PORQUE NÃO CURTO O NATAL

Não curto o Natal porque para mim é uma festa de engabelações, uma festa da exploração comercial travestida de religiosidade. Os comerciantes faturam alto com essa história de troca de presentes, os preços aumentam (de acordo com a lei da oferta e procura) e no final de uma semana, tudo volta a ser como antes – com preços mais justos.

Não curto o Natal, principalmente deste lado do planeta, pois não reconheço a autenticidade de um velho barbudo vestido em roupas de inverno, exatamente na época mais quente do ano. Além da farsa de renas voadoras puxando trenós sobre a neve e descendo pelas chaminés (cacara!! Tem neve no Brasil nessa época do ano?)

Não curto o Natal, principalmente pelo fato de saber que muitas pessoas passam um ano inteiro sem me mandar um recadinho, um email ou um postal, mas no Natal, têm um surto de “amizadefrenia” e mandam cartõezinhos gentis e dizem até que me amam ou que sou uma pessoa especial. Que amor mais esquizofrênico é esse que só se lembra do outro em uma época do ano? E os outros 364 dias?!

Não curto o Natal, porque apesar onda de amor ao próximo, de solidariedade, de paz e religiosidade das campanhas publicitárias, vejo por trás e mesmo pela frente, de modo descarado, uma sórdida comercialização de produtos, que parece ensinar às crianças que elas só são amadas se ganharem um “presente de Natal”. Por outro lado, os pais se sentem pressionados a se enfiarem nos cartões de crédito para comprar produtos supérfluos e superinflacionados apenas para parecerem bonzinhos e amorosos. Na outra ponta, as operadoras de cartões já não são tão caridosas e boazinhas com os clientes inadimplentes. Esfolam-nos com seus juros abusivos e mandam para o inferno do SPC e SERASA os que não conseguem pagar a fatura no prazo acordado. Que mundo cão esse em que vivemos!

Não curto o Natal, porque embora se fale muito de Jesus, a mensagem da cruz e tudo mais, é exatamente essa história de barbárie, de tortura, de opressão que é reprisada anos após anos, tentando nos fazer acreditar que devemos ser como “Jesus”, sofrermos calados, suportarmos resignados a opressão dos poderosos, as chicotadas dos algozes, a crucificação dos fracos, para termos direito a uma VIDA ETERNA nos céus, para onde Jesus, o Filho de Deus foi e um dia nos levará para reinar com Ele. Ninguém questiona a punição dos opressores aqui mesmo, em vida. Ninguém questiona a razão pela qual devemos perdoar os nossos devedores, mas o Visa, Martercard e American Express e demais empresas que gastam zilhões de dólares em propagandas falando do perdão, do amor e da paz, não são capazes de perdoar um único dia de atraso no pagamento da fatura de um bom cristão. Que exemplo de vida cristã é esse?

Não curto o Natal, porque estou de saco cheio de tanta conversa mole de ajuda ao próximo, de solidariedade e o que vejo nas ruas da minha cidade, é aumentar o número de “guardadores de carro”, pedintes nos sinais de trânsito, gente morando em favelas, assaltos e crimes de toda ordem, apesar de se repetirem todos os anos a mesma mensagem cristã, que tem se mostrado inepta, supérflua, mesclada de intenções escusas e usadas pelos Governos e pelos poderosos, que fazem questão de parecerem bonzinhos e solidários, principalmente na hora de pedir esmolas para dar aos pobres, enquanto eles mesmos estão tirando o que podem de todos nós, nos explorando vilmente para manterem a si mesmos no bem-bom, durante os 365 dias do ano.

Não estou dizendo que não devemos ajudar ao próximo. Estou dizendo que isso deve ser feito de modo consistente, permanente e não apenas durante o Natal. Não estou dizendo que não devemos ser tolerantes para com o próximo, mas sim que sejamos justos e façamos pagar aqui mesmo, neste mundo (e não em um pretenso Inferno) aqueles que transgridem a ordem e querem se aproveitar dos mais fracos. Estou dizendo que Natal, não é nada, não será nada, enquanto for só uma celebração de lábios... sazonal, comercialesca e voltada apenas para o ganho dos poderosos. Sou a favor da paz e da harmonia ininterrupta, da igualdade de direitos, da solidariedade, construída com esforço sincero de homens e mulheres de boa vontade e de ações positivas diárias. Eis a razão pela qual, não posso comemorar o Natal. Não curto mesmo!

Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor.

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