O martirio de Saddam foi um acidente ?

Líderes executados se transformam em mártires e símbolos poderosos que impulsionam a luta dos povos. E o que está ocorrendo com Saddan Hussein. O povo de cultura árabe precisa desses líderes, vivos ou mortos. Saddan se transmuta de ditador cruel e derrotado, amargando um cárcere humilhante, em herói popular comparável a um Saladino, cheio de glórias. Mais um santo está nascendo, mais uma terra santa a ser cultuada e visitada em peregrinação pelo povo simples, mais uma lápide a ser reverenciada, um herói amado.

E tudo isso ocorre por acaso, porque ele, humilhado por seus carrascos no último minuto, enfrentou a forca com dignidade. Mais uma vez se renova o mito do mártir, daquele que morreu pelo povo, para salvar o povo. E sua morte serve de perdão, o esquecimento de seus crimes, o suplicio extremo que purifica as intenções. Quem morre está perdoado. Quem morre na televisão, num reality show de horrores, se transforma em mega-pop-star-póstumo

Mas não, não é por acaso que isso está acontecendo. A execução apressada é promessa de guerra contínua. A sociedade iraquiana, aparentemente, não existe. Democracia? Não há democracia lá. A própria nação é uma farsa montada pelo colonialismo inglês, não há como transformar o aglomerado de culturas e etnias diversas em uma nação. Daí a razão de mão forte no governo central.

Herdeiros do colonialismo inglês os americanos só fazem complicar o panorama político e a evolução da região, de tal forma que, hoje, podemos afirmar que boa parte dos conflitos que eles enfrentam é conseqüência direta de suas ações no passado. Mas é isso um problema para eles?

A quem interessa o estado de beligerância no Oriente Médio?

Evidentemente, interessa aos beligerantes, aqueles que produzem e enriquecem vendendo armas, ‘aqueles que comandam exércitos e coalizões, ‘aqueles que tem na guerra a sua máxima aspiração de vida.

E, também, ‘aqueles que vivem do petróleo, riqueza e maldição da região. Sem dúvida grandes interesses estão ali envolvidos, e a condução da política de conflito permanente, um jogo perigoso que depende de armas e de homens para o sacrifício, transforma a guerra em doença crônica, cujo remédio é mais armas e mais conflito.

Que grande negócio, senhores! Assim, o jogo de conflitos armado pelos ingleses no século 20, ao herdar o Oriente Médio do império otomano, após a primeira guerra mundial, continua produzindo os seus desdobramentos até hoje, promovendo os seus conflitos, a sua morte e destruição. E, é claro, lucros para alguns. Democracia? Conta outra.

A martirização do ditador representa então a promessa de muita guerra no futuro. Foi um acidente?