A Importancia do Nome: Uma análise sobre a definição do SER e sua identidade em ALICE NO PAÍS DO ESPELHO

..Neste momento, tendo como respaldo a terceira parte do capitulo III, do livro Alice no País do Espelho, do escritor Lewis Carroll (1820 – 1914), tentaremos fazer uma analise a respeito da importância de se nomear tudo o que existe, diante do que foi questionado pelo Mosquito e por Alice, e refletir assim sobre a perda da identidade.

..A narrativa acontece logo depois que Alice é apresentada a vários personagens, numa cabine de trem, em que cada um é nomeado pela sua espécie, como um cavalo, um bode, entre outros, e ao Mosquito, com quem Alice inicia uma conversa mais amigável e com quem chega até o local onde se passa a narrativa com a qual iremos trabalhar. Alice está em baixo de uma arvore e o Mosquito em um galho, o pequeno inseto questiona sua companheira a respeito dos insetos do mundo dela, o que chegam a conclusão de que os insetos do mundo real não atendem quando são pronunciados seus respectivos nomes, deixando o Mosquito reflexivo e faz a seguinte pergunta: “E para que serve ter nomes (...), se eles não respondem quando alguém chama por eles?”(CARROLL, 2004, p. 63). Alice não se intimida com a pergunta, respondendo que serve para as pessoas que os nomeiam, porém conclui questionando o inseto: “Se não fosse por isso, para que as coisas teriam nomes?” (idem), assim ela não somente questiona sobre a nomeação dos insetos, mas sobre todas as coisas, deixando-o sem resposta. Nesta passagem verificamos o surgimento da questão em si, mas a importância de se ter um nome e de como a identidade pessoal é importante pode ser verificada em Alice no País das Maravilhas, outro livro de Carroll, quando a lagarta pergunta a Alice sobre seu nome e ela não sabe responder, vejamos sua resposta:

>>>>—Não estou bem certa, senhora... Quero dizer, nesse exato momento não sei quem sou... Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então... (CARROLL, 2005, p. 55).

..O que se nota em relação a Alice no primeiro livro e Alice no segundo, é que ela não sabe quem é, pois no País das Maravilhas, ela sofre constantes transformações o que a faz refletir sobre o fato de se ter o mesmo nome mesmo mudando de tamanho e de forma, enquanto em no País do Espelho, ela questiona o fato de que só se tem nome aquilo que responda ao seu pronunciamento, pois nunca tinha imaginado em existir sem o seu nome. Quando Alice começa a citar uma lista de nomes de insetos existentes em seu mundo, o Mosquito logo mostra outros insetos que se referem aos do mundo dela, como a Mosca-de-Cavalo-de-Balanço, que tem a forma de um cavalinho de balanço de madeira, depois uma Mosca-Dragão-de-Doce que é feita de pudim e outras coisas comestíveis, o que representaria a personificação do nome, ou seja, você é o que seu nome significa. Em Romeu e Julieta, Shakespeare, faz uma breve reflexão sobre essa personificação do nome em uma fala de Julieta, vejamos:

>>>JULIETA – Somente teu nome é meu inimigo. (...). Oh! Sê outro nome! Que há em um nome? O que chamamos de rosa, se tivesse outro nome, exalaria o mesmo perfume tão agradável; e assim, Romeu, se não se chamasse Romeu, preservaria essa cara perfeição que possui sem título. (...). (SHAKESPEARE. 2002. p. 54)

..Neste caso fica clara a relação entre o nome e o possuidor, Romeu não seria seu inimigo se ele tiver-se outro nome, pois seria de outra família, mas neste caso ele renegaria ao nome e apenas seria o seu amor. Em Alice no País do Espelho, as coisas são o que realmente significa seus nomes, mais adiante Alice se separa do Mosquito e entra numa floresta em que as coisas não têm nome, e tudo o que entra nela perde seu nome, a principio ela tem medo de entrar e perder seu nome: “(...) Não gostaria nem um pouquinho de ficar sem ele --, porque vão ter de me dar outro, ... .” (2004, p. 68), e ela continua mesmo assim, porem sente-se confortada por sair do sol e do calor, e quando tenta pronunciar a palavra árvore e não sai, percebe que não sabe mais o que é uma árvore e chama a de disto, depois nem seu próprio nome ela sabe mais, e enquanto ela fica tentado descobri surge em sua frente um Veadinho que surge que não se mostra amedrontado por ver uma pessoa; depois ele inicia uma conversa com ela, perguntando-lhe o nome, a qual respondeu que se chamava naquele momento de nada. Depois ela pergunta o nome dele, pois assim poderia ajudá-la a lembrar do seu próprio nome, ela então a chama para segui-lo mais adiante, pois sabia que ao sair da floresta ele se lembraria de quem era, pois nem ele naquele momento sabia seu nome também. E abraçados caminharam até fora da floresta, onde o Veadinho deu um pulo e falou: “Eu sou um Veadinho! (...) Ai de mim, você é uma criança humana!” (p. 70), e saiu correndo deixando Alice assusta e chorando.

..Podemos verificar que há uma verdadeira compreensão do valor do nome nesta passagem, o Veadinho ao lembrar seu nome, automaticamente se lembra de quem ele é, além do nome e por tanto, lembra também que Alice é na verdade uma criança humana, filha do homem que mata animas para comer, ou mesmo por esporte, deixando-a sem se explicar e nem mesmo sem saber o nome dela, pois para ele, o nome dela deveria ser: Humana, o que a define como uma inimiga. O nome tem o poder de definir o que é cada coisa, como também reafirmar sua identidade, assim como o Veadinho deixa de ser um animal, Alice deixa de ser uma criança, e neste caso, ambos são nada, perdem além do nome a sua identidade como cada ser único em sua respectiva espécie. Ainda citaremos outros escritores como, Robert L. Stevensom (O Médico e o Monstro), Franz Kafka (A Metamorfose), em que seus personagens sofrem transformações e perdem sua identidade, no caso do Stevensom, seu personagem é responsável pela sua transformação e ganha um novo nome, para poder permanecer diferente de seu criador, e até outra identidade é dada a ele, uma nova personalidade; já no caso de Kafka, seu personagem sem saber como, acorda transformado em besouro, porém continua com sua personalidade, mas para o resto da família, ele perde sua identidade, excluindo-o da sociedade, pois sua aparência não o permite ser um humano, mesmo ele sabendo quem é, desiste de tentar conviver entre os seus e vai embora.

..Para concluir, é relevante fazer uma ultima referencia a uma passagem que ocorre no final do livro no País do Espelho, quando Alice está no banquete oferecido a ela, em que a Rainha Vermelha apresenta-a a um pernil de carneiro, e depois manda levar o pernil de volta, pois não se pode mais comê-lo, pois não se pode cortar alguém que foi apresentado, assim, trazem um pudim, e Alice fala bem rápido: “Por favor, não me apresentem ao pudim.”(p.181), mas a Rainha Vermelha apresenta “Pudim, esta é Alice; Alice, este é o Pudim.”(idem), e manda recolher novamente o segundo prato. Dessa forma, podemos ver a intensidade desse poder lingüístico e de personificação do nome, o pudim deixa de ser o que é e se torna Pudim, um ser com personalidade e identidade, não pode ser mais comido.

..Em Alice no País do Espelho, analisamos a importância que se dar ao nome como uma personificação de sua própria identidade, e de sua aparência física, afetando assim sua personalidade e sua forma de conviver com o meio em que vive. Nas passagens do capitulo analisado, tudo que tem nome iniciado com letra maiúscula tem vida e uma identidade consciente de sua própria existência, e Alice por sua inocência termina aceitando o fato de que aquilo tudo é verdade e tem fundamentos de serem como são. Mas isso é uma outra historia.

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BIBLIOGRAFIA

CARROLL, L. ALICE NO PAÍS DO ESPELHO. John Tenniel (ilustrações); William Lagos (tradução). Porto Alegre, L&PM, 2004. p. 62-70, e 180-181

CARROLL, L. ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS. John Tenniel (ilustrações); Márcia F. Meira (tradução). São Paulo, Martin Claret, 2005. p.55

KAFKA, F. A METAMORFOSE. Pietro Nassetti (tradução). São Paulo, Martin Claret, 2002.

STEVENSON, R. L. O MÉDICO E O MOSNTRO. Pietro Nassetti (tradução). São Paulo, Martin Claret, 2001.

SHAKESPEARE, W. ROMEU E JULIETA. Jean Melville (tradução). São Paulo, Martin Claret, 2002. p.54.