A IDIOTICE DOS IDIOTAS - um protesto gramatical

A IDIOTICE DOS IDIOTAS – um protesto gramatical

Um amigo professor de português me telefona e pede socorro. Ele acabou de assumir aulas num colégio de Sampa e está olhando o material. Sabe como é, é sempre bom se preparar para evitar dissabores!

– Como posso explicar a importância das vírgulas em frases como ‘O governo paulista, consciente de suas obrigações, providenciará uma profunda reforma no sistema de saúde do nosso Estado’? – disse esse angustiado amigo.

– Ora, é simples, você sabe tanto quanto eu que essas vírgulas justificam aí ou uma oração subordinada adverbial causal intercalada entre o sujeito e o predicado (por ser consciente de suas obrigações) ou, se quiser, pode considerar um simples adjunto adverbial de causa. Nos dois casos, no entanto, deve vir entre vírgulas porque está deslocado – respondi enfático. E, professoral como sempre, continuei:

– E você também sabe muito bem que a ordem natural das orações em português é sujeito, verbo, complementos e depois os adjuntos adverbiais. Se você desloca um adjunto longo, é recomendável que o faça separando-o pelas vírgulas.

– Eu sei, eu sei, disse meu angustiado amigo, que nessa altura já estava discutindo o problema com outras duas colegas da área também; os três angustiados! – Eu sei, continuou ele – mas nesse colégio onde lecionarei não se pode falar em gramática, eu tenho de explicar o uso da vírgula ou de qualquer fato da língua sem falar em gramática!

– Ué, por que não pode falar em gramática se toda a pontuação é gramaticalmente lógica e só dá pra ensinar mostrando os fatos gramaticais que justificam seu uso? – falei indignadíssimo com tal barbaridade. Isso é coisa que se faça com as crianças? – reclamei!

– Sei lá como é, mas é assim que eles querem, que falemos da língua sem citar gramática! – enfatizou esse amigo. O material da escola foi feito por duas professoras da USP e isso é o ensino moderno de língua! Terei de me virar também, nada de gramática, isso é palavrão na escola!

Na Inglaterra se ensina gramática da língua inglesa aos ingleses; na França se ensina gramática da língua francesa aos franceses; nos países castelhanos se ensina gramática da língua castelhana aos povos castelhanos; na Índia, na China, no Japão, cada um ensina sua gramática a seu povo, mas aqui no Brasil se tornou proibido e vergonhoso ensinar ao brasileiro que a língua é formada de palavras divididas em classes gramaticais, que essas classes contraem funções e formam sintaxe, que há concordâncias, regência e que tudo isso gera semântica, sentido.

A gramática é a estrutura de toda língua, um conjunto de normas que evita o caos. Mas alguns iluminados decidiram, aconchegados em seus gabinetes, que os professores de português não devem sequer citar gramática em suas aulas, que isso é coisa do passado. E são iluminados de gabinete mesmo, nunca deram aula, não têm noção do que seja conteúdo disciplinar algum, acham que a escola deve ser lugar de lazer para os alunos e não um lugar sério onde devem aprender conteúdo e desenvolver o raciocínio!

São iluminados, em geral doutores em inutilidades, que não conhecem os conteúdos disciplinares específicos, mas apenas generalidades bem superficiais de pouquíssimas coisas. Ou seja, pessoas absolutamente despreparadas mas com poder de decisão. Nada é mais criminoso num país do que esse tipo de processo: despreparados estabelecendo padrões de acordo com sua incapacidade! Péssimo para o futuro!

Esses doutores tomam decisões sobre coisas que não conhecem e ficam aniquilando o verdadeiro ensino para os brasileiros. Essa é uma das razões por que no PISA de 2009, dos 65 países analisados, o Brasil ficou na honrosa posição de 53º lugar, pois seus alunos não sabem interpretar um texto básico, não conseguem resolver problemas banais de matemática nem têm a menor noção em ciências. Isso já é resultado dessa ausência de ensino imposta por esses iluminados que jamais estiveram numa sala de aula e querem fazer da escola verdadeiros parques de diversão. Nunca os professores, especialmente os professores mais antigos, aqueles que realmente têm a experiência do conhecimento adquirido ao longo de anos de estudo e de prática, nunca esses professores foram consultados sobre o que é melhor ensinar-se numa escola! A eles lhes são impostas as novas regras e durma-se com um barulho desses!

Quem decidiu que para se ensinar português não é preciso ensinar gramática? Se assim é, não é preciso ser professor de português. Coloque qualquer pessoa que saiba ler, mesmo que não entenda o texto, e pronto. Por que teria de ser um professor de português a explicar a intercalação de uma expressão através de vírgulas se ele não pode citar os elementos gramaticais que justificam essas vírgulas!? A gramática, a matemática, a ciência, a história, a geografia e outros conteúdos, além do conhecimento que proporcionam aos alunos (em outras palavras, fornecem cultura), provocam o que é efetivamente o papel da escola: o desenvolvimento de raciocínios complexos. É através do esforço mental para resolver problemas de matemática, para entender a estrutura da frase que fazemos ou lemos e seu conteúdo, para entender biologia, botânica, ou seja, para entender genericamente a cultura humana que formamos cidadãos críticos, com capacidade de raciocínio e discernimento. Cidadãos que, depois de passarem por esse processo básico do ensino fundamental e médio, decidirão suas aptidões e serão as cabeças que criarão mais cultura e tecnologia, propiciando evolução e conforto à humanidade e garantindo ao Brasil um país criador e não um eterno importado das idéias alheias.

O diabo é que esse tipo de cidadão não é mais bem-vindo! Não se quer questionadores. Esses atrapalham o processo daquele que decide o que é bom para todos. Esses cidadãos críticos sabem votar e decidir! Para evitar isso, vamos tirando a gramática, os problemas mais complexos e até os mais comezinhos de matemática, não é preciso saber o essencial de botânica ou biologia, de química ou de física, muito menos a evolução histórica e geográfica. Pra que servem essas “besteiras”?, perguntam os iluminados. Aliás, pra que servem vírgulas, quem inventou as vírgulas?

Os iluminados não veem a menor diferença entre essas duas frases: “Os jornais de São Paulo que deram a falsa notícia serão punidos severamente” e “Os jornais de São Paulo, que deram a falsa notícia, serão punidos severamente”. Pra eles é tudo a mesma coisa. E como não veem a diferença, não posso explicar a eles, porque, para isso, eu precisaria falar em gramática e eles, os donos do saber e da decisão, não permitem. E também não têm a menor ideia do que seja gramática. Proibiram e pronto!

Prof. Leo Ricino

Novembro de 2010

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 03/01/2011
Reeditado em 01/05/2011
Código do texto: T2707007