O MÚSICO DEVE SER FIEL À PARTITURA MUSICAL OU AO ESPÍRITO DA OBRA COMPOSTA?

Segundo o maestro Isaac Karabtchevsky, a partitura é um parâmetro e o músico é um instrumento, ou seja, este é a ligação entre o compositor e o público. E a sua maior tarefa é descobrir. Mas é um processo de descoberta do próprio músico, de identificação. Ele precisa absorver o conteúdo gráfico de uma partitura e transformá-la num universo espiritual, pois um pedaço de papel não é revelador e o músico deve procurar descobrir as notas ocultas, ou seja, a intenção do compositor de dizer alguma coisa e tentar escondê-la.

Partindo dos argumentos do maestro acima citado que confirmam, por sinal, minhas proposições com relação à fidelidade do músico ao se deparar com uma partitura, defendo a idéia de que a fidelidade deve ser com o espírito da obra, sem, no entanto, deturpar a escrita. O músico precisa ir além da partitura propriamente dita, ou melhor, deve deixar, ao tocar, a música o envolver, de forma a fazê-lo ver e sentir o que se encontra nas estruturas profundas de uma partitura. Devemos nos atentar para o fato de que todo o músico ao ler partituras consegue, sem maiores dificuldades, ler sua estrutura superficial, ou seja, aquilo que está explicitamente no papel, sua notação musical, mas interpretar o que está além do que se vê, é qualidade peculiar de cada um.

Mas, alguém pode interrogar: “Como podemos ser fiel a algo que não se vê e não está explícito?” Ora, sendo fiéis a nós mesmos, aos nossos sentimentos, a nossa sensibilidade que nos permite perceber o âmago do que se pretende transmitir através de simples notas, aparentemente, expostas em um papel. Sendo fiéis a nós mesmos e deixando que cada nota, ao ser executada, vibre as cordas dos nossos corações, conseguiremos ser fiéis ao espírito da obra e assim revelar as notas que estavam ocultas, aquelas que vibraram timidamente e não conseguiram ser purgadas e expostas no papel, mas elas lá estavam tímidas, retraídas e o músico que conseguiu lê além, sentiu a carga de significado que aquela nota possuía e, sentindo sua simples vibração conseguiu purgá-la com toda a sua alma e dedicação.

Ser fiel ao espírito da obra é também tocar todas as notas que vê, mas, de forma diferente, pois cada nota é a sílaba de uma palavra que irá manifestar um sentimento, seja este de alegria, tristeza, revolta, prazer, ironia e tantos outros sentimentos que envolvem o ser humano. E perceber isto, é ir além da partitura propriamente dita, é buscar e ser fiel ao espírito da obra e de seu compositor.