Do Nominalismo Religioso ou da Inutilidade das Placas

Cena um. Tempos atrás, quando viajava para Governador Valadares, vi, na entrada de Colatina, uma placa com preço de gasolina baixíssimo, quase inacreditável. Era cerca de vinte por cento menor que a média da época. Como estava com o tanque cheio, lamentei não poder aproveitar a pechincha e passei direto. Na volta, não via a hora de chegar àquele posto, encher a pança do Corsinha e fechar a viagem com chave de ouro. Qual não foi minha decepção ao ver que o tal posto era um simples fantasma, pois tinha sido desativado há vários meses. A placa? Bem, a placa era apenas um nome que tinha ficado ali para enganar os olhos menos argutos de viajantes pouco atentos e um tanto ingênuos como eu, admito.

Cena dois. Enquanto espocam fogos e mais fogos nas ruas do meu bairro em louvor da Aparecida, leio na Internet que o cardeal Hummes, de São Paulo, fez uma afirmação muito séria: É necessário um “esforço extraordinário” para o Brasil continuar sendo um país católico. Sua preocupação decorre do fato de o catolicismo ter perdido muitos adeptos nas duas últimas décadas. Em números frios da estatística, uma queda de 83% para 67%.

Cena três (anterior às anteriores). Numa revista religiosa, um articulista critica com acidez as pessoas que mudam de religião. Na opinião dele, essa atitude é a de um vira-casaca. É como um corintiano virar são-paulino, ou vice-versa. Certamente esqueceu-se o douto escriba de que o apóstolo Paulo, considerado por todas as casacas cristãs como seu maior teólogo, também “mudou de religião”, por assim dizer, já que era fariseu e pertencia, antes de sua conversão, a uma das facções mais zelosas e renitentes do judaísmo. Lamente-se ainda a infeliz idéia de comparar futebol com religião.

Mas voltemos à cena dois. Qual a vantagem de se ter um país católico? E antes que os evangélicos se alegrem com a minha pergunta, também pergunto: qual a vantagem de se ter um país com maioria evangélica? Para aumentar o orgulho dessa ou daquela instituição? Respondo com a cena da placa do posto-fantasma: nenhuma. Deus nunca se preocupou com nomes, títulos, instituições mastodônticas, tradições vazias, símbolos, placas, fachadas, ritualismos ocos. Quando os judeus se orgulharam de serem “filhos de Abraão” e portanto detentores da religião oficial, Jesus sapecou-lhes na cara: “Até destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt3.8). Noutra ocasião, em Lucas 23.15, ele fuzila: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito, e uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós”.

Em passagens assim, fica claro que Jesus jamais quis criar uma religião oficial, uma instituição, uma organização pesada, com hierarquia e tudo. Queria, isso sim, um organismo vivo, um corpo dinâmico, dos chamados para fora, como a própria etimologia da palavra ekklesia sugere, do qual ele deveria ser o cabeça, a pedra fundamental. É evidente que essas pessoas transformadas pelo seu poder constituiriam igrejas, grupos humanos para crescimento, adoração e multiplicação e que abençoariam outras para viverem os valores de um reino espiritual que começa, como o próprio Jesus disse, “dentro de cada um”, no seu próprio coração. Mais claro fica, porém, a prescindência do nome, da placa externa de identificação, já que de cristãos nominais ele já deve estar saturado. Agregue-se a isso o fato de que os seus seguidores da igreja primitiva, muito melhores do que nós, nem mesmo se autodenominavam cristãos, como diz Atos 11.26: “ Em Antioquia, os discípulos foram, pela primeira vez, chamados cristãos”.

Portanto, a ânsia, a avidez de se aumentar o número de adeptos dessa ou daquela denominação talvez fizesse sentido se houvesse a certeza de que o seu crescimento se daria na razão direta da qualidade de seus membros, com a conseqüente implantação dos valores verdadeiramente cristãos em âmbito nacional. Uma utopia, porém, já que o próprio Jesus disse que o joio cresceria com o trigo até a separação final. Quando Davi disse “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” (Sl 33.12), certamente tinha a visão de pessoas comprometidas com o Reino de Deus, com o senhorio de Cristo. E infelizmente não é o que vemos hoje, 12 de outubro de 2005, data em que escrevo estas despretensiosas linhas. Não é para Ele o espocar dos fogos.