A FILARMÔNICA SÃO JOSÉ

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

O homem que não tem a música dentro de si e que não se emociona com um concerto de doces acordes é capaz de traições, de conjuras e de rapinas.

William Shakespeare

A municipalidade de Santa Rita, Estado da Paraíba, nos idos anos da década de 40 do século XX, fundou a Banda de Música São José, que o povo também a chamava de “Filarmônica São José”. Na realidade Santa Rita se orgulhava de sua banda musical municipal, mesmo nos momentos que a chamava de “quebraresguardo”, o povo sentia esse orgulho expressado na emoção refletiva nos lábios e nos olhos... era Santa Rita tocando e enchendo os nossos lares com seus dobrados, marchinhas, etc., e até porque o filósofo Aristóteles mencionava com todo o seu saber que “a música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição”. Aqui é preciso que tenhamos cultura suficiente para entender de que uma orquestra, banda de música e ou filarmônica, nada mais é que um agrupamento instrumental que é utilizado acima de tudo para a execução de música erudita e ou popular, não importa o estilo musical preferido segundo o tipo de apresentação, tudo dependendo do momento vivenciado. Como por exemplo, se vamos hastear as bandeiras: nacional, estadual e municipal em praça pública, o poder público se faz presente garbosamente através das execuções do hino nacional, do hino estadual e do hino municipal, se a municipalidade tiver, dentre outras musicas que se julgarem necessárias. Se, se trata de uma procissão do Senhor Morto, na semana santa, e ou da padroeira Santa Rita de Cássia, aí o ritmo musical é uma marcha batida envolvendo os hinos cristãos da Igreja, que pode ser da Igreja católica, protestante, espírita, etc., de modo que o poder público municipal se faz representar perante seu povo através da presença sonora de sua filarmônica. Não importa se é uma grande ou pequena orquestra, banda musical, fanfarra, filarmônica, etc, o que importa é que tal instrumento público também serviu de escola de aprendiz para muitos jovens do sexo masculino, porque na época a nossa cultura nacional era outra e aqui em Santa Rita não era diferente, ser músico, era coisa para homem e não para mulher, naqueles tempos a coisa era muito preconceituosa. Mas o tempo mudou, o Brasil mudou e Santa Rita, também, não se sabe se para melhor e ou para pior, se sabe que tudo tem seu tempo de passagem e ou de transição na história da humanidade em todos os sentidos da palavra.

É importante lembrarmos um pouco sobre a historicidade do termo filarmônica e ou banda musical, pois, epistemologicamente falando, a palavra em si não designa apenas um grupo de músicos que tocam ou interpretam via notas musicais às obras envolvendo diversos instrumentos, pois, também envolve uma parte física, por analogia e referencia ao chamado teatro grego, tendo em vista que caracterizava-se justamente por um corpo ou coro de bailarinos e músicos, daí porque quando das apresentações públicas ou privadas, faziam evoluções sobre um tablado e ou estrado que era chamado de “orkhéstra”, que ficava localizado entre o cenário e os espectadores, tinha a visão central voltada para o povo e vice versa. A orquestra ou filarmônica era a dona do pedaço, roubava a sena e tocava para os ricos e os pobres, ambas as classes ficam alienadas pelo tom musical. É verdade sempre foi assim e continua sendo assim. O lado musical atende aos interesses dos deuses e dos diabos, em todos os regimes políticos, religiosos, línguas e etnias, nos quatro cantos do mundo, em todas as épocas da história da humanidade. O homem sempre furou os tambores, o dedilhou e tocou sobre as cordas das harpas e o soprou as flautas, segundo menciona o escrito do cenário bíblico de todas as religiosidades que a população da terra já teve e ainda tem, para louvar seus deuses e os seus diabos, segundo suas intenções e devoções. Até porque tem gente que acende uma vela para Deus e outra para o diabo, segundo dito popular.

Voltando a origem epistemológica da palavra “orkhéstra”, advinha do verbo “archeisthai”, do grego, que tem o significado de “dançar” ou “eu danço”, assim tal vocábulo de origem grega teve acesso e ou foi traduzido para o latim como sendo “orchestra”, e tem o mesmo significado, segundo documentam ou registram os poetas romanos mais destacados. Assim sendo, Vitrúvio e Suetônio, utilizaram no século I o referido termo ao pé da letra para justificar e ou designar o lugar que era destinado aos senadores romanos quando estivessem presentes no teatro romano. Somente na Idade Média, o termo “orchestra” surgiu à França, tendo em vista as traduções de Suetônio, ressaltamos, porém de que somente a partir do século XVIII o mesmo foi usado no teatro moderno através da ópera italiana. Assim, com harpista e saxofonista ou não, sempre existiram e continua a existir sinfônica (banda mantida pelo poder público) e filarmônica (banda mantida pelo poder da iniciativa privada), daí a diferença existente entre ambos os termos.

Na realidade Santa Rita nunca teve uma orquestra sinfônica propriamente dita, pois, segundo a tradição musical em todos os tempos e épocas da história da música em si falando, é considerada uma orquestra sinfônica se a mesma tiver cinco classes de instrumentos básicos: 1º) instrumentos de cordas: violinos, violas, violoncelos, contrabaixos e harpas; 2º) instrumentos de madeiras: flautas, flautins, oboés, corne-inglês, clarinetes, claninetes baixos, fagotes, contrafagotes; 3º) instrumentos de metais: trompetes, trombones, trompas, tubas; 4º) instrumentos de percussão: tímpanos, triângulos, caixas, bombos, pratos, carrilhão sinfônicos, etc; 5º) instrumentos de teclas: piano, cravo, órgão.

Mas, mesmo assim Santa Rita era muito feliz quando tinha sua Banda, Sinfônica e ou Filarmônica São José, que foi mantida até a década de 70 do século XX, onde os prefeitos: Heraldo da Costa Gadelha, Antônio Aurélio Teixeira de Carvalho e Antônio Joaquim de Morais, a usava para inaugurar suas obras da administração e para abrir os desfiles da semana da pátria e as procissões do Senhor Morto e da padroeira Santa Rita, em cada ano naquela época. Tudo parece com o pensamento de Friedrich Nietzsche que menciona que “ sem a música, a vida seria um erro”, em situação análoga.

Infelizmente a nossa Filarmônica São José foi extinta na administração Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, então chamada de “Povo da Silva I”, conforme informa o mensário de Santa Rita/PB: Jornal A Tribuna, em agosto de 1977, folhas 7, que fez publicar o artigo denominado de “E A BANDA PASSOU..., de autoria do professor O.M.Falcão, que nos informa textualmente: “[...] Hoje tenho a noticia de que Sua Excia., o senhor prefeito determinou a extinção da Filarmônica São José, que durante tantos anos só trouxera lazer ao público de nossa terra” e continua aquele homem de letras historiando o fato da extinção de nossa “quebraresguardo”, questionando o seguinte: “Ora meus senhores, como se admite um absurdo destes? Será que uma banda não tem utilidade alguma na vida de uma comunidade? Qual foi o seu crime, para merecer semelhante punição?” e continua aquele escritor em seu artigo denunciando sua angústia afirmando em forma de pergunta: “ Parece mesmo que Sua Excia., ainda não se apercebeu da campanha empreendida pela Fundação Nacional de Arte – FUNARTE – para organização ou reorganização de bandas em todos os municípios brasileiros no intuito de se descobrir novos valores. E olhe que nós temos um verdadeiro celeiro. Ou será que Sua Excia., ignora que a Banda São José faz parte das tradições de Santa Rita e não pode morrer assim?” e continua seu relato de desabafo literário e realista: “Ah! Que saudades de ti, bandinha querida: Das tuas alvoradas nas madrugadas festivas, enchendo as nossas ruas de alegria. Das tuas retretas no coreto florido da praça da matriz (sacrificado num ato impiedoso em favor desta praça que mais parece o deserto do Arizona), ou no coreto de luzes piscantes da praça João Pessoa, a entoar marchinhas, valsas e outras canções em volga, na época”, e a insatisfação diante da extinção da referida banda musical chegou ao ponto de enfocar que a mesma era utilizada “Nas festas cívicas a tua presença era ponto de destaque, entoando aqueles dobrados que nos enchia o peito de brasilidade: “A Marcha do Soldado”, “Fibra de Herói”, “Canção do Marinheiro”, “Saudades da Minha Terra”, que arrebatava lágrimas do Prefeito Teixeira, e tantos outros que só a lembrança deles se imprimiu em nossas mentes”, de modo que o escritor chegou a implorar a atenção do então prefeito Marcus Odilon para reconsiderar o ato de extinção da Banda São José aos mencionar em seu escrito: “Por favor Excia., suplicamos até, se preciso for que sua Excia., não se integre a corrente de destruição que paira em nossos ares. Estamos cônscios do elevado compromisso de Sua Excia., com o soerguimento sócio-cultural desta terra sofrida. Tão sofrida quanto a Santa que lhe emprestou o nome. E sabemos também que a capacidade de realizações de Sua Excia., é imensurável”, finalizando o artigo o seu ator implora pedindo ao alcaide municipal que “Reintegre o que nos destruíram e faça conservar o pouco que nos resta. Não queremos obra de vulto. Não pedimos uma nova Roma, nem edifícios talhados a moldes gregos. Não! De forma alguma! Queremos apenas a volta daquilo que foi, é, e será sempre de todos nós santarritenses”, e o alcaide mencionado foi prefeito de Santa Rita durante quatro mandatos: 1977/1982; 1989/1992;2004/2008 e 2008/2012 e não atendeu o pedido do ilustre escrito, jamais ele restaurou a Banda ou Filarmônica São José, deu calado por resposta. Registre-se que na administração Severino Maroja (1983/88; 1997/2000 e 2000/2004), provisoriamente a referida banda voltou a funcionar aos troncos e barrancos, tendo em vista que o referido gestor municipal poderia que instituído através de lei municipal de sua autoria a referida filarmônica como sendo uma instituição permanente do governo municipal e não do gestor de passagem. Registre-se de que foi novamente desativada a Banda São José até a presente data pelos gestores seus sucessores. A partir daí Santa Rita deixou de ter suas retretas no coreto e ou pire da Praça João Pessoa, no centro da cidade. A juventude deixou de sonhar que um dia deveria ser músico e o povo da terceira idade já não tem mais motivo para freqüentar nossas praças em finais de semana. A banda passou e silenciou o imaginário de nossa gente.

Ah! Como seria bom se a nossa “quebraresguardo” fosse reinventada para ocupar a mente de nossa juventude tão dispensa de seus sonhos..., levando-se em consideração a visão de Aldous Huxlei de que “depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”, e isso não é crime e nem ato de corrupção política administrativa, ex-vi os ensinamentos de Emily Dickinson ao enfocar de que “a esperança é uma ave que pousa na alma, canta melodias sem palavras e nunca cessa” e se não bastasse o mesmo pensador finaliza dizendo de que “a esperança tem asas. Faz a alma voar. Canta a melodia mesmo sem saber a letra. E nunca

desiste. Nunca.

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Referências

AGUIAR, Francisco de Paula Melo. Santa Rita, Sua História, Sua Gente. Campina Grande: Gráfica Júlio Costa, 1985.

FALCÃO. O.M. E A BANDA PASSOU... in.: A TRIBUNA – Informativo. Santa Rita: Paraíba. Agosto/1977. Ano IV. Nº 4 – p. 7

RIBEIRO FILHO, João. Santa Rita (re)contada em fatos e fatos: do engenho à emancipação. João Pessoa: Sal da Terra, 2012.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 20/10/2013
Reeditado em 03/12/2015
Código do texto: T4533786
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