Notas Augustino-epicúreas

Não sei se é o desejo inexpugnável de comunicação com o mundo e com o exterior, mas sempre sinto, inexoravelmente, necessidade de escrever. Uma necessidade diletante, descompromissada – com a gramática e a retórica, subtenda-se – intrínseca, dominadora.

O que leva um ser humano a escrever sempre será um mistério para a humanidade. O que determinou a Isaías e os demais profetas; Homero e os dramaturgos gregos a escriturar suas idéias, continua ainda hoje levando seres humanos, frívolos ou grandes artistas, a tomar da letra(este ente sagrado que 10 mil anos tem sido invocado). Será também fascinante notar que exercendo esse signo tanta influência, foi tão menosprezado por homens que dele teriam tirado grande partido. Já tentei ser-lhe indiferente, porém nunca consegui, quando a determinação era demasiado pungente em minh’alma.

Note-se este momento: nada tinha de pressuposto no cérebro, no entanto, cá estou, como que guiado a compor um texto, cuja finalidade e conteúdo nem mesmo sei. Tudo isto ficaria melhor desenvolvido numa Teoria da Inspiração, pois até que se prove o contrário é sempre Ela nos leva a sentar à escrivaninha.

Escrever é uma arte. Porém para alguns é um gozo, de modo que há escritores artistas e artistas que não são escritores como os casos de Buda, Sócrates, Cristo, etc. A arte prosódica tende a se apurar com o tempo, mas desde o princípio, o olho clínico do leitor já percebe a pena artística, singular, mesmo que o autor que a usou não tenha produzido, com efeito, uma obra literária – consulte-se os tratados filosóficos de Nietzsche, verdadeiros primores de arte em prosa.

Se ainda estivesse entre nós o poeta Fernando Pessoa saberia explicar qual o motivo que induz um provinciano a escrever, até altas horas, palavras que são só dele e sempre serão dele.

Aracati-Ce., 09 de outubro de 2004.