Memória

Muitas vezes somos atraiçoados pela memória, pensamos que o nosso cérebro ao decorar tanta coisa funciona como um computador bastando o toque do rato para o ficheiro abrir, ser analisado, justiça feita, decisão tomada, e, ponto final.

No entanto, neste mundo moderno, onde a democracia é o melhor dos sistemas porque todos os outros provaram não o ser, é a noticia, essa simples descrição de quem, o quê onde, quando, porquê (?), que marca o nosso quotidiano social, politico, económico, desportivo.

A validade da notícia é curta, rapidamente cai no esquecimento, entretanto aparecem outros acontecimentos, as situações assim o obrigam, tudo como na memória.

O Brasil é a oitava potência económica mundial, todos os analistas prevêm que se torne na quinta em poucos anos, crescimento previsto para 2010 entre os 6,5% a 7%, prosperidade, diminuição da pobreza, aumento do emprego, debates políticos democráticos para que o povo decida quem irá suceder ao Presidente Lula da Silva (o presidente com a maior taxa de aprovação de todos os que já governaram o Brasil 75%), mas, e este mas é propositado, o Brasil ainda esquece as noticias recentes que provocam um sentimento de revolta silenciosa, em parte do seu Povo, pela impunidade com que se mata ou manda matar, sem que os culpados sejam descobertos, denunciados, condenados rapidamente, como em todas as democracias modernas, sendo esse o melhor exemplo que se pode dar para que de futuro tais situações não voltem, não possam ocorrer.

José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé, da comunidade Sitio do Tomé no Limoeiro do Norte, denunciou em comícios, pela rádio, várias injustiças que estariam a ser praticadas na Chapada do Apodi, aquisição de terras por grandes empresas agrícolas a agricultores endividados, que de proprietários passaram a empregados, expropriações indevidas de terras, denúncia do agronegócio e da contaminação de terras e água da região pela utilização indiscriminada de agrotóxicos nas culturas.

Só para se ter uma ideia em 2009 foram vendidos no Brasil 780 mil toneladas de agrotóxicos, que por questões de saúde pública são rejeitados nos países desenvolvidos, com um faturamento estimado em US$ 8 biliões).

Em 21 de Abril de 2010, este pequeno agricultor de 44 anos, foi assassinado nas proximidades da sua casa com 19 tiros de pistola, deixando mulher e duas filhas.

A notícia, nos jornais desse dia e alguns dias que se seguiram foi lida, comentada também, mas como no inicio deste texto escrevi, passado um tempo, acabou esquecida, de tal forma que hoje, passados quase 4 meses, nada ainda foi descoberto, nem o motivo, nem os criminosos, nem os mandantes, mesmo depois de ouvidos pela policia 40 pessoas.

Pedro Tierra, pela ocasião da morte de Padre Josino, defensor da Reforma Agrária assassinado aos 43 anos de idade, escreveu assim:

“Quem é esse menino negro/que desafia limites/apenas um Homem/sandálias surradas/paciência e indignação/riso alvo/mel noturno/sonho irrecusável/lutou contra cercas/todas as cercas/as cercas do medo/as cercas do ódio/as cercas da terra/as cercas da fome/as cercas do corpo/as cercas do latifúndio.”

A maior das cercas continua a ser o próprio Homem, e a sua memória, acrescenta este jornalista.

(in Gazeta de Noticias Cairiri)