O cristão pode comprar algo a prazo? Pode se envolver em dívida?

O cristão pode comprar algo a prazo?

Pode se envolver em dívida?

A questão que passo agora a problematizar se insere dentro de um contexto que julgo bastante pertinente, pois quem ainda não comprou algo em tantas e tantas prestações? Quem ainda não usou um cartão de crédito? Assunto este que está na ordem do dia, e faz parte da realidade de muitos.

Então, o que a Bíblia diz sobre esta nossa realidade? É certo ou errado? Deve-se ou não se deve entrar em dívidas? É da vontade de Deus ou não que um cristão compre algo que não seja à vista? É errado ou se estará contra a vontade de Deus se um cristão comprar algo no cartão de crédito? Ou através de um financiamento?

Bom, para 90% dos textos espalhados pela internet, escritos por cristãos evangélicos - a posição doutrinária é no sentido de que a Bíblia não abre espaço ou permissão para que um cristão faça dívidas. Os argumentos em boa parte, no meu ver, são fracos e inconsistentes se contextualizarmos à luz da época, observando o real sentido dos textos bíblicos para os quais foram escritos.

Mas antes de mostrar a minha posição em relação ao assunto e defendê-la, quero esclarecer o óbvio, o que muitos economistas dizem muito na televisão, o que a todo mundo sabe muito bem - que comprar à vista é sempre melhor do que comprar algo com juros embutido nas prestações parceladas.

Portanto, para mim a questão é só de bom senso e mera avaliação matemática e econômica para se chegar a conclusão de que sempre é melhor comprar algo à vista. No entanto, a questão se torna problematizável quando grande parte dos líderes evangélicos ensinam ao povo que não se deve comprar nada a prazo. Aí sim, mora o perigo. Buscar na Bíblia justificativa para se dizer que isso deve ou não deve ser assim, quando a questão deve apenas ser avaliada individualmente, e deve ser julgada no tribunal da consciência de cada indivíduo, é querer forçar textos bíblico a dizer o que não está dito.

Em Israel, Deus não havia proibido a compra a prazo e muito menos os juros de empréstimos. O que apenas Deus proibiu foi que quando houvesse algum compatriota que estivesse empobrecido, ido à falência, não se deveria aproveitar-se daquela situação lhe emprestando dinheiro cobrando juros, mas por uma questão de humanidade deveria sustentá-lo sem nada buscar em contrapartida ( Lv 25: 35-37). Assim em Israel se praticava um certo comércio que tinha como qualquer economia a pratica de juros e a busca de lucros. sim, pois além de fazer parte da cultura da época e de outros povos, Israel praticava esta forma de compra e venda sem haver nada no Antigo Testamento que a proibisse. Fora esta exceção, veja que em Deuteronômio 23: 19 os israelitas praticava sem qualquer lei em contrário a prática de empréstimos com juros. Por que então muitos agora vêm dizer que esta prática é produto das forças malignas, dos iluminates ou de qualquer conspiração satânica... vale lembrar que, a proibição encontrada na Bíblia se refere à usura como forma de exploração injusta do capital buscando lucros excessivos.

É claro que na Bíblia há sim o alerta para que não nos ponhamos em uma situação em que fiquemos "escravos" de credores, como diz proverbios 22:7 "o rico domina sobre o pobre, e o que toma emprestado é servo do que empresta" - mas este versículo não proíbe o tomar emprestado, mas faz um alerta para a possibilidade de se tornar inadimplente e cair numa situação lastimável de se ver endividado. E trazendo para nosso contexto - "escravos" psicologicamente daquilo que devemos. Veja que no verso 1 do capitulo diz: "mais vale o bom nome do que as muitas riquezas..." ou seja, o autor deixa claro que a questão principal não é o tomar emprestado que não se deve fazer, mas sim não tomar as devidas precauções necessárias ao se fazer o empréstimo, para que não venha a se tornar inadimplente - ou seja, sem condições de saldar a dívida. Em outras palavras, a questão negativa não consiste na atitude de fazer um empréstimo, mas em, ao fazer, não sentar e avaliar se tem condições financeiras de pagar posteriormente o que tomou emprestado. Deste modo, não vejo proibição no ato de tomar empréstimo em si, se levarmos em conta que na própria lei que regia o povo de Israel não havia nada que proibisse a prática do empréstimo, como bem mostrei anteriormente.

Na época de Jesus não era nada bom fazer dívidas, se não houvesse antes prévios cálculos. Isto devido ao fato que o devedor naquela época sofreria sérias sanções caso se tornasse inadimplente. Sofreria penas cruéis cujo objeto do castigo seria o próprio corpo. O autor Sílvio Venosa(Direito civil II, 2009, p. 298) assim nos diz acerca do contexto romano:

"no Direito Romano, como tantas vezes decantado, era, primeiramente, o próprio corpo do devedor que respondia pela dívida. O devedor poderia torna-se escravo. Contudo, não demoraram muito os antigos a descobrir que essa solução não trazia praticidade e pouco auxiliava o credor."

Jesus ao parabolizar a figura do credor incompassivo disse que o servo de um certo senhor não tendo como pagar dez mil talentos, o seu destino como inadimplente seria vendido ele e sua família como escravos e tudo quanto possuísse como uma das formas de saldar a dívida. Uma outra pena seria ser entregue aos verdugos até que toda a dívida fosse paga ( Mt 18).

Portanto, na época de Jesus, bem melhor seria para que ninguém de modo algum fosse devedor. Porém não vejo isso sendo exposto no novo testamento como uma proibição e muito menos como algo que implicasse em algum aspecto de sua vida espiritual.

Muitos vão usar o texto padrão para sustentar a tese do não endividamento que é romanos 13 "ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei."

Porém leia o versos seguintes para termos o contexto do texto... "pois isto: não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: amarás o teu próximo como a ti mesmo. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor."

Agora, perceba que o capítulo 13 de romanos, Paulo vem mostrando que devemos ser obedientes às autoridades estatais instituídas como pagar impostos, não praticar crimes, ter boa conduta como cidadão. Então chega o verso 13 mostrando que não devemos ficar devendo no sentido moral do termo, ou seja, se pratico algum dano moral em alguém, fico lhe devendo reparação... mas esta reparação não é de dívidas feitas em termos de aquisição materiais de bens de consumo. Leia o verso 12: "pagai a todos o que lhe é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra." Paulo está fazendo referência a um contexto completamente diferente daqueles que pega o verso 13 e o aplica fora de seu contexto bíblico a um contexto(nosso) que evidentemente Paulo não tinha em mente ao escrevê-lo. Veja que o verso 12 se expressa afirmando que como cidadãos devemos para com o Estado pagar aquilo que lhe é devido como respeito, honra, tributo. Se alguém comete um crime, este passa a ser devedor da sociedade, a qual por meio do Estado exige que a dívida(a penalidade) seja cumprida.

Então Paulo afirma que se tivermos amor ao próximo como fruto da graça de Deus evitaremos tudo aquilo que possa nos deixar em dívida para com nosso próximo em um sentido moral e cível: não praticaremos furto, ou qualquer outra espécie de maldade.

Portanto, Paulo neste capítulo não está a proibir um cristão de ficar em dívida para com alguém em termos financeiros, pois se um cristão contrai uma dívida e paga esta dívida exatamente como foi combinado, que mal há nisso? Que dano ao próximo há nisso? Pelo contrário, se compro e pago "direitinho" - sem atrasos, sem mora - não é de se imaginar ver o próximo-credor mui satisfeito com o contrato de compra e venda à prazo plenamente quitado?

Agora, quando a questão é moral, acontece que no momento do surgimento da dívida já se está a praticar algo que não se deve praticar, pois se cometo um furto e depois pago pelo o que furtei, o ato de furtar em si já é algo que se deve ser evitado desde o início - mesmo que se pague posteriormente. Daí Paulo conclui dizendo que nesse sentido e, somente nesse sentido, não devemos ficar devendo coisa alguma exceto o amor.

Até porque lembremos que Paulo nunca se posicionou contra alguém assumir uma dívida. Ele quando escreveu a Filemom disse que se Onésimo tivesse causado algum prejuízo de ordem financeira, ele - Paulo - assumiria a dívida, e como estava em cadeia em Roma, esta dívida evidentemente não seria paga à vista: "... se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta"(verso 18).

Ora, veja a incoerência desse raciocínio: um cristão jamais poderia ser patrão(um empresário) pois sempre estaria em dívida em relação aos seus empregados. Paulo diz em romanos 4:4 que "ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida..." Nesse diapasão dos 90% dos evangélicos que afirmam que não estar na Bíblia a permissão para assumir dívidas, nesse sentido um cristão jamais poderia ser um empregador, pois a cada trinta dias de um mês de modo repetitivo, um cristão-empresário estaria em dívida, e em contrariedade à vontade de Deus. Portanto, em vez de está empregando gente e fazendo o bem, estaria - nessa visão limitada - em sentido oposto à vontade de Deus.

Para encerrar estas considerações preliminares e dadas à provocação do tema, deixo aqui como conclusão, a opinião do reverendo Caio Fábio:

“Em minha opinião como homem que passou a vida toda sem dever—e que hoje conhece o amargo sabor de dever—, que viu dívidas serem criadas péla-fé, e que também viu os estragos da prosperidade, fica clara uma coisa: Não há livro cristão sobre finanças, que, por ter sido escrito por um “cristão”, tenha qualquer coisas a acrescentar à Matemática e à Aritmética. O livro de Provérbios lança o pavimento da cautela—às vezes até exagerada para o nosso gosto! O resto é bom senso: ver se com 100 tijolos a gente termina a torre; ver se com 10 mil homens pode-se vencer quem vem com 20 mil... No mais, é andar com integridade e controle, sem exageros e dentro do orçamento, tomar as precauções simples de quem anda pela fé, mas também não tenta a Deus. Ou seja: É só não sair por aí pulando do Pináculo do Templo aceitando propostas suicidas.” ( fonte http://www.caiofabio.net/conteudo.asp?codigo=00541&format=sim acesso em 19 de janeiro de 2011)

Penso que neste assunto das finanças tudo se resume em bom senso e prudência. Moderação ao comprar, sabendo se pode pagar ou não. Se pode assumir a dívida e pagá-la conforme ajustado não há em termos morais e muito menos espirituais qualquer lei ou mandamento ou versículo bíblico que diga claramente que um cristão não deva entrar em dívidas. É claro que se pode comprar à vista ou se pode esperar um pouco até ajuntar e comprar à vista, sendo esta , com certeza, a melhor atitude; porém, se alguém, de modo contrário, tomar atitude de comprar à prazo, no meu ver, não se estará cometendo nenhum pecado.

O que a Bíblia apresenta de modo a censurar é quanto ao fato do excesso de dívidas, de modo que alguém possa depois não vir a pagar suas dívidas. Mas, contra ao fato da dívida em si, a Bíblia não se posiciona em sentido contrário, nem a favor; apelando apenas para o bom senso.

MARCOS PAULO A M
Enviado por MARCOS PAULO A M em 19/01/2011
Código do texto: T2739442
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.