A Prática da Auto-Hemoterapia no Brasil

     A auto-hemoterapia é uma técnica terapêutica com certeza bastante antiga. Trata-se, segundo o Dr. Luiz Moura, de um recurso terapêutico de baixo custo, simples, que se resume em retirar um determinada quantidade sangue de uma veia e aplicar no músculo, estimulando assim o sistema retículo-endotelial, quadruplicando os macrófagos em todo o organismo.
     Entretanto a auto-hemoterapia foi proibida pela ANVISA em abril de 2007, apenas porque ficou em evidência a partir de um vídeo contendo uma entrevista com o Dr. Luiz Moura, praticando e defendendo a auto-hemoterapia, veiculada através da Internet a partir de 2004. Com a matéria do Fantástico da rede Globo, também de abril de 2007, mostrando o interesse da população na utilização da "novidade", na verdade, uma prática que existe há mais de 100 anos, as autoridades da área médica se mobilizaram para proibir uma prática que poderia gerar muitos prejuizos para as grandes empresas e laboratórios que não se interessam por práticas terapêuticas passíveis de se tornarem populares e de baixo custo operacional. O próprio médico Dr. Luiz Moura foi julgado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro em função da entrevista difundindo a técnica e por receitar a auto-hemoterapia e posteriormente absolvido por unanimidade de votos, em 11 de janeiro de 2006 por não constatar ilícito ético-profissional em sua conduta. Por outro lado, a partir da portaria da ANVISA, nem mesmo o Dr. Luiz Moura poderá mais receitar ou praticar a auto-hemoterapia que tantos benefícios trouxe aos seus pacientes.
     Apenas para termos uma idéia do alcance da técnica, vamos relacionar algumas doenças que, segundo o testemunho idôneo do Dr. Luiz Moura obtiveram bons resultados: esclerodermia, asma brônquica, psoríase, doença de Crohn, lúpus, artrite reumatóide, miastenia grave, miomas e cistos de ovário, púrpura trombocitopênica, acne, ictiose, amigdalites, gota, dermatomiosite, etc. Doenças tratadas complementarmente com a auto-hemoterapia, com resultados surpreendentes, e que vem convencendo as pessoas que assistem ao vídeo pela fidedignidade do relato e a sinceridade manifestada durante a entrevista.
Por outro lado a mais alta e única missão do médico é restabelecer a saúde dos doentes, que é o que se chama curar. Quando um paciente, em estado de atroz sofrimento, procura ajuda médica, seu objetivo é obter a cura para seus males. Desde que sare, não lhe interessa saber como nem porque sarou. Apenas o médico necessitar pesquisar, com a ajuda do paciente, a melhor maneira de ajudá-lo. Portanto, basta que o médico obtenha a confiança legítima do paciente para que o processo de cura se inicie. Se a sociedade o reconhece como médico, e, no caso, foi cumprida a principal exigência, a realização do curso superior de medicina, acrescido de mais de 50 anos de clínica. Quanto à escolha do método de tratamento de cada paciente, somente o médico pode decidir ao examinar cada paciente. Em casos extremos, para salvar um paciente em estado grave, todos os recursos são possíveis, ainda que não totalmente conhecidos pela ciência. Hipócrates dizia que para as doenças extremas os tratamentos extremos são os mais eficazes.
Com a proibição, os maiores prejudicados foram os pacientes, especialmente, aqueles que padecem com graves enfermidades e que não podem mais contar com o apoio do sistema de saúde, já que todos os profissionais estão agora impossibilitados de aplicar a técnica, correndo o risco de perder o direito de exercer a medicina ou as técnicas de enfermagem.
     Na história da medicina, ambas as correntes, homeopática ou alopática utilizaram a auto-hemoterapia no tratamento de seres humanos e também de animais. Os médicos homeopatas extraindo o sangue venoso e processando o sangue extraido do próprio paciente como qualquer substância, diluindo e dinamizando para posterior uso interno.
     Pelo menos, desde finais do século XIX, a corrente alopática vem estudando e aplicando a denominada proteinoterapia, que procura combater as mais diversas enfermidades por meio de injeções de certos tipos de albuminas, leite, sangue e outras substâncias albuminóides, denominada então, terapêutica estimulante não específica, baseada sobre a noção de que o essencial do processo de proteção do organismo na luta contra a enfermidade é uma modificação do metabolismo, uma ativação do protoplasma da célula.
     Entretanto o embasamento teórico da auto-hemoterapia tem origem em Broussais (1772-1838), segundo o primitivo conceito de irritação e o da teoria da excitação de Virchow (1821-1902), talvez um dos maiores patologistas de todos os tempos. Quando ficou solidamente fundamentada a ação patogênica das bactérias, a partir das pesquisas de Pasteur (1822-1895), a figura mais importante e representativa da bacteriologia, começou-se a aprofundar os estudos a respeito das substâncias tóxicas produzidas pelos microrganismos em geral. Bem depressa se reconheceu que as proteínas de que são formadas as bactérias, podem provocar fenômenos análogos aos desencadeadas pelas toxinas. A verificação desse fato foi o ponto de partida para os primeiros ensaios realizados com o fim de provocar uma reação geral do organismo, mediante a introdução parenteral de substâncias não bacterianas.
     Os primeiros estudos clínicos desta natureza foram seguramente os de Winternitz (1859-?) em Praga e von Krehl (1861-1937) em Jena, no ano de 1895. Uma das primeiras proteínas utilizadas foi o leite de vaca, já esterilizado pelo processo pasteuriano. Graças às necessárias medidas de precaução e de técnica, a injeção parenteral de leite era asséptica. Como consequência de tal procedimento em animais, na dose de 20 ml., a temperatura do corpo se eleva de 0,9 a 1,6o. Nas reinjeções, a reação febril era maior. Observou-se também que nos animais tuberculosos o aumento de temperatura era maior do que no são. Além disso, era possível observar nitidamente uma reação local do tecido tuberculoso. Dos ensaios promovidos por von Krehl em animais bovinos, surgiu mais tarde a excitoterapia ou proteinoterapia. Esta consiste em produzir uma ação inespecífica com injeção de albumina, dando como resultado uma reação aguda de todo organismo. Segundo August Bier (1861-1949) a injeção de leite, sangue ou outras proteínas, desde que perfeitamente esterilizado, por via intramuscular, produz uma irritação local, que definia como inflamação curativa. A reação geral consiste em febre, com seus fenômenos concomitantes, e numa leucocitose às vezes considerável, traduzindo uma reação da medula óssea. Opera-se assim um aumento das forças defensivas do organismo.
     Os melhores êxitos obtidos com a terapêutica da excitação registraram-se no reumatismo articular crônico. Bem como nas infecções inespecíficas de curso tórpido e nas dermatoses. É de grande importância a dose e o momento da injeção. Vale mencionar também o seu emprego nas afecções oculares de natureza infecciosa, especialmente na oftalmoblenorréia (conjuntivite de natureza blenorrágica) dos recém-nascidos. Foram registrados também notáveis resultados de tais injeções com fins profiláticos (para evitar as infecções em casos de traumatismos por corpos estranhos).
     Esta terapia está indicada quando as defesas orgânicas são insuficientes. Os diversos estimulantes que se injetam no corpo do paciente funcionam segundo a regra biológica fundamental de Arndt-Schulz de 1898: os estímulos débeis despertam a vitalidade do organismo, os médios a fomentam, os fortes a inibem e os demasiado fortes a eliminam. Assim os estímulos excessivamente fortes fazem com que a célula morra, os estímulos moderados incitam a célula a recuperar o equilíbrio alterado e com isso obter o funcionamento normal. O próprio professor August Bier reconheceu em texto publicado em 1925, que a terapia irritativa de Arndt-Schulz se aproxima da homeopatia fundada por Samuel Hahnemann (1755-1843), colocando no mesmo nível, pela primeira vez na história da medicina, a doutrina alopática da homeopatia.
     Nesse mecanismo desempenha um importante papel a receptividade do indivíduo como também o tipo de enfermidade que o aflige, já que um indivíduo são reage diferente do indivíduo doente. Assim a incorporação parenteral de albuminas estranhas provoca uma reação parecida com a que produzem as infecções agudas: as células aumentam sua atividade, e da mesma maneira os tecidos locais afetados, aumento dos glóbulos vermelhos e brancos e de todas as funções biológicas, do metabolismo e da diurese, enfim o organismo sofre uma alteração, suas defesas e a formação dos anticorpos se ativam.
     Como o principal efeito da autohemoterapia é o estimulo do sistema retículo-endotelial esclarecemos que suas principais funções são a limpeza de partículas estranhas ao organismo provenientes do sangue ou dos tecidos (inclusive células neoplásicas), toxinas e outras substâncias tóxicas. Além disso promove a biotransformação e excreção do colesterol, o metabolismo de proteínas e a remoção de proteínas desnaturadas. Assim respondendo por tantas e tão importantes funções, fácil é de se entender o papel desempenhado pelo sistema retículo-endotelial no determinismo favorável ou desfavorável de processos mórbidos tão variados como sejam os infecciosos, neoplásicos, degenerativos e auto-imunes.
     No Brasil, a auto-hemoterapia também foi introduzida no início do século XX, porque diferentemente dos tempos atuais, os médicos da época avaliavam as experiências realizadas em outros países. O próprio Prof. Miguel Couto (1864-1934), patrono da medicina brasileira, sabia dos efeitos positivos da injeção de sangue autógeno. Cita inclusive as experiências promovidas por Kitasato e Hehring, publicada em 1890, relativas à imunidade do tétano. Com o sangue extraido da carótida de um coelho realizou-se as seguintes experiências: dois coelhos receberam na cavidade abdominal uma injeção de 2 e de 3 cc. deste sangue. Vinte e quatro horas depois, estes dois animais e dois outros testemunhas foram inoculados com uma cultura do bacilo do tétano (de Nicolaier). Os animais testemunhas morreram tetanizados, enquanto que os dois vacinados com seu próprio sangue continuaram sadios. Experiências análogas feitas com o soro sangüíneo do coelho surtiram o mesmo efeito obtido com o próprio sangue. Na época concluiu-se, a partir de inúmeras experiências do mesmo gênero, que o soro sangüíneo dos animais em condições de imunidade contra uma dada molestia infecciosa, tem propriedades profiláticas e terapêuticas em relação a essa moléstia, sobretudo se os animais forem da mesma espécie.
     Sabemos também que o Dr. Jesse Teixeira promoveu experiências no Hospital de Pronto Socorro com 150 pacientes, seguindo sugestão de seu chefe Dr. Sylvio d'Ávila, a partir de um artigo publicado nos EUA em 1936 por Michael Mettenietter, cirurgião de Nova York. A auto-hemoterapia foi aplicada como profilaxia das complicações pulmonares pós-operatórias, que segundo o autor, eram as únicas existentes na época e consideradas da mais alta valia, podendo ser vantajosamente empregada, quer na cirurgia de urgência, quer nos casos em que o doente pode ser preparado.
      O próprio pai do Dr. Luiz Moura, Dr. Pedro Moura já aplicava a vacina de sangue, em 1943, quando ainda era estudante de medicina, e seu pai, chefe da enfermaria da Santa Casa. O próprio Dr. Luiz Moura aplicava na véspera da internação no paciente 10 ml. de sangue e cinco dias depois repetia a mesma aplicação. Ele obtinha na época uma das taxas menores de infecção hospitalar.
     Entretanto com a descoberta dos antibióticos na década de 40, o uso da auto-hemoterapia foi descontinuado, quando o mais normal seria acrescentar e não substituir. Além do mais os laboratórios que produziam os antibióticos obtinham lucros fabulosos com a venda dos medicamentos e com a auto-hemoterapia não lucravam absolutamente nada ...
     Pelo que sabemos apenas no Brasil a auto-hemoterapia está proibida. Pelo menos no México, Rússia, Estados Unidos ou Alemanha sabemos que utiliza, ao lado de outros recursos terapêuticos, a vacina do sangue ou como se diz em Portugal, o auto-sangue. Quando Beckenbauer pendurou as chuteiras, alegou que atribuía seu desempenho físico à auto-hemoterapia. Antes de cada jogo ele fazia uma aplicação de 10 ml. e atribuía a isso tanto a saúde que tinha quanto a resistência física nos jogos. No Brasil, o médico da seleção brasileira, José Luiz Runco trata lesões, em casos de fraturas de difícil calcificação, há vários anos, com injeções de concentrado de plaquetas extraídas do sangue do paciente, na área da fratura. Na opinião do médico essa técnica não provoca efeito colateral ou causa qualquer tipo de rejeição, já que o sangue é do próprio paciente.
     Diante da popularidade que a terapia adquiriu a partir da entrevista do Dr. Luiz Moura, a atitude correta e ética das autoridades médicas, da ANVISA ou dos Conselhos de Medicina, seria solicitar que a universidade brasileira promovesse experiências duplo-cego, com avaliação clínica dos voluntários e, em pouco tempo, teríamos a comprovação científica necessária para apoiar ou negar autenticidade à sua introdução nos sistemas de saúde. Entretanto as autoridades da área médica não podem desconhecer as experiências anteriores, inclusive realizadas em países com maior tradição na área de pesquisa da saúde do que o Brasil. O que nos leva a concluir que se trata na verdade apenas de má fé ou de submissão colonizada a interesses extremamente excusos.
     Infelizmente a proibição somente gerou sofrimento e riscos para quem necessita de tal tratamento, já que sabemos que inúmeros pacientes, padecendo de doenças crônicas, vinham sendo submetidas a esse tratamento e agora serão obrigadas a contratar pessoas não qualificadas para extrair o sangue e aplicar a injeção no músculo. Porque dificilmente alguém deixará de procurar a auto-hemoterapia em função da proibição, principalmente porque o paciente, ao contrário do que se imagina, possui inteligência suficiente para perceber se um novo tratamento traz ou não benefícios para si mesmo. Especialmente no caso de doenças crônicas, quando o paciente convive anos com determinados sintomas e começa a perceber que alguns deles somente amenizaram a partir do início de um determinado tratamento. Com a proibição, ocorre algo semelhante que ocorre com a proibição das drogas alucinógenas. A proibição apenas estimula o consumo clandestino e ilegal, favorecendo o traficante que pode vender as drogas com preços extorsivos bem acima do seu custo ...
     Além disso o que mais tem revoltado os adeptos da auto-hemoterapia é a questão da prevenção do câncer. Ainda que não seja possível provar, é possível estimular o sistema imunológico a destruir as células pré-cancerosas no nascedouro. Com a ativação do sistema imunológico pela auto-hemoterapia podemos impedir a formação de um tecido canceroso, isto é, formado com células anormais. Novamente teríamos contribuido para aliviar o sofrimento de milhares de pacientes e com isso diminuir a produção de equipamentos radiológicos e quimioterápicos utilizados no tratamento do câncer ...
     Os próprios adeptos da auto-hemoterapia estão se organizando com objetivo de defender e finalmente obter o cancelamento da proibição e introduzir definitivamente a prática da auto-hemoterapia no Sistema Único de Saúde. Olivares Rocha, convencido dos benefícios obtidos com o tratamento praticado em membros de sua própria família, decidiu distribuir gratuitamente uma cópia do DVD com a entrevista do Dr. Luiz Moura e uma apostila completa com 145 páginas sobre todos os dados disponíveis no momento sobre a auto-hemoterapia.
     Lamentavelmente as novas gerações de médicos não conseguem nos deixar otimistas com relação ao futuro. O episódio ocorrido em São Paulo, quando formandos de medicina invadiram um pronto-socorro, gritando e soltando rojões em comemoração pelo término do curso, faz-nos refletir se podemos continuar nos comportando como pacientes passivos diante da insanidade e a hipocrisia que vem acometendo médicos, que, na formatura se comprometem com os princípios do juramento de Hipócrates de abster-se de causar dano ou dor aos pacientes e seguem sua carreira como serviçais dos grandes laboratórios, que, para verificar a venda dos produtos e quem prescreveu, negocia cópias das receitas médicas com as farmácias. Além disso financia as viagens de médicos que participam de congressos e com isso os médicos receitam o remédio do laboratório que lhes dá mais vantagens. Portanto, nós dentro em breve, teremos que deixar de ser pacientes diante desta realidade e nos organizarmos ativamente diante do comportamento anti-ético de médicos e de laboratórios. Basta analisar o raciocínio simplório de um financista da indústria farmacêutica, numa entrevista ao jornal Herald Tribune em 1º de março de 2003: "O primeiro desastre é se você mata pessoas. O segundo desastre é se as cura. As boas drogas de verdade são aquelas que você pode usar por longo e longo tempo."
     E, para concluir, há que reclamar do descumprimento da missão primordial da ANVISA que objetiva "proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços e participando da construção de seu acesso." Além disso tal proibição impede as pessoas de realizarem a livre escolha dos serviços de saúde, infringindo o direito do consumidor (Lei 8078/90). Enfim convidamos os cidadãos brasileiros violentados em seu direito à saúde garantido pela Constituição Federal de 1988 a assinarem o abaixo-assinado dirigido ao Presidente da República e ao Ministro da Saúde em Abaixo Assinado

Prof. Douglas Carrara

Antropólogo

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Bibliografia Consultada:

ALMEIDA, Eduardo & Luís Peazê:
2007 - O Elo Perdido da Medicina - Ed. Imago - Rio de Janeiro

BIER, August:
1941 - Qual Deve Ser a nossa Atitude a respeito da Homeopatia - in Voz Homeopática - Rio de Janeiro

COUTO, Miguel:
1935 - Lições de Clínica Médica - Flores e Mano - Rio de Janeiro

MOURA, Luiz:
2004 - Entrevista com o Dr. Luiz Moura - Ana Martinez e Luiz Fernando Sarmento

ROCHA, Olivares:
2008 - Auto-Hemoterapia - Contribuição para a Saúde - Rio de Janeiro

STAUFER, Karl:
1971 - Homeoterapia - Hochstetter/Propulsora - Santiago - Chile

TEIXEIRA, Jesse:
1940 -Autohemotransfusão - Complicações Pulmonares Pós-Operatório in Brasil-Cirúrgico - Vol. II, No. 3, MAR/1940, pp. 213/230

VERONESE, Ricardo:
1976 - Imunoterapia, o Impacto Médico do Século in Revista Medicina de Hoje - março/1976.