Fé e Pensamento Positivo

Uma reportagem do jornal A Gazeta de 4 de abril, com o título A fé ajuda a curar doenças pode ter deixado muitos cristãos fervorosos animados. O próprio subtítulo entre parênteses parece mais animador ainda: (É a ciência que diz.)

A mim me deixou preocupado.

Alguém mais empolgado poderia pensar que finalmente a ciência admite a importância da fé para a cura e se rende ao pensamento daqueles que sempre apregoaram aos quatro ventos essa verdade. Ledo engano. Basta ler algumas linhas da reportagem para perceber que ela não trata da fé bíblica. Muito menos do objeto da fé cristã, que é o mais importante.

Para o escritor de Hebreus, a fé é “a certeza das coisas que se esperam, e a convicção das coisas não se veem”. Ele diz também que “é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam”. Galardoador é aquele que premia, que recompensa.

A “fé” apresentada no texto da repórter Eliane Vieira está mais para o pensamento positivo, tão propalado por Joseph Murphy e Norman Vincent Peale e encontradiço nos atuais autores de livros de auto-ajuda, inclusive no best-seller O Segredo. Poderíamos chamá-la também de “boa disposição mental” ou qualquer coisa que o valha, menos de fé verdadeira.

Não se pode negar que ser otimista, pensar positivo, evitar frases negativas contribui para uma vida melhor e mais saudável. Uma palavra desestimulante repetida constantemente e martelada na nossa mente pode acabar com o nosso dia e até obliterar os nossos sonhos. Somos seres influenciadores e influenciáveis. Por outro lado, o estímulo adequado e a palavra de confiança agem na nossa mente nos predispondo a melhorar, a realizar, a atingir nossos objetivos e até criar condições favoráveis para a cura, notadamente das doenças psicossomáticas. Tudo isso, entretanto, opera no terreno mental, no âmbito da psique, e tem, portanto, limites.

Não basta o pai ficar martelando um estímulo como você vai ser Presidente da República na cabeça do filho adolescente para o rapaz ocupar sem esforço o mais alto posto do poder executivo. Ele precisa, no mínimo, se filiar a um partido. Ajuda, mas não determina. Do mesmo modo, não há pensamento positivo ou boa disposição mental que faça surgir um novo membro numa perna amputada. É aí que entra a fé.

A fé tem outra natureza, outra essência. Fé é fundamento, é certeza. Trabalha com o insondável, o imponderável, o intangível. É inexplicável, a não ser pelo próprio foco, vale dizer, pelo seu próprio objeto. Não se trata aqui de auto-sugestão ou da fé natural que nos faz sentar num ônibus e esperar que nada de mal aconteça até o fim da viagem.

Quando pensarmos em fé bíblica, a pergunta imprescindível deve ser: em quem depositamos a nossa fé, qual o objeto, o alvo, o fulcro da nossa fé? E a resposta só pode ser uma: Deus! Até porque, de uma maneira incompreensível para os mortais, é Ele quem infunde a fé no nosso coração. Lamento dizer que, conquanto pareça que a ciência esteja reconhecendo a existência de Deus nessas curas, o que acontece na realidade é justamente o oposto: a tentativa de criar uma fé autônoma e auto-existente.

Portanto é preciso ter cuidado quando nos alegrarmos com algumas aparentes rendições da ciência em relação à fé. Na maioria das vezes, o que acontece é um tipo de fé por fé ou em qualquer coisa, totalmente desfocada do Objeto das nossas orações mais candentes e catalisada por processos perigosamente psicobioquímicos demais para nós cristãos. O resultado é ainda mais deletério e diabolicamente nocivo: uma entidade abstrata, confusa, totalmente divorciada do Agente Maior, do Autor e Consumador da nossa fé.