SERÁ POSSÍVEL UM DIA AS MULHERES SE ORDENAREM “PADRES”?

Por Marcio Rabelo

Quando era estudante de teologia sempre defendi a ordenação de mulheres ao sacerdócio. Na ocasião isso era uma ofensa ao professor de dogmática e aos colegas clericalistas. Hoje continuo com o mesmo entendimento. Quem ler os evangelhos sabe que Jesus rompeu com o machismo rabínico judaico, já que foi o primeiro mestre a escolher as mulheres como suas discípulas. Essa atitude de Jesus de Nazaré foi uma ruptura radical com a cultura androcêntrica da época.

No primeiro século da era cristã, a mulher era reduzida a quase nada. O grande historiador judeu Flávio Josefo relata em seu livro intitulado “Contra Apião” que a lei dizia que a mulher é inferior ao homem em todas as coisas. Ela deve obedecer não para se humilhar, mas para ser dirigida, pois foi ao homem que Deus deu o poder.

Muitos rabinos contemporâneos de Jesus julgavam que era preferível queimar a Torá (a Lei) que ensiná-la às mulheres. Jesus se colocou na contramão daquela sociedade hipócrita e não as excluiu de sua doutrinação. Isso é narrado no evangelho de Lucas quando as mulheres seguiam Jesus desde a Galiléia. Na verdade, muitas mulheres exerceram um papel significativo na vida de Jesus Cristo (como em Lucas 8) e dos apóstolos, como Priscila (At 18,2 Rm. 16, 3-5), Maria (Rm 16, 6), Trifena, Trifosa e Pérside (Rm16,12), Febe (Rm 16,1), Evódia e Sínteque (Fp. 4, 2-3), dentre tantas outras.

Mas a Bíblia nada fala sobre essas mulheres serem ministras ordenadas ou presbíteras. Aparece como exceção a carta de são Paulo aos romanos 16,1, onde mostra a existência de uma diaconisa sendo líder nas primeiras comunidades cristãs. É sabido que o diaconato faz parte do grupo das três ordens sacras pertencentes ao sacramento da ordem, junto às ordens presbiteral e episcopal. Sendo assim, se existiram diaconisas então não é crime algum ordenar mulheres para o presbitério, para o altar do Senhor. Pena não existir hoje nem diaconisas na igreja católica. Algumas igrejas protestantes até aceitam, mas ainda com reservas. É hora de o cristianismo quebrar esse paradigma.

As mulheres são as preferidas do Senhor. Não é por menos que a primeira a testemunhar o “marco axial” do cristianismo, isto é, a ressurreição foi uma mulher, Maria Madalena, chamada mais tarde pela tradição de apóstala dos apóstolos.

Sou católico batizado e com convicção, mas acredito que a igreja deixa de ser mais rica em não aceitar a ordenação de mulheres.

O catolicismo em um documento divulgado na quinta-feira passada (15/07/2010), afirmava que qualquer forma de ordenação de mulheres é um crime gravíssimo contra a igreja, ou seja, tona-se "um crime contra o sacramento da ordem". Esse delito pode ser punido com a excomunhão dos envolvidos. O texto foi enviado aos bispos do mundo inteiro afirmando que a tentativa de “ordenação sagrada” de uma mulher pode gerar excomunhão tanto da mulher como do sacerdote e do bispo que participar da cerimônia de ordenação: “qualquer um que tente conferir a ordenação sagrada a uma mulher, assim como a mulher que tentar receber a ordenação sagrada, incorre na possibilidade de excomunhão”.

Segundo o historiador comentarista do jornal La Repubblica, Giancarlo Zizola "é aterrorizante considerar a ordenação de mulheres como um crime perpétuo". "Significa afastar-se da sociedade e esquecer a mensagem de Cristo".

Dentro da compreensão da teologia católica oficial, a igreja não aceita a ordenação de mulheres. Seu resultado é inválido e a ordenação não é reconhecida. Isso é ratificado pelo nº 1577 do Catecismo da Igreja Católica ao afirmar: “só um varão batizado pode receber validamente a ordenação sagrada”, pois de acordo com a tradição da Igreja Católica, Jesus teria escolhido apenas homens como seus apóstolos, o que impediria eminentemente a ordenação de mulheres. Até mesmo ordenar homens casados pode não ser lícito canonicamente, no entanto é válido se houver ordenação. Os estudantes de teologia da minha turma costumavam brincar que, durante uma possível ordenação feminina, talvez existisse um desvio da ação do espírito santo, já que ele sopra onde quer (Jo, 3, 8a).

Sabe-se que esse pensamento não é novidade para a igreja. O saudoso pontífice João Paulo II afirmara em documentos anteriores que é impossível ver mulheres de batina. Isso foi legitimado, sobretudo, com a carta apostólica “ordinatio sacerdotalis” de 22 de maio de 1994, prevendo que a ordenação sacerdotal é reservada somente para homens. Nesta carta o pontífice relata: “portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”. É claro que esta afirmação não é definitiva, pois o pontífice não se expressou em ex-catedra.

Apesar de amar a igreja, vejo que os sinais dos tempos não são percebidos por ela, pois na América Latina e principalmente no Brasil existem inúmeras comunidades eclesiais que vivem unicamente da palavra sem a eucaristia, devido ao grande déficit de padres que não chegam a vinte mil, número insignificante para a população brasileira. E olha que temos o título de ser o país mais católico do mundo. Eu não acredito muito nisso. Podem até existir muitos católicos, mas o Brasil ainda está distante de ser verdadeiramente cristão. Está mais para o futebol, isso todo mundo sabe.

Devido à escassez de padres nas comunidades quem ministra as celebrações e os cultos dominicais são os chamados ministros não ordenados, que na sua maioria são mulheres. Sendo assim, na prática, as mulheres já exercem o “múnus” sacerdotal, de ensinar, governar e santificar, pois são elas que sustentam a Igreja na América Latina. Isso é um fato empírico comprovado in locu e ninguém pode negar.

A igreja não precisa ensinar como elas devem exercer o seu papel de ministras ordenadas, isso elas já sabem. Só precisa legitimar o que é visível e existe na prática de milhares de comunidades espalhadas pela América Latina. Não se trata de clericalizá-las, mas possibilitar que as mulheres tenham também o “múnus” sacerdotal para servir toda igreja na sua universalidade e assim não falte eucaristia para alimentar o povo de Deus. Como cristão é triste ver que nossas comunidades estão perdendo a característica do rito católico, pois se alimentam apenas da palavra. Cadê a eucaristia? Infelizmente falta sensibilidade da cúpula romana, não é uma questão dogmática, mas doutrinária. E disso a história e os teólogos são testemunhas.

Uma das minhas grandes alegrias enquanto católico é saber que, apesar de estarmos passando por momentos sombrios, crises por cima de crises, seja a questão pedofilia, seja por falta de testemunho e tantas outras, apesar da fraqueza humana, quem conduz a igreja é o Espírito Santo. Pode custar, mas um dia veremos as mulheres ordenadas oficialmente. Nenhuma instituição por mais forte que seja não pode carregar o Espírito Santo no bolso! Não se pode abafar a ação do Espírito Santo na igreja. A igreja precisa ser pneumática, escutar sempre as vozes do Espírito. Enquanto isso, eu fico sofrendo um pouco calado, como dizia o magnífico teólogo Teilhard Chardin: “bem-aventurados aqueles que sofrem em silêncio por causa da Igreja”.

Finalizo com um provérbio africano que diz: “um pássaro não pode voar se não tiver as duas asas iguais”. Também a comunidade humana tem duas asas: a masculina e a feminina. Ela não tem possibilidade de progredir verdadeiramente se continuar unicamente a bater apenas com a asa masculina. Isso serve para a comunidade católica, e, sobretudo, para a comunidade cristã.

Marcio dos Santos Rabelo
Enviado por Marcio dos Santos Rabelo em 20/07/2010
Código do texto: T2389986
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.