O CASO DO GUARDA-CHUVA

Transcrevo um texto de meu querido pai, Jornalista e articulista, Raimundo José Tavares, o Rajota. Faleceu em 16/03/99.

Num dos subúrbios desta cidade (Bom Sucesso), existe um terreno de propriedade da Prefeitura, onde os nossos irmãos leprosos, que por aqui passam, a cavalo, armam barracas, soltam os animais e, às vezes, descansam por dois, três e mais dias.

No ano passado, 1952, no período mais forte das chuvas, um doente esteve ali acampado e, ao sair, esqueceu um guarda-chuva quase novo, dependurado em um arbusto.

O local a que me refiro é caminho de muito movimento, por onde passo com muita frequência, indo para minhas pescarias de fim de semana. Assim, pude observar que o guarda-chuva permaneceu dependurado no mesmo lugar, sem que ninguém o tocasse, durante mais de dois meses, apesar de por ali passar muitas pessoas, todos os dias. Ora, desnecessário será dizer da utilidade e do valor de um guarda-chuva perfeito, quase novo e que parecia de boa qualidade.

Das pessoas que ali passavam com frequência (na sua maioria trabalhadora rural) todas precisavam de tal objeto e muitas não o possuíam. Todavia, permaneceu ali abandonado, apodrecendo à vista de todos e ninguém o tocou, até que outro doente (ou talvez o mesmo) voltou por aqui e o levou. Por quê? A resposta é clara: medo do contágio. Até aí, tudo muito normal, tudo muito humano. Todavia, eu com minha mania de pescar sozinho para poder pensar à vontade, ficava meditando sobre aquele guarda-chuva abandonado e pensava comigo mesmo: Se todos nós tivéssemos medo do pecado como o temos da lepra, esse nosso velho mundo seria diferente. Entretanto, a realidade é bem outra infelizmente.

Pois bem, essa mesma humanidade que se mostra tão cautelosa, precavendo-se contra a lepra do corpo, por todos os meios possíveis, se mostra de uma estupidez crassa, quando se trata da lepra da alma, o pecado mortal, que é para a alma uma lepra mais terrível do que o mal de Hánsen para o corpo. Isto em troca de bens efêmeros ou prazeres ilusórios, cujo valor real e intrínseco, é muitíssimo menor do que um velho guarda-chuva…

Muitas vezes, a nossa insensatez é tão grande que trocamos a felicidade eterna por bens terrenos ou prazeres pecaminosos e julgamos que estamos fazendo um bom negócio…

RAIMUNDO JOSÉ TAVARES, BOM SUCESSO, 21 de abril de 1953.