Quem realmente são os Feios

O texto abaixo pode parecer apresentar tema diverso dos encontrados escritos por mim, também profissional de comunicação corporativa, além de cronista, contista e roteirista. Ledo equívoco. Tudo que referencia relacionamento humano e comunicação de ideias faz parte de minhas discussões. E o texto abaixo referencia uma das mais desprezíveis facetas da comunicação humana: o uso da (des)inteligência para transmitir ideias falsas de superioridade.

Recebi, há alguns dias, uma mensagem via e-mail de um amigo. No campo Assunto, constava a pergunta "Você acordou se sentindo feio hoje?" que me fez imaginar se referir a algumas palavras de incentivo que tanto pululam neste mundo virtual de frios fios que vão e vêm. Entretanto, o que há na mensagem é uma série de fotografias de seres humanos cujo visual não condiz com o chamado padrão normal de beleza. Alguns, inclusive, com evidente mostra de problemas genéticos.

Passei a divagar sobre o assunto. Um silêncio não contumaz ganhou o espaço físico em que eu estava enquanto via as imagens. Eram realmente chocantes. E cruéis.

Não sou hipócrita a ponto de mencionar pena, não me vi sentindo um dó pelos seres humanos vistos nas fotografias – ainda porque são desconhecidos –, pois a fealdade de rostos e corpos é comum em todos os povos. O que realmente me chocou foi o uso de imagens como aquelas para menosprezo e humilhação da raça humana.

Sem pôr em pauta a questão da plástica estética em si tão reverenciada hoje em dia nesta civilização de culto à beleza ou a questão religiosa do "somos todos iguais" tão mal compreendida nesta civilização de antipensadores, convém analisar o fato de um ser humano ter se disposto a elencar imagens de outros seres humanos com o intuito de torná-las objeto de piada, asco, zombaria, algazarra. É de se perguntar em que parte da personalidade humana está a necessidade da segregação, a ânsia por formar grupos, a capacidade de se sentir bem ao tomar para si o direito de espezinhar um igual – igual, obviamente, não no sentido da aparência, mas da hombridade. Por trás do envio de imagens como aquelas, está a incapacidade do homem de ver o próprio interior e usá-lo como instrumento de estudo, de reconhecer sua pequenez e torná-la limite a ser ultrapassado.

É ultrajante saber que a natureza precisou de milênios para construir mecanismos cerebrais tão complexos dentro de nossas cabeças e que, a contar por comportamento como esse, falhou no projeto de alguns deles, pois estes parecem ainda precisar de outro tanto de tempo para se tornar algo admirável.

O histórico Circo dos Horrores não encerrou suas atividades. Ainda necessitamos dos considerados inferiores para que nos sintamos lisonjeados. Ainda precisamos de pobres e miseráveis para que nos sintamos filantropos especiais. Ainda enviamos escravos às arenas dos leões. Ainda admiramos concursos de beleza. Ainda enaltecemos a inteligência de homens públicos corruptos que conseguem se esquivar das cobranças públicas.

Cabeças como aquela que enviou a mensagem, e cabeças como as que certamente estão rindo ao vê-las, fazem que produtores de programas medíocres, que usam o elemento humano como foco de piadas, se considerem artistas e permaneçam produzindo cada vez mais mediocridade.

Serg Smigg
Enviado por Serg Smigg em 13/08/2010
Código do texto: T2434899