Educação? Nem tudo está perdido.


Hoje quero falar mais uma vez sobre educação.Tenho lido muito a respeito desse tema aqui no Recanto.Eu mesma já escrevi alguns artigos.Mas,particularmente hoje, quero pelo menos tentar fazer algumas considerações que à primeira leitura pode parecer que estou propositalmente indo contra a maré, contra o senso comum, aliás coisa que já faz parte do meu feitio.
Como muitos que escrevem aqui ou que deixam seus comentários registrados, eu também estudei numa época bem distinta de agora.Estudei no tempo da ditadura.No meu bairro ninguém estudava.Quando muito as crianças cursavam as primeiras séries do curso primário e depois iam ganhar a vida como podiam.As escolas eram precárias e não existiam incentivos para que a garotada permanecesse na escola.As crianças sumiam e ...tudo bem.Como sempre fui alienígena, quis ser diferente e segui estudando, apesar de tudo.Minha família, como toda a vizinhança, não tinha nenhum recurso, tudo era difícil demais.Então lá fui eu estudar num colégio de freiras, com a ajuda de um tio querido do interior.
Mas não quero aqui falar de mim.A introdução serve apenas para me situar e aos meus queridos leitores.É que naquele tempo, estudar era para pouquíssimos.De lá pra cá muita coisa mudou.E será que no quesito educação as mudanças foram para pior? Se eu me ater a tudo que tenho lido, vou dizer que sim.Porém, uma vez mais vou discordar.
Naquele tempo...( e ainda não sou um Matusa, personagem de um belo conto do Stan), os professores não tinham grandes desafios.Estudava quem queria, mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo.Simples assim.Não havia contestação.O mundo estava passando por mil revoluções, o Brasil seguia a batuta dos generais, muitas coisas aconteciam na surdina e nas escolas nada era comentado.Tudo parecia róseo, quando não era.As matérias eram aquelas dos livros.Os professores não eram questionados.Eram os donos da verdade.Mas...que verdade? É claro que existiam Mestres maravilhosos, que se tornaram inesquecíveis.Mas a maioria sequer sabia das reais necessidades dos seus alunos.Tudo era muito profissional, muito superficial também.
Ainda naquela época, a escola pública significava a excelência.Existiam vestibulares para o acesso a elas.Do meu bairro me lembro que apenas três alunas tentaram uma vaga numa dessas instituições, só eu consegui e continuei estudando.
O tempo foi passando e as escolas foram mudando.Os professores também.As demandas de uma escola hoje são infinitamente maiores do que antigamente.Várias políticas públicas foram implementadas para que as crianças e os jovens pudessem ingressar na escola e nela permanecessem.Muitas dessas políticas foram resultados de greves prolongadas que, em meados dos anos 80 ainda eram duramente reprimidas e muitos daqueles que participavam eram punidos até com a perda do emprego.Foi através de muita luta que,gradativamente, as escolas foram se tornando inclusivas, isto é, passaram a ser para todos, independentemente da classe social, cor, credo e, mesmo os portadores de deficiência passaram a ter acesso ao ensino público.No início foi complicado, pois as escolas não eram preparadas para os portadores de deficiência, mas mediante a organização política dos docentes, das inúmeras participações em encontros político-pedagógicos, a situação foi melhorando, uma legislação específica foi sendo construída.Assim, atualmente na rede pública, pelo menos aqui em BH, quase todas as escolas foram reformadas para receberem o novo alunado.Inclusive na Rede Municipal, os mesmos contam com a presença de um acompanhante em tempo integral.Nada disso caiu do céu.E se muitíssimo há por se fazer, não podemos esquecer o que foi conseguido.E eu pergunto: Isso é ruim? E eu mesma me atrevo a responder:Claro que não!Se assim não fosse, onde estudariam as crianças com algum grau de dificuldade seja física ou psicológica? Nas escolas particulares que não seria., pois essas ainda são exclusivas para as classes média ou alta e não aceitam qualquer tipo de aluno.
Então ao fazer mais uma vez a apologia da escola pública,quero reafirmar que nem tudo está perdido.Existem projetos maravilhosos acontecendo em vários lugares desse Brasil de meu Deus.Professores anônimos que exercem a profissão com dignidade, que são educadores de fato e fazem uma grande diferença na vida de seus alunos.E se os tempos mudaram, a concepção de educação deve mudar também.Se em sua época Paulo Freire já condenava a educação bancária, ou meramente conteudista, imagine hoje? Vivemos uma época de esfacelamento familiar, de desagregação de valores, de relacionamentos no estilo fast-food. Então a escola já não pode ser como foi.Os educadores também não.Nas escolas onde atuei e ainda atuo, a gente insiste com a família, comunica a ausência do aluno ao Conselho Tutelar após a quinta falta consecutiva.E não são raras as vezes que temos que atuar como psicólogos, como conselheiros, como alguém pronto a acolher.E não há como fugir disso.Os tempos são outros.
Outro programa necessário é a Escola Integrada.Em alguns municípios ela já acontece.Aqui em BH ela teve início há aproximadamente cinco anos.E vem sendo ampliada a cada ano, com a previsão de que até o próximo ano 100% da Rede Municipal já esteja funcionando com tal projeto.É claro que nas  escolas cuja rede física não atende a demanda, o caos é inevitável, mas aos poucos, com a organização se aprimorando tudo ficará em ordem.Acreditamos ser mais um passo para que aconteça a Escola de Tempo Integral, que é algo muito mais sério.Alguém duvida também da relevância desse projeto? A garotada da periferia,se não estiver na escola, estará nas ruas à mercê do mundo do crime e das drogas.Então lugar de criança e de adolescente deve ser nas instuições escolares.
Se o meu leitor teve a paciência de ler até aqui, deve estar pensando: essa autora deve ser lunática.Para ela tudo está correto.Não, eu respondo.Está longe de estar tudo bem.Só acho que no quesito “aluno na escola” está tudo bem melhor do que sempre foi.Não sou saudosista dos tempos que “escola era para quem podia ou quisesse”.Sou defensora-mor de ensino de qualidade para todos , sem exceção.Creio que estamos no caminho certo, uma vez que a universalização do ensino básico já está garantida em lei.Agora, quanto à excelência do ensino, aí é tarefa para toda a sociedade, seja cobrando do poder público, seja participando mais efetivamente como amigos da escola.Uma participação cidadã de fato sempre é o melhor caminho.O que não pode de forma alguma continuar acontecendo é o Governo fazer uma economia burra.Se a Lei do Fundeb pode ser considerada um avanço ( e eu acredito nisso), a gente precisa cobrar a aplicabilidade de TODOS os recursos contemplados nessa Lei e assegurar a sua destinação às escolas públicas.Outro ponto que também considero um avanço é o Enem.Erros absurdos à parte, ele tem tudo para evoluir e atender de forma mais justa à demanda no ensino superior.Além disso, ele possibilita também já a partir desse ano a obtenção da conclusão do Ensino Médio àqueles que interromperam seus estudos em qualquer época por qualquer motivo.Essa também não é uma forma de inclusão positiva?
Para concluir, quero deixar expresso meu pensamento de que nem tudo é somente ruim.Tem muita coisa boa acontecendo e para muito mais gente.É que antes as benesses eram para poucos.Então temos que brigar para que os erros sejam corrigidos, os investimentos sejam aprimorados e que cada vez mais nossas crianças, nossos jovens tenham acesso a um sistema educacional que realmente lhes amplie os horizontes.