Ô filhão

Enquanto estou aqui numa dor pessoal, vejo no jornal mais uma indignação da sociedade brasileira. Há pouco tempo escrevi um texto chamado “Indignar-se para quê?”, por ocasião do assassinato daquela família em Bragança Paulista, queimada dentro de um carro. Agora outro crime bárbaro, uma criança arrastada por um carro por sete quilômetros na Cidade Maravilhosa do país. Recomeçou a velha lengalenga da sociedade, dos políticos, das autoridades de segurança: vamos reduzir a idade penal; vamos investir em educação e tirar os jovens das ruas; vamos reformar o código penal; vamos mudar a Constituição; vamos fazer leis mais duras.

Outras autoridades vêm à televisão e dizem que não devemos mudar nada durante um clamor nacional, pois as coisas não serão feitas com razão e o que vemos é que não é feito nada nem durante o clamor, nem depois.

Com certeza vamos esperar o próximo crime bárbaro, que com certeza não tardará muito e temos que pedir a Deus que não seja nem com a gente nem com alguém próximo, para recomeçarmos a discutir sobre as leis, sobre os motivos da criminalidade.

Enquanto isso o crime vira algo banal em muitos lugares. Nos programas dedicados a mostrar crimes, enquanto um corpo jaz no chão, crianças pulam e brincam diante as câmeras, como se tivessem numa festa.

Sete foram os quilômetros percorridos arrastando um garoto, seis era a sua idade, três são os anos de detenção que o menor envolvido no crime pode pegar, um sexto é a redução permitida para pena de crimes hediondos concedida em fevereiro de 2006 pelo STF.

O Jornal Nacional que começou de forma dramática falando sobre a morte brutal do menino, com opiniões de ilustres do que fazer, termina sua edição com a pergunta: quem faz o melhor carnaval do Brasil? Entrevistando Carlinhos Brow sobre um tal de pipocão. Isto é Brasil.

Não vou me alongar muito nesse assunto, já falei sobre isso, os jornais passarão uma semana comentando o assunto, até a missa de sétimo dia do menino. Depois? Ah, depois é carnaval, as reformas das leis podem esperar até março, abril, maio, 2008, 2009, 2010.

Uma frase curta me emocionou esta semana foi a de um pai falando ao telefone com seu filho de sete anos que acabara de ser libertado de um seqüestro: “ô filhão”, sorte deste pai que pode dizer essa frase. O pai do João Hélio não poderá mais dizê-la. Eu também não.