TORCIDAS ORGANIZADAS OU BAGUNÇA EMBRUTECIDA?

Fui frequentador das praças de futebol (disse bem, “fui”), até antes de ser inaugurado o maior estádio de Fortaleza, o Castelão, em 1973. Minha última assistência a um jogo de futebol, ao vivo, cara a cara com os atletas, portanto, deu-se em um clássico Ceará v e r s u s Fortaleza. Este é o nosso “clássico rei”, que mobiliza quase todo o contingente policial do Estado, quando os dois jogam. Melhor dizer, quando as torcidas entram em guerra.

A “torcida” (claro que não foi a torcida) desse último time citado, sem querer digerir uma derrota, na marra, meio a disparos de arma de fogo, chuva de pedras, correrias, berros, fogos de artifício e cassetetes da polícia, literalmente arrancou as traves do Presidente Vargas, com o campo lotado, a sair pelas tampas e pelo ladrão. Digo isto em prol da verdade. Nada contra o Fortaleza, sem o qual o Ceará nem existiria. E vice-versa.

Amedrontado que fiquei, após aquele triste espetáculo, o “Vovô” foi que perdeu este freguês, que não pretendia levar lamboradas nas costelas. Amedrontado eu, não o “Vozão”, que ainda é o “campeão da popularidade”. Temeroso, sim, e chateado, ressentido.

Só conheço de vista o nosso Castelão, atualmente já anoso e, com certeza, maltratado, não obstante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014. Assim mesmo, só de vista eu o conheço, e por fora, quando das oportunidades que, por vezes, fui sepultar alguns dos meus prezados mortos, no Parque da Paz, às barbas do grande estádio de futebol.

A violência no futebol, portanto, não é fato novo; vem de muito longe. Modernizada é a maneira como se manifesta a selvageria, hoje, na maior cara de pau dos seus fanáticos adeptos. E também como se organizam as torcidas, para generalizarem a bagunça nos estádios e quadras esportivas.

Uso o termo “bagunça” – por fobia ao termo “baderna” – palavrinha estropiada às pampas nos idos do império de exceção, ou, sem eufemismo, lá nos tempos da dita-cuja duríssima militar.

Indivíduos potencialmente criminosos, portadores de instintos perversos e bestiais, inventaram de inventar que apreciam e adoram e amam o “esporte das multidões”. Mas só com o fito único e exclusivo de darem vazão a seus recalques e patologias. E mais: para saciar seus mesquinhos apetites com a cumplicidade pública, já que tais safardanas se utilizam dos locais públicos.

Essas maltas procuram para se amoitar os logradouros desportivos, em vez dos vagões de terceira que levam porcos eunucos e barrões para o matadouro. Assim, no meio de tanta gente, todos se tornam alvo dos celerados.

Na verdade, esses falsos desportistas são paranoicos e sádicos que, de pessoas sãs e úteis à sociedade, fazem lá onde desejam fazer, a poder de paus, pedras, estiletes, revólveres e bombas, picadinho das carnes dos seus (só aparentemente) semelhantes. É o que se tem visto, constantemente, antes, durante e após os jogos ditos “clássicos”.

Nunca me esquecerei do estado de desgraça física em que um torcedor do Corinthians ficou, já voltando de um clássico, em São Paulo. Palmeirenses deixaram-no moído de paus, pedras e chutes; e o rapaz ficou desfigurado, exangue, sentado ao batente de uma porta de comércio. Levado a um hospital, morreu em seguida. Inúmeros casos assim. São incontáveis.

Em Fortaleza, não faz tanto, uma universitária, que esperava um ônibus, foi vitimada por bala perdida da arma de um soldado que vinha numa perua. Ele atirou para afugentar os vândalos que voltam de um chamado “clássico rei”, entre tricolores e alvinegros, apedrejando tudo que era de transporte, placas de lojas e o que mais vissem pela frente.

Jovens, homens e mulheres, alguns inflando o peito com o plastrão de “chefes das torcidas”, digladiam-se ferozmente, como selvagens, atirando bombas do tipo “Molotov”, ao final de cujas refregas muitas pessoas não estão apenas lanhadas, mas sangrando em carne viva, escalavradas como bodes, após lhes tirarem o couro. Tenho visto imagens horripilantes, nos campos de futebol e fora deles, pela tevê, cenas dignas do olhar e do paladar de um canibal bastante glutão.

Torcidas organizadas... Muitos desses canalhas até são “filhinhos de papai”. Marginais, sem dúvida, bons de manicômio onde possam consertar suas taras. Podemos chamar a um punhado de moleques que se acoitam na sua própria ruindade, à sombra de boas gentes, mulheres e crianças, inclusive, num estádio ou num transporte, de “torcidas organizadas”? Melhor será batizá-las de bagunça (imundície) embrutecida.

Fort., 25/05/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 25/05/2010
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