VISÃO PRIVILEGIADA

Certa vez, um psicólogo amigo, o John Burns, contou-me interessante estória de uma competição realizada por um texano rico, que possuía em sua fazenda uma grande piscina. Como ele se sentia muito sozinho e sem estímulos, resolveu reunir todos os moradores da redondeza para uma festa na qual haveria uma competição que premiaria com muito dinheiro a pessoa que conseguisse atravessar, nadando, a grande piscina, que estaria repleta de répteis perigosos.

O prêmio era tentador, apesar do imenso perigo de vida que oferecia tal façanha. Como a ambição humana vai além dos limites imagináveis, (tem gente cortando a mão para receber seguro!!!) apareceram vários candidatos. Todos, claro, com muito medo, mas fascinados pelo dinheiro.

Dada a largada os competidores pularam na piscina. Dentre eles, um se destacou tremendamente. Ele nadava tão rápido quanto um campeão olímpico, desviava agilmente dos jacarés, sucuris, cobras d’ água, etc. Em pouquíssimo tempo, ele chegou, ofegante, ao outro lado da piscina.

Foi ovacionado, abraçado, premiado, e, ao lhe perguntarem como havia conseguido vencer os obstáculos, nadar agilmente e vencer a prova, ele respondeu que não sabia. Nunca havia treinado natação e desconhecia que sabia nadar tão rápido e se safar tão bem dos perigos, mas que queria muito saber quem tinha sido o “grande sem-vergonha, safado” que o havia empurrado na piscina, pois nem mesmo competir ele iria...

Determinados papéis por nós ocupados, em diversas épocas de nossas vidas, como pai, mãe, professor, psicólogo, diretor executivo de uma empresa, enfim, posições de liderança, encerram muitas responsabilidades, deveres e, dentre eles, o “empurrãozinho” inicial. Esse ato certeiro que pode ser uma leitura, um comentário, uma situação vivida, qualquer fato que “empurra” a pessoa para que desempenhe melhor na vida, é uma mola propulsora que desperta virtudes e qualidades. É como colocar aqueles que estão unidos à nossa volta, nos trilhos, para depois seguirem seu caminho. É auxiliá-los a vencer os vilões da estória, os bichos da piscina, os répteis maus, que na vida cotidiana, são: O MEDO, A INSEGURANÇA, A BAIXA-ESTIMA, A PREGUIÇA, A OCIOSIDADE, A FUGA...

Quantas pessoas maravilhosas, dotadas de excelentes qualidades, estão encobertas por esses répteis perniciosos que as imobilizam, muitas vezes por uma vida toda, e pior, em muitas situações, acabam por desenvolver um lado negativo em sua personalidade. Em outros casos, características inferiores são despertadas, apesar do imenso sacrifício e sofrimento em vidas sucessivas, para que pudessem ficar adormecidas ou serem abrandadas, dando chance ao florescimento das virtudes que todos somos possuidores.

As virtudes, porém, não florescem à toa em solo infértil. É preciso cultivá-las, regá-las, como a uma plantinha. Na maioria das vezes, precisamos de um “jardineiro” que adube nosso solo, arranque as ervas daninhas, enfim, que nos ajude a cuidar de nosso jardim. Essas pessoas, muitas vezes, aparecem misteriosa e estrategicamente em nosso caminho para nos dar aquele “empurrãozinho” de que precisamos.

O estímulo, “o empurrão”, nem sempre é bem compreendido, nem sempre o “empurrado” entende a verdadeira intenção e reclama, grita, se revolta deseja até vingar-se daquele que o quer auxiliar. Quantos filhos, maridos, empregados, esposas, abandonam a casa, o trabalho, por não compreenderem o estímulo, a ajuda que lhe são oferecidos e assumem uma posição de vítima ofendida?

Inicia-se aí o conflito. Por quê? Mágoa, a falta de entendimento, o orgulho ferido, a vaidade, atrapalham a compreensão dos objetivos reais do caminho a seguir, colocando o EU em primeiro lugar. A pessoa adota uma linha negativa de pensamentos, tais como: “Me pisou, me expôs, me empurrou para as feras, blá, blá...” e não enxerga os “prêmios” que irá conquistar ou até já conquistou. Como na história do Burns, em que o vitorioso nem vibrou com o prêmio ganho de tão preocupado que estava em vingar-se daquele que o empurrou na piscina.

VINGANÇA DIFICULTA A VISÃO

Ao adotá-la, ficamos endurecidos, cegos, tomados por sentimentos inferiores, sentimo-nos traídos, magoados e acabamos não enxergando o que, na verdade, é bom para nós mesmos, para a nossa felicidade.

É preciso estar em cima da montanha para analisar o todo e não somente o EU. Lá de cima, teremos uma visão mais ampla e poderemos desenvolver a observação analítica de tudo e de todos que nos rodeiam, seus comportamentos, situações, acontecimentos e, assim, enxergar globalmente. Ao estarmos em cima da montanha, tomamos distância do nosso ego, o que nos propicia essa visão do todo, mais racional e, somando-se o tempo e o bom senso, conquistamos a tão almejada previsão dos fatos. Não confundi-la, no entanto, com premonições. Previsão é algo racional, decorrente da observação analítica do todo.

Quantas vezes nos deparamos com nossos filhos comentando: “Minha mãe é fogo, parece que adivinha as coisas, acho que tem bola de cristal.” Presumindo que essa visão ou previsão dos fatos seja decorrente de uma faculdade excepcional. Não vamos tirar o mérito de cada um: a conquista da observação, do raciocínio, do bom senso, atribuindo sempre os bons atos, os atos certeiros aos seres iluminados. Nós também temos a capacidade de acertar, e muito. É só querer!

Nem sempre, porém, sabemos aplicar, em nossas vidas, a observação positiva, aquela que valoriza os pontos bons e trata com cuidado e prevenção os pontos negativos, contornando-os, sem enaltecê-los. Muitos de nós confundimos a observação com fofoca, em que a realidade dos fatos é distorcida e passada adiante.

É preciso também analisar o outro lado: o de quem “empurra”. Aqueles que estão imbuídos da função de líderes, orientadores, genitores, patrões, etc., precisam também saber como e quando estimular, de maneira saudável, a pessoa à ação, evitando fazer isso de forma negativa, agressiva, pública e irônica. Tanto o “empurrado”, quanto quem “empurra” devem sempre ter em mente o respeito e a dignidade mútuas, procurando não levar essa situação para o lado pessoal.

Sempre que formos lançados em uma piscina repleta de répteis perigosos, devemos nos lembrar do lado positivo da experiência. Entendendo esses “empurrões da vida”, e tentando contorná-los com sensatez e serenidade, certamente estaremos caminhando rumo ao nosso crescimento moral e ao nosso amadurecimento. A compreensão da vida e de seus acontecimentos nos leva à felicidade. Para atingirmos essa felicidade, mesmo diante de tantos “monstros”, repreensões, puxões de orelha, é preciso, acima de tudo, afastar o orgulho, a prepotência, a indignação, a raiva, a vingança. Estes sim, são os grandes dinossauros que nos impedem de sermos completamente felizes e de compreendermos a essência das experiências da vida.

Assim, progrediremos, conquistaremos e gozaremos os prêmios que a vida nos oferece e nem sempre nós conseguimos aproveitá-los. Com a felicidade, conquistaremos, também, a gratidão em toda sua plenitude, reconhecendo e amando aqueles que nos “empurraram.”

Helaine Ciqueto
Enviado por Helaine Ciqueto em 31/05/2005
Código do texto: T21107