"LSD... 70 ANOS DE VIAGEM AO INTERIOR DA MENTE"

O ácido lisérgico completou setenta e dois anos desde a primeira vez que foi sintetizado, em 16 de novembro de 1938. Talvez seja essa molécula a coisa mais potente que homem conseguiu produzir em toda a sua história. O poder sobre o corpo físico é quase desprezível, uma leve alteração na pressão sanguínea, elevação moderada nos batimentos cardíacos e discreta dilatação das pupilas, porém, na mente, a história é bem outra, ele provoca um efeito semelhante a uma verdadeira explosão atômica no interior do cérebro. Uma forte enxurrada de serotonina é derramada no córtex cerebral frontal provocando um desencadeamento muito grande de sinapses, no usuário, quase infindáveis, colocando-o num estado alterado de consciência que pode perdurar por até doze horas. É capaz de promover alterações tão radicais e profundas do estado mental, que uma boa parte dos usuários descreve como uma experiência de integração plena com a natureza, êxtase espiritual e iluminação mística.

Todavia, o efeito do LSD sobre a mente foi descoberto por acaso. O pai da molécula, o químico suíço Albert Hofmann, no laboratório Sandoz, na Basiléia, que hoje é a divisão de genéricos do grupo Novartis, disse que só teve ideia do poder do LSD sobre o cérebro humano acidentalmente. Naquela época, ele trabalhava numa pesquisa que fazia parte de um grande projeto que buscava novos medicamentos derivados de alcaloides do ergot, um fungo que cresce em cereais como trigo e centeio. Ele havia tido sucesso com a ergobasina, substância que foi desenvolvida para facilitar as contrações do parto.

Hofmann não fazia ideia do potencial psíquico da molécula. Na verdade, a experiência era toda conduzida no sentido de desenvolver uma droga que servisse como um estimulante para ser usado em problemas respiratórios e circulatórios. Os testes em animais, porém, não surtiram efeitos esperados, vários foram os experimentos realizados, sem que, contudo se chegasse a nenhuma conclusão ou utilização prática em termos de fármacos.

Numa determinada tarde de abril de 1940, já no final dos trabalhos, Hofmann deixou cair, acidentalmente, uma gota do ácido em seu pulso. Passaram-se pouco mais de uma hora para que os primeiros sintomas de alteração de consciência se manifestassem. Logo após passou a ter uma estranha percepção sensorial ampliada de tudo que observava.

Três dias depois, intrigado com estranho fenômeno psíquico que experimentou, Hofmann ingeriu intencionalmente 250 microgramas de LSD, quantidade insignificante se comparado aos demais psicotrópicos, pois baseado na experiência anterior, ele percebeu que os alcaloides do ergot eram extremamente potentes. Logo, passaram-se apenas alguns minutos para que ele começasse a tagarelar sem parar, ciente de que tudo o que falava era pouco inteligível, mesmo assim conseguiu se comunicar e pedir ao seu assistente, que sabia do auto-experimento de Hofmann, que o levasse para casa.

O Trajeto foi feito de bicicleta. Segundo, relato do próprio Hofmann, que viaja na garupa da bike, ele experimentou uma sensação de completa distorção da paisagem e ondulações, e muito embora o seu assistente pedalasse velozmente, a sensação que Hofmann experimentava era que estavam parados sem sair do lugar e não se movimentavam, o que se movimentava era a paisagem:

- “Uma vez em casa, tudo passou a assumir formas ameaçadoras... Tudo no meu quarto se movimentava ao meu redor... Os objetos familiares começaram a assumir formas grotescas... A vizinha, era quase irreconhecível para mim. Lembro-me que ela me trouxe leite, e que bebi durante a noite mais de dois litros de leite. Ela não era mais a senhora R., mas era uma bruxa malévola, insidiosa com uma máscara colorida. Mais tarde, senti uma tremenda paz interior e fui suspenso ao jardim do Éden, onde pude claramente ouvi uma sinfonia cujos músicos eram anjos. Tempo depois, eu não estava mais olhando um arranjo de flores. Estava vendo o que Adão viu na manhã de sua criação – o milagre, a existência nua, momento a momento”.

O LSD nunca chegou a ser comercializado pelo o Sandoz, ele foi distribuído gratuitamente, sob a marca Delysid, para outros centros de pesquisas a fim de que cientistas interessados em estudar os seus efeitos sobre a mente e seu potencial efeito terapêutico. No final da década de quarenta, alguns pesquisadores, tomando a premissa de que o LSD era capaz de causar ‘psicose experimental’, então, supuseram que a esquizofrenia poderia ser causada por alguma molécula de característica semelhante ao LSD. Começaram a buscar dentro da patologia algum indicio endógeno de algo semelhante ao ácido lisérgico no interior da mente esquizofrênica.

Mais tarde, ficou demonstrado que não havia nenhuma relação entre o LSD e a estrutura funcional da esquizofrenia. Outros estudos defendiam a hipótese que pequenas doses de LSD, por ter efeitos dramáticos na personalidade e no estilo de vida, poderia, quando administrados terapeuticamente, ser utilizado para atenuar os efeitos danosos de memórias traumáticas tanto em adultos como em crianças, todavia, também não foram logrados êxitos com esses experimentos. O fato é que durante os anos 40 e 50, foram realizados mais de mil ensaios com cerca de 40 mil alcoó¬li¬cos, toxicodependentes, autistas, pacientes obsessivo-compulsivos, vítimas de distúrbios psicossomáticos e doentes terminais com problemas psicológicos. O psiquiatra britânico Humphry Osmond afirmou ter constatado uma “surpreendente taxa de recuperação e de continuação da abstenção”, com uma única sessão, no tratamento de um alcoólico. Foi também demonstrado que os alucinogénios produziam experiências estéticas e místicas. Porém nada de científico foi pontuado em relação ao LSD.

Entre muitas das experiências realizadas com o LSD, uma em particular chamou atenção da comunidade cientifica. Alguns problemas de difíceis soluções relacionados às diversas áreas do conhecimento científico foram propostos a um grupo de cientistas, cada um “expert” em sua área. O Experimento consistia em ministrar dose de LSD em cada um deles e, logo em seguida, apresentavam-lhes os problemas relacionados à área em que atuavam. Assim, sob ação do LSD, eles começaram a trabalhar, e a grande maioria conseguiu encontrar soluções completamente inovadoras para seus problemas específicos. Segundo relato de um arquiteto, que participou do experimento, ele chegou à solução proposta depois que esteve pessoalmente em contato com o espírito da própria “Arquitetura”, que lhe apresentou toda sua história fazendo, então, um completo “Tour” por dentro de sua estrutura funcional, artística e filosófica. “... foi espetacular. Algo que jamais vivenciei. Faltam-me palavras para descrever a sensação”; disse o arquiteto ainda eufórico com a experiência.

Em 1961, os psicólogos Thomas Leary e Richard Alpert divulgaram os resultados de um estudo em que a droga fora administrada a mais de 200 pessoas; cerca de 85% relataram a experiência como a mais “educacional” de suas vidas, segundo os autores. Há tempos os dois vinham estudando outro psicodélico – a psicilocibina –, alcaloide obtido de um cogumelo típico do México, país onde estiveram para fazer auto-experimentos. “Aprendi muito mais sobre o cérebro e suas possibilidades em cinco horas, depois de ter tomado esse cogumelo, do que nos últimos 15 anos de pesquisa em psicologia”, disse Leary a um jornal americano anos mais tarde. Todavia, acabaram ambos sendo depois expulsos de Harvard, sobretudo, após os diretores da universidade descobrirem que eles costumavam promover festas para os alunos regadas a psicotrópicos.

Mas, de tudo o aconteceu com o LSD depois de sua sintetização, apesar das experiências desastrosas empreendidas pelo governo dos USA com doentes mentais e do projeto MKULTRA, um programa secreto de pesquisas sobre o controle da mente. Embora a maioria dos arquivos tenha sido destruída em 1973, devido as denúncias de pesquisadores, várias evidências indicam que o LSD foi testado, sem consentimento, entre soldados e civis, durante a guerra fria. Mas, pior mesmo, sem sombra de dúvida, foi o LSD ter caído de forma indiscriminada no domínio público. Sobretudo, porque o LSD ganhou popularidade no final dos anos 60 e início dos anos 70, numa época em que a filosofia dominante entre os jovens era paz e amor sem fronteiras.

Na verdade, o LSD acabou sendo consumido intensamente por uma geração que amor regado a sexo, drogas e rock’n’ roll eram as bandeiras tremulantes. O LSD arrebanhou adeptos no movimento de contracultura, ajudou a produzir gurus fanáticos, em Woodstock foi o tapete voador mais utilizado no festival. Também foi usado, sem muito sucesso, como “soro da verdade” em experimentos secretos de agências de inteligência, numa época em que a Guerra Fria justificava paranoias de todo tipo, ou seja, logo não demorou acontecer sustos psicóticos pelo mundo cuja causa foi atribuída ao consumo indiscriminado do LSD. Assim, não tardou a ser considerado pelas autoridades como droga ilícita, cuja distribuição, venda e o uso do LSD passaram a ser punidos com penas de privação de liberdade.

Verdadeiramente, da forma como o mundo material hoje é formatado, sob a ótica das modernas economias capitalistas ocidentais, drogas feito o LSD não se adéquam a esse atual estágio evolucional em que se encontram essas sociedades, sobretudo porque elas necessitam de uma via real e concreta como substrato que vão dar suporte ao processo de realização existencial. Em outras palavras, ninguém consegue viver construindo castelos em nuvens e alimentando-se de plana, é preciso que haja antes uma realização através do processo material como justificativa científica desse tempo e espaço presente, ainda que se tenha que suplantar o aspecto ético-filosófico, o que implica também em “tratorar” o lado espiritual, se ambos os aspectos forem impeditivos ao avanço do capitalismo no afã de se realizar.

Albert Hofmann, o pai da “criança problema”, como ele mesmo se referia ao LSD, acabou morrendo em 29 de abril de 2008, aos 102 anos, na Suíça. Contudo, ele liderava o rol dos 100 gênios vivos, segundo o jornal britânico Telegraph, à frente de nomes como Nelson Mandela, Steven Hawkings e Oscar Niemeyer.

Hofmann , sempre lamentou que a sua descoberta tenha sido satanizada e proibida devido ao abuso de uma geração, sempre acreditou que ela podia ser útil à medicina, embora não desconhecendo que, em mãos erradas, o LSD representa um perigo para a sociedade. Segundo ele, o LSD deveria ter as mesmas restrições que a morfina, por exemplo.

Crítico da cultura materialista, o químico suíço aposentado defendia uma visão holística da consciência, sem cair no esoterismo fácil. “Ao longo da evolução humana, uma substância como o LSD nunca foi necessária. Mas ela é uma ferramenta capaz de nos remeter àquilo que nós podemos ser”, disse por ocasião da celebração de seu centenário.

Sem sombra de dúvida, toda a experiência vivida pelo uso do LSD não reside propriamente na molécula. A viagem sempre esteve lá, nos confins da mente, o LSD é apenas uma chave que abre a porta para dimensão ilimitada da consciência transcendental, enquanto, porém, não passarmos pelo devido processo de iniciação seguro, no sentido de buscar a expansão dos limites mentais, não devemos, definitivamente, abrir esse porta, sob pena de não compreender o processo de transcendentalidade e embarcarmos na nau da loucura.

(Fábio Omena)

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 03/11/2010
Reeditado em 22/05/2013
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