promoção da disseminação da informação. Não apenas porque não faz restrições a quem dela queira dispor para se comunicar, como porque torna acessível veiculações de toda e qualquer informação, desde a mais relevante até a maior asneira que se possa pensar sobre qualquer assunto.

Quando não tem o que fazer, meu filho pesquisa vídeos no site YouTube, que disponibiliza imagens sobre praticamente qualquer assunto considerado interessante. Entre eles, me chamou atenção um sobre mensagens subliminares, uma técnica de estímulo psicológico imagético (sic) que, por exemplo, conseguiu provocar o desejo de tomar Coca-Cola numa platéia de cinema ao exibir fotogramas com a imagem de uma garrafa do refrigerante que, entre os fotogramas que constituíam o filme, passava rápido o bastante para que somente fosse percebido a nível inconsciente.

Entre as muitas imagens “subliminares” existentes, talvez seja o “símbolo do demônio” (feito com os dedos indicador e mindinho de nossas mãos, postos em forma de chifres, em substituição ao símbolo “V” da paz e do amor) o que mais a juventude anda reproduzindo por aí, entre muitas outras que, para os jovens, na verdade tem pouco ou nenhum valor simbólico – na verdade “o grande perigo”, segundo nosso “orientador subliminar” – cujos “grandes significados” benéficos ou maléficos de tais símbolos apenas velhos míticos simbolistas parecem perceber.

Entre as “mensagens subliminares Disney”, por exemplo (vide o site http://www.youtube.com/watch?v=s9bpbagM0Yo), nosso “orientador subliminar” – que nos dá uma amostra de sua “visão além do alcance” analisando trechos de filmes do criador de Mickey – nos faz crer que a presença da imagem de uma caveira no olho do personagem Gaston, do desenho animado A Bela e a Fera, durante sua queda da torre do castelo da Fera é uma “imagem subliminar de culto ao satanismo”, e não apenas o que a imagem quer representar, ou seja: a indicação de que o vilão do filme despenca em direção a morte.

Além desta “imagem de culto satânico”, nosso “orientador subliminar” fica admirado de que o gato de Cinderela, por exemplo, se chame “Lúcifer”, sem considerar que o gato tem tal nome porque, entre os personagens do filme, é uma das representações do mal na trama, personagem que na verdade, com o nome que tem, torna ridículo um dos primeiros filhos traidores de Deus.

Reproduzindo a cena em que o caçador vai matar Branca de Neve na floresta, por exemplo, nosso “orientador subliminar” nos provoca a visão do detalhe da mão da singela princesa “fazendo o gesto dos filhos de satã”, nos advertindo depois que “há uma idéia por trás dessa cena”. Mas... só uma? Na verdade, a cena nos sugere uma infinidade delas; entre elas, por causa do detalhe dos dedos de sua mão esquerda, não apenas a idéia de que “Branca de Neve anuncia sua adoração ao diabo”, como quer nosso “orientador subliminar” – ou talvez a eclosão da futura cultura Heavy Metal ao redor do mundo nos anos finais do século XX – mas também a cena passa a idéia, que nosso “orientador subliminar” não considera, de que o mal pode ser de repente vencido pela visão da Beleza, por um gesto de pureza.

Mas, para nosso “orientador subliminar”, o gesto do assassino de Branca – que se ajoelha diante dela a lhe pedir perdão – é visto como um ato de submissão, de “prostração diante do símbolo do mal”, indicando a cena certa “associação dos criadores de Branca de Neve com adoradores de Satã”!

Seguindo a linha de seu raciocínio, ele nos mostra uma cena de A Bela e a Fera, quando Gaston está numa taverna a cantar seus méritos de homem belo e forte a levantar num banco três saborosas loiras que, graças aos gestos de suas mãos – semelhantes à de Branca de Neve, elas “fazem o símbolo do demônio” – elas são identificadas também como “adoradoras do diabo”. E eu disse que elas são “saborosas” porque, desenhadas com todas as características de sex symbols, elas não são “imagens subliminares de apologia ao erotismo”, como quer nosso “orientador subliminar”, mas desenhadas para serem mesmo gostosas, ou os tipos de corpos femininos mais desejados pela maioria dos homens – modelos que, no entanto, são ignorados por Gaston, que prefere a singeleza de Bela aos encantos das “piranhas” apontadas por nosso “orientador subliminar”, um tanto inspiradas na sensualidade da atriz norte-americana Marilyn Monroe, entre outras gostosas de nosso tempo.

Com uma cena de Hércules, nosso “orientador subliminar” nos adverte para a intenção dos criadores do filme que, segundo ele, querem nos fazer aceitar “figuras bizarras” como “ridículas e engraçadas” a talvez nos acostumar com imagens dantescas ou nos provocar o menosprezo por todos aqueles considerados “feios”, “deficientes”, denunciando a figura de um fauno, presente no filme, ou do “homem-bode”, como explicitamente “uma forma de adoração demoníaca”.

“Os personagens bizarros de Disney”, escreveu nosso “orientador subliminar”, “podem ser rastreados para antigos cultos pagãos que cultuavam entidades demoníacas”. Mas ele parece ignorar o fato de que, ao se pretender contar uma história sobre a mitologia grega, como de resto qualquer história, não se pode prescindir da criação de uma tensão entre personagens representativos do Bem e do mal para o bom desenvolvimento de uma trama, sendo impossível num filme “falar” sobre o mal sem apresentá-lo imageticamente. No caso da Disney, contudo, os representantes do mal são constituídos a partir de características que não os tornam senão expressões do mal, sendo às vezes preciso provocar o espectador à superação de certos preconceitos formais sobre certas enganosas aparências do mal – como no caso do filme A Bela e a Fera, onde o personagem Gastor, de aparência humana, é afinal o grande malfeitor da história, não a “fera” que todos temem e perseguem.

“A Disney influencia crianças subliminarmente para a prática da sodomia, sexo anal, enfim, pedofilia?” – pergunta-nos nosso “orientador subliminar”, e depois mostra a foto de uma menina escanchada num brinquedo, uma espécie de “cavalinho”, que tem a forma do Pato Donald deitado de costas.

Indo por esta via, nosso “orientador subliminar” chaga ao cúmulo de nos provocar atenção à forma das chamas que saem da cabeça do personagem Hades no filme Hércules. Num único frame congelado do fogo que sobe de sua cabeça quente, entre toda abstração que forma, nosso “orientador subliminar” miraculosamente enxerga e delineia o nome “Jesus” entre as chamas para, depois, nos fazer atentar para o símbolo da cruz que aparece em chamas durante a explosão de fúria da mitológica divindade grega.

No fim da exibição de seu “esclarecedor” vídeo, depois que mostra fotos e notícias de pessoas assassinadas em rituais satânicos – que, nas fotos, aparecem usando símbolos demoníacos e fazendo “o símbolo do mal” com as mãos – ele esclarece que seus vídeos são feitos “para que você veja coisas muito estranhas que estão ao seu redor”. Porque “a nova ordem mundial está sendo preparada há muito tempo. Ela é objetivo e obra de serem demoníacos”, escreveu ele errado, sendo provavelmente a palavra “seres” o que o nosso “orientador subliminar” quis escrever ao invés de “serem” – um erro e muitos outros cometidos por aquele que, com suas “visões além do alcance”, quer apenas justificar suas conclusões estapafúrdias e estimular outros a verem chifres em cabeças de cavalos.