Produção de Leitura: O trabalho com leitura de diversos tipos de textos e seus fundamentos lingüísticos

Ângela Rita Christofolo de Mello, Mestranda em Movimentos Sociais e Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, Professora efetiva na Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus Universitário de Juara, Departamento de Pedagogia, área de Metodologia do Ensino e Professora Formadora do Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do Pólo de Juara/MT (CEFAPRO/MT)

TEMA: Produção de Leitura: O trabalho com leitura de diversos tipos de textos e seus fundamentos lingüísticos.

OBJETIVO: Discorrer acerca das implicações do aprendizado do ato de ler, dos diferentes tipos de leitura, de como ler, da leitura e a escola, e seus fundamentos lingüísticos.

A leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se deve aprender na vida terá de ser conseguido através da leitura fora da escola. A leitura é uma herança maior do que qualquer diploma. (CAGLIARI, 2005, p. 148)

CAGLIARI (2005) define a leitura como atividade fundamental desenvolvida pela escola para a formação do aluno como cidadão. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado para a construção de um sujeito leitor. O autor define a leitura como uma atividade extremamente complexa e envolve problemas não só semânticos, culturais, ideológicos, filosóficos, mas também fonético. Muitas vezes os alunos vão mal nas provas não porque não sabem a matéria, e sim porque não sabem interpretar, entender o que lhe é perguntado.

A leitura, afirma CAGLIARI (2005) é a realização do objetivo da escrita. Quem escreve, escreve para ser lido. O mundo da escrita é complicado e caótico no seu aspecto gráfico, quando mais se juntarmos a isso o mundo dos significados carregados pela escrita. A leitura vai operar justamente neste universo.

Às vezes ler é um processo de descoberta, como a busca do saber científico. Outras vezes requer um trabalho paciente, perseverante, desafiador, semelhante à pesquisa laboratorial. A leitura pode também ser superficial, sem grandes pretensões, uma atividade lúdica, como um jogo de bola em que os participantes jamais se preocupam com a lei da gravidade, a cinética e a balística, mas nem por isso deixam de jogar bola com gosto e perfeição. (CAGLIARI, 2005, p. 149)

Ler é uma atividade profundamente individual, ao contrário da escrita que é uma atividade de exteriorizar o pensamento, a leitura é uma atividade de assimilação de conhecimentos, de interiorização, de reflexão. A leitura que CAGLIARI (2004), refere-se de maneira particular é a leitura lingüística, baseada na escrita, portanto, reveladora de uma interpretação que o leitor faz da interpretação que o escritor fez da sua “leitura de mundo”. (p.150)

A leitura é uma decifração e uma decodificação. O leitor deverá em primeiro lugar decifrar a escrita, depois entender a linguagem encontrada, em seguida decodificar todas as implicações que o texto tem, finalmente, refletir sobre isso e formar o próprio conhecimento e opinião a respeito do que leu... A leitura é uma atividade estritamente lingüística e a linguagem se monta com a fusão de significados com significantes.(CAGLIARI, 2005, p. 150)

Segundo o autor, os signos lingüísticos atuam pela convencionalidade social. A escrita atua pela convencionalidade da representação gráfica dos signos, e a leitura também tem a sua convencionalidade guiada não só pelos elementos lingüísticos, mas também pelos elementos culturais, ideológicos, filosóficos, do leitor. Cada um lê a seu modo, a escola deve respeitar a leitura de cada criança.

Para CAGLIARI (2005), toda leitura deve ser feita não só sintagmaticamente (significado literal da palavra), como também paradigmaticamente (conhecimentos adicionais, oriundos de seu modo pessoal de interpretar o que leu, tendo em vista toda a sua história como leitor e falante de uma língua).

A leitura comum só se realiza através dos mesmos mecanismos de produção da fala. Quem fala com fluência e rapidez é capaz de ler bem e rapidamente. Ensinar as crianças a ler no seu próprio dialeto é fundamental para formar bons leitores e a habilidade como falante é decisiva para ser um bom leitor, explica CAGLIARI (2004).

Tipos de leitura

Por leitura se entende toda manifestação lingüística que uma pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado em forma de escrita. Uma leitura pode ser ouvida, vista ou falada. A leitura falada, embora timidamente, geralmente acontece na escola. O primeiro contato da criança com a leitura, se dá por meio da leitura auditiva. Os adultos lêem para as crianças, assim, ouvir histórias é uma forma de ler. Ouvir uma leitura equivale a ler com os olhos, a única diferença reside no canal pelo qual a leitura é conduzida do texto ao cérebro.

Porém a prática predominante na nossa cultura é a leitura silenciosa visual, sendo considerada mais importante. A leitura visual tem grandes vantagens sobre os outros dois tipos de leitura; não inibe o leitor por questões lingüísticas, permite uma velocidade de leitura maior, podendo o leitor parar onde quiser e recuperar passagens já lidas, o que a leitura oral de um texto não costuma permitir.

Muito do que ouvimos pelo rádio e vemos pela televisão são leituras faladas, mas a imagem visual reserva emoções que o texto escrito expressa muito mais fracamente. O ideal seria poder manter a experiência da leitura dos textos escritos e a experiência da leitura das imagens dos filmes e da televisão.

A leitura oral, falada ou ouvida, explica CAGLIARI (2005), processa-se foneticamente de maneira semelhante à percepção auditiva da fala. A leitura visual, falada ou silenciosa, além de por em funcionamento o mesmo mecanismo de percepção auditiva da fala para a decodificação do texto, precisa por em ação os mecanismos de decifração da escrita. Não existe leitura sem decifração da escrita.

A escola comete uma injustiça com as crianças não levando em conta essa sua dificuldade, muito real e séria que é a decifração na leitura. As crianças precisam de um tempo para decifrar a escrita. Cada criança tem um ritmo próprio que precisa ser respeitado.

O processo de decifração da leitura pressupõe a compreensão do que é, para que serve, como funciona, o que é ortografia. Feita a análise da escrita o leitor precisa remeter tudo isso ao cérebro, a fim de proceder então à programação neurolingüistica que irá por em funcionamento os mecanismos de produção da fala correspondente; assim o leitor poderá compreender o texto programado em muitos aspectos pelo escritor e completado pelo leitor, e se for o caso, reproduzi-lo oralmente. (CAGLIARI, 2005)

A leitura de um texto não se processa diretamente da “compreensão” da escrita para a “compreensão” do pensamento. A leitura é um ato lingüístico e está essencialmente presa a todo mecanismo de funcionamento da linguagem, da língua específica que está sendo lida. Há um aspecto biológico que vai desde a função cortical da programação lingüística até as modificações aerodinâmicas e musculares da produção e recepção da fala. Esses aspectos não podem ser esquecidos na prática.

A escrita deixa de lado diversos aspectos fonéticos, como o ritmo, a entonação e muitos elementos contextuais que numa fala real ajudam a compreensão do que se diz. Um bom leitor, afirma CAGLIARI (2005), deve recuperar esses elementos que a escrita não reproduz... uma leitura expressiva. Para que as crianças leiam expressivamente, a professora precisa deixar que ela estude o texto, decifre-o e treine sua leitura. Ela não pode lê-lo diretamente. Isso frustra a criança que lê, os colegas que ouvem e a professora, que percebe que não sabe ensinar como ler corretamente.

Como ler...

Na iniciação a leitura é preciso proceder de maneira que a criança tenha apenas duas etapas independentes de processamento fonético: a decifração fonética da escrita, que será feita visualmente, e a produção oral da fala lida, que será feita depois que a primeira for completamente concluída e de maneira espontânea. A criança precisa de todo o tempo necessário para decifrar e analisar a escrita.

Num sistema de escrita como o nosso, treinar alguém a ler encadeando sílabas é obrigar o leitor iniciante a uma atividade terrivelmente complicada. A maneira artificial, silabada, sem ritmo, sem entoação e sem uma realização adequada dos segmentos fonéticos, na fala de muitos alunos, advém da maneira inadequada com que foram ensinados e treinados a ler. Além de dar tempo à criança é preciso dar chance ao aluno de ler segundo sua variedade de língua e não obriga-lo logo na primeira leitura a ler no dialeto da escola.

A leitura e a escola

Na prática, ao longo do ano escolar se dá muito mais ênfase a escrita do que a leitura, porém, ler é uma atividade tão importante como a produção de textos espontâneos. Aprender a ler é mais fácil do que aprender a escrever e é possível ler sem saber escrever. A leitura é uma atividade que precede a escrita. Uma criança pode começar ouvindo histórias, aprendendo a decifrar os sons das letras (no seu dialeto e no da escola) em diversos contextos (palavras diferentes), e se pôr a ler pequenos textos de cujo conteúdo já tem conhecimento (já ouviu) ou sabe de cor, como canções, provérbios, adivinhações, parlendas, trava-línguas, etc...

Se esse tipo de atividade for intensificado, a criança passa a ter um outro tipo de contado com a escrita, que não é simplesmente um jogo de montar e desmontar sílabas e palavras. Terá a vantagem de adquirir uma visão mais real do que a escrita é e de como funciona, o que lhe facilitará o aprendizado da própria forma ortográfica.

O objetivo da escrita é a leitura, mas quem vai escrever só é capaz de fazê-lo se souber ler o que escreve. É preciso dar mais ênfase a leitura contextualizada, porque é mais fácil para a criança superar as dificuldades lingüísticas e semânticas. Inicialmente a leitura em voz alta pode ser feita no dialeto da criança e progressivamente passar para o dialeto-padrão. É preciso trabalhar com a criança que a sociedade tem certas expectativas com relação à fala de seus membros, uma leitura no dialeto-padrão goza de prestígio na sociedade.

A professora deve ler muito para os seus alunos, ler textos variados de diferentes gêneros e modos textuais. É preciso ensinar às crianças como proceder em cada caso, mostrando-lhes como ler provas, problemas, questionários, formulários, instruções, jornais, revistas, poesias, etc. Revistas, gibis, jornais, fascículos, periódicos, etc. diferentes textos de leitura devem estar à disposição dos alunos.

Ao usar a língua recorremos a conhecimentos como: Conhecimento de mundo; conhecimentos do sistema lingüístico; conhecimentos de organização textual; conhecimentos de outros meios semióticos.

O processo de leitura é muito mais abrangente (“envolve fatores intelectuais, emocionais, biológicos, culturais, econômicos e políticos do leitor”) e resulta na interação entre o leitor e o texto.

Para trabalhar com base na concepção de gênero textual, é importante que o professor compreenda que a leitura de um texto não se faz apenas pela significação das palavras e das frases ali presentes. Há que considerar a situação em que o texto foi produzido, bem como as inferências dos participantes do ato de comunicação.

Resumidamente, as condições de produção que determinam as características do texto são:

- tempo (compartilhamento de valores e informações entre produtor e receptor);

- lugar social (família, escola, interação comercial, mídia);

- posição social do produtor na interação (papel de professor, pai, patrão, cliente, amigo);

- posição social do receptor na interação (papel de aluno, subordinado, filho, amigo, colega);

- objetivo da interação (qual o efeito que o texto deve produzir no receptor);

- canal/veículo (grau de formalidade da situação).

Para que o leitor tire conclusões a respeito dos dados do contexto de produção, é preciso que eles leve em conta que o processo de leitura exige a percepção de:

- Implícitos;

- Pressuposição;

- Inferências;

- Implicaturas;

Assim como é grande a diversidade de situações sociais, também é grande a diversidade de textos destinados a atender a diferentes intenções comunicativas. Cada gênero textual traz diferente objetivo comunicativo. Diferentes contextos geram, portanto, objetivos distintos de leitura. A esses objetivos correspondem também vários procedimentos.

Cada gênero textual pode constituir-se em seqüências textuais de base descritiva, narrativa, expositiva, argumentativa, injuntiva e dialogal, com características e objetivos definidos.

Na escola, a leitura serve não só para se aprender a ler, como para aprender outras coisas, lendo. Serve ainda para se ensinar e treinar a pronúncia dos alunos no dialeto-padrão e em outros. A leitura é uma maneira de se aprender o que é escrever e qual a forma ortográfica das palavras. Para se conseguir esses objetivos da leitura é preciso planejar as atividades de tal modo que se possa realizar o que se pretende. A leitura não pode ser uma atividade secundária na sala de aula... ela é a fonte perene de educação, com ou sem a escola. (CAGLIARI, 2005, p. 173)

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 10ª ed. 12ª impressão. São Paulo. Scipione, 2005.

CESGRANRIO, Fundação. Projeto de Avaliação e Acompanhamento. Língua Portuguesa e Matemática, 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental. 1º Seminário de Capacitação de Professores. Cuiabá, fevereiro de 2006.

Ângela Rita
Enviado por Ângela Rita em 28/02/2007
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