O espetáculo sem graça

Sempre fui a favor da vida, independentemente do mal que determinada vida tivesse causado a outra. Sempre pensei na vida como bem supremo, que ninguém tem o direito de tirar, nem dos outros e nem de si mesmo. Mas me questiono conforme a evolução da condição humana, que concepções existem sobre a vida?

Ah a vida! O que é isso hoje? O que representa? Tudo ou nada ou os dois ao mesmo tempo. Vejo a todo instante vidas serem banalizadas; pessoas, que já nem sei mais se podem ser chamadas assim, padecem aos nossos olhos e achamos tudo normal, conseqüência do progresso, da urbanização das cidades, antes, quando o mundo parecia mais uma grande fazenda, sem iluminação pública, sem asfalto, sem trânsito congestionado, sem malabaristas no sinal, sem violência 24hs, não tinha nada disso. É certo, é conveniente e consolador pensar que uns tem que ganhar, outros tem que perder, ninguém vai ser feliz o tempo todo. Não. Não, não vamos ser românticos a ponto de achar que todos somos iguais e que as pessoas um dia irão se amar, viver em sociedade, em comunidade, na verdadeira acepção do termo, viver em comum unidade.

Isso me deprime! Acho que sou dessas sonhadoras que aspiram por um espaço global mais justo e igualitário. Mas de que me adianta, tantos, antes de mim pensaram assim. Inspiro-me em Paulo Freire que deu sua vida em função de uma proposta político-educativa, ou melhor, uma causa verdadeiramente humana e humanista, comprometida com a inserção de todas as classes, todas as raças. Ele sonhou e durante toda sua vida reafirmou sua utopia de unificação social.

Quando sou surpreendida pelas “novidades” americanas, me deparo com o caos a que o homo sapiens constantemente condiciona as relações humanas, que de humanas, cá pra nós, já não tem mais nada! Na primeira vez que ouvi a notícia da condenação de Saddam Hussein por enforcamento, no último dia 05, o primeiro pensamento que me ocorreu foi o de piada. Uma piada sem graça... Para mim essa prática tinha caído em desuso, coisas para livro de História ou filme de época. Mas, como profetizava Cazuza, ”... eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades...”.

É em meio a essa realidade caótica que me vejo sem coragem de colocar um filho no mundo! Tenho pena dele! Não é merecedor de um destino cruel como esse: nascer num mundo e numa época onde não existe nem o direito, por mais terrível e abominável que se possa ser, de morrer com dignidade. Sim, eu acredito na dignidade e pelo menos na morte ela deve existir, seja essa morte a de um sujeito de bem ou de um tirano inescrupuloso. Tudo isso porque acredito que não cabe a nós o julgamento de criatura nenhuma.

O que percebo nesse jogo sem tréguas é a imparcialidade de alguns ou a idéia do típico sujeito acomodado, acrítico, detentor do discurso do “não tô nem aí, não é comigo e não vou me preocupar...” Tenho profunda pena de pessoas assim e me sinto culpada por ter pena, um dos piores sentimentos que pode existir. Pena, pena de que, pra quê? Afinal, tantos morrem por aí das piores formas, não é mesmo? “Vamos mostrar ao mundo que existe justiça!” Só sei que preferia tirar minha própria vida a ter que morrer à custa de um jogo propagandístico. A favor de quem? Para quem se dar bem?

A resposta a essa questão todos nós temos e isso me enoja. Nessa guerra não tomo o partido de ninguém, pois em guerras não existem vítimas ou carrascos, todos estão dispostos a matar, a morrer e a destruir. Acredito que esse veredicto afundará o Iraque, marcado pelo sectarismo e pelos conflitos religiosos, em mais violência e derramamento de sangue, se é que isso ainda é possível.

Tenho uma sugestão e acho que ela irá agradar ao povo norte-americano e a todos os simpatizantes da idéia da morte forca. Vamos montar um palco iluminado, muitas luzes e som, acender fogueiras, chamar toda a imprensa e todos os curiosos caçadores de tragédias, aqueles que, como na Idade Média, idade sombria, marcada pelo pensamento egocêntrico, se deliciavam com os espetáculos de extermínio em praça pública e... De graça! Bárbaro! Nos dois sentidos do vocábulo! Eu tenho vergonha de pertencer à mesma raça de "humanos" que às custas da humilhação e do sofrimento alheio, buscam o heroísmo e a auto-redenção.

Anaturva
Enviado por Anaturva em 06/12/2006
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