A intolerância mora ao lado...

Agora o nome da vez é Mayara.E o que a tornou uma celebridade instantânea? O seu ódio expresso em palavras contra os nordestinos. Parece coisa pouca se compararmos com tanta violência que nos assola.Parece, mas não é. O que a moça escreveu na internet não pode ser entendido como brincadeira .Também não pode ser entendido como algo próprio da juventude, nada a ver.Esse fato vem se tornando cada vez mais recorrente e por pessoas de todas as idades e de distintas regiões do Brasil.Mais notadamente nos grandes centros urbanos e, mais modernamente na web.E que explicações plausíveis podemos elencar para esse tipo de atitude?
Como educadora que sou, venho trabalhando há vários anos pelo viés da afetividade.Tento incutir nos meus alunos conceitos éticos e morais que percebo que estão sendo esquecidos pelas famílias.Há muito que noto que a escola não pode ser tão somente bancária (lembrando Paulo Freire), meramente conteudista, pois o ser humano é mais complexo e o educando ainda em formação é mais complexo ainda.Além do mais as demandas de hoje, no que tange à educação, são muito mais desafiadoras,pois a escola não é mais privilégio de poucos, como o foi outrora.Décadas atrás, as escolas públicas eram sinônimo de qualidade, e até vestibular se fazia para conseguir uma vaga.Eu mesma tive que passar por alguns.Quem não se adequava ao sistema, quem repetia de ano mais de uma vez, acabava desistindo.Hoje, apesar de tantas pessoas falarem que a educação vai mal das pernas ( e eu concordo em vários aspectos), ela é oferecida a todos.Falta qualidade na maioria das instituições, mas o ensino básico é garantido em lei para todos.Para mim essa universalização da educação básica é um avanço e temos que continuar cobrando do poder público a aplicação da Lei do Fundeb em todas as suas instâncias para que alunos, professores e a escola como um todo possam realmente cumprir o seu papel com competência.Mas voltando ao ponto inicial do meu artigo, quero lembrar de um outro assunto também muito atual: o Bullying e o Cyberbullying.Meus alunos sabem de cor as características de tais práticas pelo tanto que temos discutido suas conseqüências na vida dos jovens.
A violência não nasce do nada.O preconceito não surge grande, explícito.Atitudes preconceituosas vão surgindo de forma pequena, acanhada, velada mesmo.Aí vão aparecendo as anuências, as piadinhas e fica tudo muito bem aparentemente. Na escola, onde os problemas comportamentais se evidenciam já nos primeiros anos de escolaridade , muitos sinais podem ser detectados.Se os mesmos fossem bem tratados, deixariam de evoluir para algo mais sério.Exemplos: um aluno se recusa a emprestar um determinado material para o colega, o professor vê e se cala, ignorando a falta de solidariedade.Outro aluno reclama do coleguinha que todos os dias lhe põe um apelido e...nada é feito concretamente.Brigas acontecem na rua, à saída da escola.No dia seguinte todos comentam o quebra-pau que parou o trânsito e a escola nada faz.”Já temos problemas demais do lado de dentro.O que ocorre lá fora não é de nossa alçada”.Em casa, muitos pais incutem nos filhos o desrespeito, quando permitem que a garota deixe o quarto bem bagunçado para que a empregada arrume tudo, afinal ela é paga para isso.O garoto pede tudo na mão e acha que a mãe é sua escrava, só quer receber e nada faz para compartilhar as responsabilidades.Os adolescentes vão para as baladas sem hora de chegar, com o aval dos pais que não sabem mais se impor aos filhos.Pais ricos dão carro de presente ao jovem que passou no vestibular, como se isso não fosse um dever.Famílias pobres se sacrificam ou se individam para dar uma mega festa de quinze anos à filha só para impressionar ou mesmo para satisfazer o sonho da garota que deseja ter um dia de princesa e esquecer momentaneamente sua realidade.Muitos podem discordar do meu pensamento na tentativa de explicar as deformações na educação dessa garotada que anda cada vez mais sem limites, porém cada vez mais eu percebo que tanto a ausência como a superproteção familiar , os dois extremos do processo educativo, são responsáveis pela geração de jovens arrogantes ditadores, cujo pensamento fundamentalista vai em direção oposta a uma educação baseada no respeito, na solidariedade e nos pressupostos da cidadania.
Então, quando vemos jovens de classe alta se sentindo ameaçados por outros que antes “reconheciam o seu lugar” ( resquício da escravidão) e seriam apenas seus futuros empregados ou capachos e que agora disputam suas posições na sociedade, ou os que são pobres e se sentem alijados dos bens de consumo e se revoltam querendo “na marra” aquilo que não podem ter, uma guerra cruel se instala e todos saem perdendo.
Creio que já passou da hora de somarmos forças e ficarmos do mesmo lado.Do lado da vida, da distribuição mais justa de oportunidades, do incentivo real ao ensino profissionalizante, à formação mais humanitária dos nossos jovens.
Escolaridade só não basta.Existem muitos doutores com o pensamento tacanho e egoísta, que acham que o mundo se resume em citações, em defesas teóricas maravilhosas.Quantas faculdades se preocupam verdadeiramente em formar para a cidadania? Quantas universidades se preocupam em despertar no graduando que ele tem uma dívida com a sociedade que o sustenta? Poucas, bem poucas.
Por outro lado, os jovens que poderiam estar cursando boas escolas técnicas para poderem trabalhar mais cedo e suprir com dignidade suas necessidades, são obrigados a abandonar o estudo depois da oitava série para trabalhar na informalidade, pois ainda não existem vagas suficientes diante de tão grande demanda.
Voltando à Mayara, à celebridade da vez, creio que tanto sua família quanto as escolas por onde passou são responsáveis pelo seu pensamento preconceituoso, pelo seu complexo de superioridade.Se em casa tivesse sido duramente repreendida cada vez que exteriorizasse uma opinião distorcida,se as escolas que freqüentou tivessem trabalhado questões ligadas aos valores morais e éticos , talvez não chegasse a tanto e soubesse respeitar o seu país em todas as suas dimensões e idiossincrasias.

Oxalá a repercussão desse lamentável episódio sirva de alerta para que outros jovens e/ou adultos pensem mais antes de proferir palavras ofensivas, maculando a honra das pessoas como juízes do mal.
Fizeram praticamente o mesmo com uma certa candidata à presidência: montagens, palavras de baixo calão, adulteração de biografia...Tudo muito sórdido e que não deve ser imputado a ninguém.



Deixo aqui registrado o meu apreço e minha admiração profunda ao povo nordestino.Sou mineira bem das gerais, mas sempre me senti acarinhada ao ser chamada de baiana ( talvez pelas minhas características físicas e pelo meu prazer em dançar) e sempre me senti encantada pela amorosidade tão espontânea desse povo adorável que é a síntese do que se tem de melhor nesse país.