Produtos na prateleira: fetiche, mistificação e farsa, no mundo do consumo...

Produtos na prateleira: fetiche, mistificação e farsa, no mundo do consumo...

Ainda não sei bem o que quero dizer, ou se serei compentente o suficiente para dizer, mas, vamos lá:

Andando pelo centro da cidade ou por um shopping center e reparando bem nos produtos dispostos à venda - desde a farmácia até os produtos de informática, percebe-se, de um lado, a complexidade e a eficiência do resultado de determinados produtos.

De fato, alguns produtos ou bens de consumo, vistos de um certo ângulo e alguma distãncia, não podem ser classificados como menos do que miraculosos, que, em certa medida, são capazes de realizar aquilo que se encontrava nas promessas e práticas xamânicas e, do misticismo ou magia.

Pegando como exemplo as últimas gerações de produtos farmacêuticos ou já incrível variadade de computadores pessoais, verifica-se que realizam presentemente boa parte daquilo que era apenas imaginável, desejado.

Em certa medida, estes produtos criam em torno de si uma espécie de culto fetichista, de certo modo, despertando no consumidor algo do sentimento do curioso, iniciado ou crente, que busca em determinado produto algo de mágico e miraculoso, que contém a promessa da realização da satisfação visada, seja a cura ou seja a capacidade de multiplicação de capacidades humanas, tais como a comunicação e a especialização do trabalho.

O momento em que o indivíduo identifica uma necessidade ou, mais frequentemente, é induzido ao consumo de determinado bem que parece ser justamente uma solução ou lenitivo para si, o indivíduo parece descolar-se do que se chama a realidade e entra numa espécie de iter mágico ou religioso, reproduzindo de forma canhestra os primeiros passos de um curioso que busca algo miraculoso.

Algumas vezes, o processo é rápido e supostamente irrefletido. Outras vezes, um longo e processo de pesquisa e culto de idéias e desejos girando em torno de um processo que, supostamente deve passar pelo momento do consumo, isto é, a entrada na posse do produto ou bem e deve se estender além, quando então, se espera a entrada no mundo da revelação ou domínio do efeito esperado.

O remédio de última geeração que apareceu na Alemanha para controlar a hipertensão, ou o novo tipo de computador, o tablet, anunciado por alguém que parece um demiurgo, numa cerimônia transmitida ao vivo, aos vivos (ou talvez) de todo o planeta, a pilula miraculosa e azul que restaura a capacidade masculina perdida, oferecida a um preço exorbitante, ou ainda, o smartfone que parece a promessa de contato e a possibilidade de transmissão de idéias (se o sujeito as tem) ou sentimentos (se o sujeito deveras sente), tanto faz.

O mistério imposto pela barreira da distância e a suposta especialização dos laboratórios alienígenas, o sujeito que apresenta o produto numa atmosfera de encanto, não por acaso ostentando cabelos brancos e vestes negras - o que transmite a idéia de sabedoria e mistério, a capacidade mágica antes só encontrável nos préstimos de um traquejado xamã restiuindo num homem a macheza e a consequente noção de poder, masculino por natureza, ou ainda um aparelho, uma caixinha encantada, capaz de criar entre um indivíduo e todos os outros indivíduos imagináveis o liame rompido desde a criação do mundo e dos homens...

Nestes produtos e nos processos de consumo, a busca de cura, acesso ou vislumbres do mundo mágico, e a religação do indivíduo com suas origens cósmicas mais remotas parecem estar presentes.

Todavia, o caso é que o milagre embutido no mundo do consumo dura muito pouco, vez que se trata de simples simulação ou farsa.

Ao contrário dos ritos e processos mágicos ou religiosos, a promessa envolvida nas operações de consumo é algo que se esgota logo depois da consumação do feito - isto é, depois de cumprida toda a ritualística circunscrita à operação de consumo.

Poderia se dizer que o efeito ritualísitico se encerra junto com o processo do consumo, porque se trata de algo próprio ao ambiente do consumo de massa, ele não deva se estender, para que sejam introduzidas novas oportunidades de indução ao consumo.

Mas, o caso é que a simulação ou farsa ocorrida no processo de consumo é breve, antes de mais nada, em virtude da probreza de suas virtudes e desígnios.

Os processos miraculosos são fruto de algo que reputamos de concessão de uma divindidade, à qual é subjacente um liame senão de adoração, de crença e profundo respeito - o que envolve um conceito de relação longa e continuada, quase sempre precedente à existência do indivíduo e ligada à existência e estabelecimento do mundo, em termos de origem ou criação - de natureza mística. Os processos mágicos ou religiosos, por outro lado, são o fruto de pertinaz e longa prática e depuração, em termos de objetivo, virtudes e, meios o que envolve inclusive o desenvolvimento de uma profunda linguagem simbológica.

Como é possível verificar de um computador com os dois sistemas operacionais mais famosos - Windows e OS, se verifica que o sucesso de ambos está calcado na tradução de sua operação numa linguagem intuitiva e simbológica, que, todavia, encerra sua finalidade no próprio uso do equipamento e softwares embutidos, para fins de trabalho produtivo.

No caso dos produtos farmacêuticos, muito embora eles produzam resultados curativos hoje espantosos, padecem do fato de não induzirem no paciente a contraparte da cura do que chamamos espírito. Muito embora entregue o que promete entregar, tem esta inescapável deficiência, que pode estar ligado, inclusive aos abusos e intoxicação medicamentosa - o paciente busca, talvez, no exagero da dose ou do uso indiscriminado e continuado, acessar este nível de efeito ou interação.

O que há de promessa de milagre ou magia envolvida dentro dos processos e produtos de consumo é, em verdade, desde o momento da concepção até a aquisição do produto, uma sucessão de apelos e mensagens publicitárias, que despertam em nós a necessidade de consumo, se utilizando de técnicas de comunicação que não se pejam de acessar os nossos mais diferentes ou recônditos valores, sentimentos, sentidos e comportamentos.

E aí, se evidencia um questionamento de natureza ética ou, pelo menos, fundo moral, em relação à atividade publicitária, capaz de atravessar a carapaça de glamour que a cerca, pois o mínimo que se pode questionar é justamente o limite até onde se admite a exploração da natureza humana, em nome do estímulo continuado e irrefletido.

Tenho a impressão de que não exista um profissional experimentado da área que, em algum momento de desempenho do ofício, não tenha percebido que seu trabalho, conscientemente ou não, tenha cruzado tais fronteiras e limites, no momento em que chegou ao público consumidor.

Ainda que boa parte das peças e mensagens publicitárias apelem ou provoquem oos indivíduos em termos de desejos, conceitos, comportamentos e instintos, situando-se pois, no nível que trafega entre o consciente e inconsciente, o fato é que o processo de consumo - do qual a publicidade é apenas parte e meio - tende a despertar no indíviduo práticas que remetem à simulação de ritos e práticas muito mais profundos e enraizados.

A busca do milagre e da magia envolve a concepção de um mundo de uma forma complexa, em dimensões diversas e conjugadas ou associadas, comcomitantes ou não, e ainda, numa cosmogonia e num destino mágico do homem.

Continua...