OS JUDEUS E O NOME DO BRASIL - PARTE 2

FUGINDO DA CRUZ

Se deste lado do Atlântico a cruz acabou por marcar o achamento das terras que viriam ser chamadas Brasil, do outro lado deste mesmo oceano ela também marcaria o destino de um povo que, há muitos anos, vivia harmoniosamente na Península Ibérica com mouros e cristãos, os judeus.

Em março de 1492, pouco após a conquista de Granada, último bastião mouro na Península Ibérica, os reis católicos de Aragão e Castela assinariam o decreto de Alambra, onde estipulavam o prazo de três meses para que os judeus deixassem todos os reinos espanhóis. Tendo a vida deveras dificultada dentro de terras hispânicas, grande parte dos judeus decidiu se refugiar em Portugal, reino onde ainda gozavam de certa autonomia social e religiosa.

Apesar de certa divergência quanto ao número de judeus que teriam fugido para Portugal em fins do século XV, a historiografia tem registrado que mais de cem mil deixaram, juntamente com seus cabedais, os reinos de toda Espanha rumo a Portugal. Assim, de um momento pra outro, Portugal se viu inundado por uma onda gigantesca de judeus que o rei português, D. João II, permitiu entrar e permanecer em Portugal por oito meses mediante o pagamento de uma taxa de capitação de oito cruzados. Após este período, o rei prometera a livre saída dos judeus do reino, o que não seria cumprido. (BASBAUM, 2000, pp.84).

Em dezembro de 1497, D. Manuel, sucessor de D. João II, acabaria por ceder às pressões de seus futuros sogros, os reis católicos de Aragão e Castela, e às vésperas de seu casamento com a princesa de Espanha, também decretaria a expulsão dos judeus de Portugal. Contudo, como diz Arnold Wiznitzer em seu já clássico Os judeus no Brasil colonial, o termo “expulsão” não é o mais correto para designar o tratamento dedicado aos judeus pelos portugueses. Segundo Wiznitzer, apesar do rei português desejar a expulsão, ele não queria abrir mão da riqueza deste povo, bem como, de suas habilidades comerciais e científicas. Assim, ao invés de expulsar os judeus, acabou por converter “aproximadamente 190.000 judeus residentes em Portugal, quase 20% da população total do país.” (WIZNITZER, 2000, pp.1). Com a conversão forçada, D. Manuel acabava de criar o problema do criptojudaísmo em Portugal. Uma vez que toda a população judaica fora obrigada a se converter ao cristianismo, é razoável supor que boa parte da primeira geração de cristãos-novos era constituída por indivíduos que certamente judaizavam, ou seja, seguiam praticando a religião judaica de modo oculto, apesar de convertidos ao cristianismo.

Apesar de forçar a conversão dos judeus e criar o que viria a ser conhecido como cristãos-novos, maneira de se diferenciar aqueles que já eram cristãos dos judeus recém-convertidos à força, D. Manuel acaba decretando leis para evitar a perseguição dos cristãos-novos em Portugal temendo que estes deixassem o reino com seus bens. Segundo Salvador José Gonçalves, em Cristãos-novos, jesuítas e inquisição, D. Manuel determinou uma lei que impedia os portugueses de indagar qualquer coisa sobre o passado dos cristãos-novos que residiam em Portugal pelo prazo trinta anos (SALVADOR, 1969, pp. XIX-XXVII).

Embora estas leis visavam proteger os cristãos-novos, o cerco sobre eles foi apertando em Portugal e já no começo do século XVI os portugueses culpavam-nos pelos males que recaíam sobre o povo. Wiznitzer conta o caso do terremoto de 1531 que destruiu parte de Lisboa. Neste episódio, o povo português atribuiu o terremoto à ira de Deus contra a presença de judaizantes em Portugal.

Por fim, no ano de 1536, após grande hesitação papal e, há até quem diga, suborno do rei português D. João III, a inquisição foi finalmente instalada em Portugal. Basicamente seu objetivo é descobrir e punir severamente os cristãos-novos que insistiam no crime de judaizar.

Neste contexto, o Brasil começa a se constituir uma excelente opção de fuga para os cristãos-novos perseguidos pela Inquisição em Portugal já na década de 30 do século XVI. Aliado ao medo da Inquisição, outro fator que atraiu os cristãos-novos para a América Portuguesa foram as excelentes oportunidades de lucro que estas terras prometiam a quem viesse com dinheiro suficiente para estabelecer engenhos, comércios ou outros negócios por aqui. Sabe-se que a partir de 1530, Portugal inicia o projeto de colonização dos vastos espaços americanos que lhe correspondiam e eram constantemente ameaçados por ingleses e franceses. Por não ter colonos suficientes para aventura de tamanha envergadura, a coroa não se importava em fazer uso dos cristãos-novos para tal empreitada, muito pelo contrário, diversos autores destacam o grande número deles aportando no Brasil, especialmente no nordeste, a partir da década de 30 do século XVI.

Portanto, é certo afirmar que muitos cristãos-novos vieram ao Brasil em busca das excelentes oportunidades de negócio e lucro, como outros tantos, mas é inegável que grande parte deles acabou vindo parar em costas brasileiras fugindo justamente da cruz e da sombra nefanda da inquisição que a empunhava. Ironia do destino ou não, essa mesma cruz da qual fugiam em Portugal, marcava profundamente a terra para a qual estavam fugindo, como vimos anteriormente, o próprio nome da terra para a qual vinham era marcado pela símbolo da cruz e por sua religião.

Roger Beier
Enviado por Roger Beier em 29/01/2007
Código do texto: T362416