A ORIGEM DA CAPELA DO DESTERRO

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isso é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas. (GRUNDY, 1987, p. 5).

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Como qualquer outro estudante de minha idade, sempre fui fascinado pelo desenho e pela pintura, embora nem sempre o que desenhasse tivesse grandes significados e muito menos satisfizesse quanto à precisão, em termos de desenho de memorização, de observação ou de desenho de criação pessoal, valendo salientar as proporções e aos detalhes. Mas havia algo nas representações icônicas que me fascinava, embora eu nunca tivesse refletido, até agora, com mais profundidade sobre esse assunto. Em suma, tratava-se de desenhos criados ou elaborados sem muitos significados em termos artísticos.

Creio que esse fascínio tenha suas origens em minhas aprendizagens escolares, principalmente porque naquele tempo, os professores ensinavam os alunos a cobrirem as letras do alfabeto e outros desenhos, e quando se tratava de desenhos, principalmente mapas, tirados com o uso do papel carbono, eles mandavam que os alunos pintassem os desenhos com lápis de cores diversificadas ou com tinta guache, a base de água. Aprendi bastante sobre Geografia do Brasil, isto sem deixar de lado os desenhos de Percy Lau , ilustrador que retratou como ninguém todos os tipos e aspectos do Brasil, a marca cultural de cada região brasileira a partir de 1942, recebeu amparo nos seus desenhos – o seringueiro, a baiana, o vaqueiro do Nordeste e dos Pampas, o jangadeiro são figuras que passaram a povoar os livros de geografia, segundo Angotti-Salgueiro (2005), a partir de então, pois, seus desenhos a bico de pena possuem uma técnica e precisão até hoje inigualadas, tamanho detalhamento de sombras, quantidade de elementos no quadro e composição da cena e com as gravuras de Debret, segundo Lima (2004), pintor francês que esteve no Brasil com a Missão Artística Francesa, nasceu em Paris, a 18 de abril de 1768 e faleceu na mesma cidade a 11 de junho de 1848.

Iniciou sua vida profissional em Paris, sob a influência de Jacques-Louis David. Integrando a Missão chefiada por Lebreton, grande contribuinte para o ensino artístico brasileiro, segundo Cipiniuk (2006), ficou no Brasil entre 1816 e 1831, dedicando-se à pintura e ao magistério artístico.

Em suas telas retratou não apenas a paisagem, mas, sobretudo a sociedade brasileira, não esquecendo de destacar a forte presença dos escravos. Foi iniciativa sua a realização da primeira exposição de arte no país, em 1829, que havia nos meus livros do Curso Primário. Tais desenhos continuam na minha memória. Dos textos, restaram os títulos das historinhas: “a moda da garranchinha” (formada a roda, todas as crianças, de mãos dadas, cantam, enquanto uma fica no centro. A moda garranchinha. É moda particular. Quem põe o joelho em terra?. Não pode se levantar. No trecho do verso: Quem põe o joelho em terra, todas se ajoelham e se levantam ao mesmo tempo. Continua o canto: Fulana levanta a saia. Fulana, levanta o braço. Fulana tem dó de mim. Fulana, daí-me um abraço. Ao cantarem os da roda Fulana levanta a saia, a menina do centro ergue a ponta do vestido. Depois, seguindo a letra da canção, levanta os braços e, no final do verso, dá um abraço na menina da sua escolha para ser a próxima no centro da roda. Para deslindar essa misteriosa moda da garranchina, ou carranquinha ou ainda carrasquinha, um certo pesquisadador aponta a antiga moda das anquinhas, com armação de arame, barbatanas e que tais que, certamente, impediria qualquer mortal de se levantar. A versão espanhola – En el baile de la carrasquiña – diz ser a carrasquiña um instrumento musical primitivo, tocado por pastores) e segundo Cascudo (1988), “Pedro Malasartes” é justamente um personagem importada com o colonizador, ao afirmar textualmente que: “Pedro Malasartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos. Convergem para o ciclo de Malasartes episódios de várias procedências européias, vivendo nos contos orais dos irmãos Grimm, de Hans Andersen, dos exemplários da Europa do Leste e do Norte. É o tipo feliz da inteligência despudorada e vitoriosa sobre os crédulos, os avarentos, os parvos, os orgulhosos, os ricos e os vaidosos, expressões garantidoras da simpatia pelo herói sem caráter”, motivo pelo qual é o herói preferido da gente simples, que adora suas artes, quase sempre contra os mais ricos e poderosos. Tradicionalmente, esperto, escorregadio, pai de todas as artimanhas, enganos, seduções e astúcias, é de se ver como o homem do povo, simples, crédulo e humilde, adora ouvir suas histórias. Vinga-se o popular da sua posição subalterna vendo o personagem sair sempre ganhando, por sua astúcia e por suas artes, dos que lhe são superiores. Uma espécie de Robin Hood sem armas. Não é uma criação brasileira, apesar de estar espalhada por todo o Brasil. É personagem universal, praticamente de todos os países, em todas as épocas culturais e históricas da humanidade. Existem inclusive versões ambiciosas, literárias e intelectuais, como, por exemplo, o Pedro de Urdemalas, de Cervantes, e Histórias de Pedro Urdemales, segundo Laval (Chile, 1943 e Madrid, 1946). Não é que me lembrava o barbeiro que cortava meus cabelos quando criança conhecido por “Seu Candeia”, morador do Engenho Maraú. Da história, recordo uma frase: “era um homem analfabeto, sem instrução escolar que gostava de ouvir as crianças”; dos desenhos, não me sai mais da memória aquele rosto queimado pelo sol nordestino, de homem que trabalha no serviço pesado, no eito, cercado de crianças curiosas, ouvindo histórias da época de seus ancestrais, ou, talvez, ainda mais antigas. Aquele senhor simples, de porte altivo, atraindo para si os olhares das crianças e fazendo saltar de suas palavras, mais do que histórias, sentimentos, fazendo brotar a curiosidade e o amor pelas lendas locais, cultivando a memória de personagens importantes, e outros nem tanto, mas, todos protagonistas de grandes lições de vida, heróis, homens e/ou mulheres, ricos e/ou pobres, reconhecidos e/ou não, mas todos, invariavelmente, inesquecíveis por seus atos. Esses heróis não são do “Pedro Malasartes” do livro, são do velho barbeiro “Seu Candeia”. Foi ele que deu vida a muitas histórias da minha infância enquanto cortava meus cabelos na casa de meus pais de mês em mês, sempre me transportando, de uma ou outra forma, para lugares conhecidos, como as encruzilhadas dos caminhos, dos cercados, as pontes, as velhas taperas, os currais visíveis e invisíveis, alguma árvore mais antiga, os riachos, os rios Paraíba, Gurinhém e Curimataú, e até mesmo os cemitérios e capelas de Nossa Senhora do Desterro (construída em 1869 com recursos próprios no século XIX por Carlos Gomes de Melo, cujos restos mortais repousam em sua nave central; e em cujo local repousam também os restos mortais de Ana Gomes de Melo Cunha (falecida na década de 1940 e era casada com Antônio Carneiro da Cunha), irmã mais velha de Manuel Gomes de Melo, casado com Emilia Francisca Pereira de Meireles, meus avós maternos), de Nossa Senhora da Consolação (localizada em entroncamento ou Paula Cavalcante, município de Cruz do Espírito Santo/PB, entre a linha férrea e a margem direita do rio Paraíba no sentido sertão x litoral, inclusive meus avós maternos e outros parentes próximos estão sepultados lá), Barra (no município de Sapé/PB) e do São Miguel de Taipu (município de igual nome), onde aconteciam coisas de arrepiar os cabelos.

A Capela de Nossa Senhora do Desterro foi saqueada numa certa noite por terceiros e de lá roubaram os paramentos das celebrações religiosas, cálices, toalhas dos altares, o sino denominado de “Sebastião”, e se não bastasse levaram as imagens da Família Sagrada: Nossa Senhora, o Menino Jesus e São José, todas confeccionadas em madeira de lei e compradas na época da construção da referida capela. No ano de 1999, a Capela do Desterro estava totalmente abandonada, mandei recuperar o telhado, as portas, o piso e a pintura, além da compra de novas imagens de Nossa Senhora, o Menino Jesus, São José e o Jumento, através de encomendas na cidade de Goiana, Estado de Pernambuco e pagas com meus próprios recursos. Vale lembrar de que no dia 26 de dezembro de 1999 houve a inauguração da modesta recuperação do prédio e a colocação no altar mor das novas imagens mencionadas, com a celebração de uma missa festiva pelo vigário da Matriz de Cruz do Espírito Santo/Pb, me fiz presente com minha esposa, juntamente com os meus parentes, aderentes e a comunidade campesina da localidade.

Na realidade trata-se de um patrimônio histórico nacional a Capela do Desterro, segundo Carvalho (2005, p.41),

No município de Cruz do Espírito Santo, a capela de N. S. do Desterro deriva diretamente do modelo da capela do Socorro. Repete o alpendre com duas meias colunas justapostas à fachada, duas colunas intermediárias e quatro na frente, bem como as proporções gerais da fachada, o frontão com coruchéus (atualmente desaparecidos) e sem entablamento. Comprovando a tentativa de repetição, incorpora um pequeno círculo na fachada, fechado e inútil, que emula o óculo do original, o qual tem função de iluminação. Como a capela do Livramento, apresenta quatro aberturas quase quadradas, dividas em dois pavimentos, mas permanece com as pequenas dimensões da capela do Socorro. Ainda típicas do século XVII são as duas sacristias, uma de cada lado da capela-mor, únicas no universo estudado, mas bastante comuns na Bahia. Em relação ao grupo anterior, o diferencial da capela do Desterro, que aponta para os desdobramentos barrocos do século XVIII, é que o frontão deixa de ser uma empena lisa e passa a ser arrematado por um conjunto de volutas, acompanhadas por um relevo em forma de trevo, sobre o óculo.

É importante mencionar de que as capelas do Desterro (Cruz do Espírito Santo) e do Socorro (Santa Rita), são as duas únicas capelas que tem alpendres em suas estruturas arquitetônicas na Várzea do Paraíba. E que Carvalho (2005, p.42), afirma como sendo,

A Capela do Desterro tem sua própria derivação: a do antigo engenho Itapuá, em São Miguel do Taipu, fundado por Antonio Carreira de Valadares, com o nome de N. S. da Conceição, na segunda década do século XVII (RAMOS, 2003: 25-26). O engenho foi doado pelo filho do fundador aos frades carmelitas, que devem ter construído ou reformado a capela atual, visto que ela apresenta o brasão da ordem coroando sua portada elegantemente trabalhada. Esta edificação retoma a fachada do Desterro nas proporções gerais, no esquema das aberturas, no frontão baixo com volutas e coruchéus e mesmo no falso óculo, diferindo dela apenas na ausência do alpendre e no surgimento de um novo elemento: um entablamento incipiente, marcando a base do frontão. Apenas como conjectura, pode-se levantar a hipótese de esta capela também ter tido copiar, do qual o pequeno terraço murado, na frente da igreja, seria um remanescente.

A capela do Desterro, serviu de palco para casamentos, batizados, celebrações de missas, novenas, terços, enterros de meus bisavós, avós, tios, tias, primos, primas, parentes e seus descentes, desde o século XVIII. Inclusive meus avós maternos se casaram nesse templo católico em 1898. Na realidade a Família “Gomes de Melo”, através de casamentos se misturaram com os “Procópio de Melo”, “Tristão de Melo”, “Carneiro da Cunha”, “Santana Cavalcanti”, “Procópio Guedes”, “Vieira de Aguiar”, “Luiz de França” “Gonçalo Pessoa”, “Coelho de Meireles”, “Correia de Melo”, dentre outras famílias igualmente influentes, durante décadas, de modo que entre os ricos e os pobres, atualmente existentes na Paraíba com esses nomes, não obstante a perda da identidade familiar por questões de posses, do tempo e da qualificação profissional, algo muito comum que influi no desaparecimento da identidade do tronco familiar e de parentesco em qualquer parte do mundo civilizado ou não, por incrível que pareça é uma mera coincidência. Quem tem dinheiro é parente de todo mundo e quem não tem dinheiro não é parente de ninguém. Cresci ouvindo esta afirmação de meus pais.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 28/02/2013
Reeditado em 24/06/2018
Código do texto: T4163841
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