Crack, não dá para fingir que não existe

Hoje tive a imensa tristeza de ver de muito perto o funcionamento de uma cracolândia, ali na saída da Ilha do Fundão.

Uma mistura de repulsa, de dor, de piedade e de medo me contaminou. Zumbis foi isso que eu vi. Naquele lugar não havia nenhum tipo de restrição, ali se misturavam crianças, mulheres, homens, idosos. Pessoas em degradação, olhos e almas congeladas pelo poder da droga.

Era impossível não se assustar com tal o tal quadro, sei que a droga sempre esteve aí, era até confortável pensar que só se via droga e usuários fortemente alucinados em alguns lugares, hoje vemos em qualquer lugar, de noite ,de dia, todo o tempo.

O engarrafamento nos obrigava a enxerga-los, a sentir seus movimentos, cheguei a pensar no que muitos chamam de umbral, inferno, etc. Vi um homem de bengalas, a frente uma mulher grávida se despia para dois homens, ela oferecia seu resto de carne em troca da pedra! Ainda ali, crianças usavam a droga sem nenhum pudor num copinho de plástico era só disso que precisavam. Homens brigavam...uma mulher comia terra. O ônibus continuava devagar.

A frente um bando de usuários corria, vi quando um deles abordou uma mulher acompanhada de uma criança, vi o medo no olhar dela e da criança- nota para o causador do medo: devia ter uns 13 anos!

Corpos magros e sujos se esgueiram por entre os carros não sabendo da velocidade da Avenida Brasil, motoristas trancados, mãos que alisam carros e arrepiam de medo quem estava dentro.

Uma voz lá do fundo do ônibus grita:

“- Motorista não abre a porta não. A solução é matar todo mundo e pronto. Não há mais jeito para eles.”

E eu me pergunto: a culpa é de quem? O que será feito para mudar este quadro? Além da violência cotidiana agora temos que fugir dos “cracudos”? O que você faz se for abordado por um deles visivelmente transtornado? Grita, corre, entrega tudo, bate?

Igreja, fé, tratamento, perseverança podem ajudar na imaginária cura. A internação contra a vontade ainda é discutida. E se não se pode internar contra vontade quem é que responde por pessoas zumbis, que nem mais famílias têm? As famílias não aguentam a fúria do crack, o governo não se preparou para a fúria do crack, ninguém se preparou para ver tal cena. A cidade escurece diante dessa agonia e será que hoje, ao menos hoje posso cantar que o Rio de Janeiro continua lindo? Não posso.

Nem o Rio e nem nenhum lugar está lindo. Esta é uma ferida latejante, inflamada, de odor insuportável.

Enquanto isso, tem jogo do flamengo, Adriano que apronta mais uma, dieta do Ronaldinho, novela das nove, arrumação para Olimpíadas e Copa. Enquanto isso não há hospitais para todos, enquanto isso não há educação. Enquanto isso pensam na Lady Gaga, ingressos são oferecidos e professores falam que o livro de Guimarães Rosa é peso para papel! Muitas coisas estão trocadas. Desânimo, é isso que vejo nas pessoas.

Fico pensando agora em Platão, no livro VI “A república”, e faço força para entender quem não quer sair da caverna, afinal é tão fácil ficar acomodado.

Pessoas se matam se deformam por conta de uma pedra. Pessoas com dinheiro ou sem, crianças, mulheres, idosos. Por hora perdemos a batalha, o crack está sem controle. Pessoas se escondem e mudam sua rotina para tentar não ver, estamos escravos. Crack, impossível não ver, ele pode estar agora mesmo dentro de sua casa!

Carmem Maria Carvalho Bastos
Enviado por Carmem Maria Carvalho Bastos em 09/11/2012
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