COPA DO MUNDO E NACIONALISMO     
     Nos idos do século XVI na chamada “Literatura de Informação”, encontramos nos escritos dos cronistas oficiais e “viajantes” frases ufânicas sobre as paisagens e as potencialidades brasileiras: “Corre mel das frutas do Brasil”; “Descobrimos o paraíso”; “Aqui em se plantando tudo dá”. Evidentemente tais exaltações não projetam nenhum nacionalismo, até porque ainda não existíamos enquanto nação. Seria o “deslumbramento” do europeu com nossa paisagem tropical e até mesmo “propaganda” no escrito dos missivistas, sob orientação dos governantes para atrair “colonos” que garantissem a posse do novo território a ser explorado sob a égide do espírito mercantilista.
         Nos séculos XVII e XVIII a produção literária continuava sendo muito mais de inspiração européia do que emanada da realidade ou mesmo de inspiração brasileira. Salvo alguns rasgos de desnudamento da realidade do baiano Gregório de Matos (“Boca do Inferno”), através de sua sátira ferina, não há como caracterizar um sentimento de nacionalidade. É no século XIX sob aos ventos que sopravam da Revolução Francesa (1789) e do Romantismo é que surge um espírito nacionalista que busca afirmar uma identidade de nação e revelar um sentimento de amor pelo Brasil.
         Nesse contexto de luta pela Independência, de superação do status de colônia e de busca de afirmação da Nação brasileira, nós já podemos encontrar um bifurcamento da visão de Nacionalismo. De um lado temos dominantemente o nacionalismo ufânico das poesias de Gonçalves Dias:
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá (...)
Nosso céu tem mais estrelas
Nossas várzeas têm mais flores.”
Parte da obra de José de Alencar (“Iracema”, “O Guarani”; “O Gaúcho” “O Sertanejo”) e do outro lada o nacionalismo crítico e impulsionador de transformações do abolicionista e republicano Castro Alves:
“Mas é infâmia demais
Levantai-vos heróis do Novo Mundo
Andrade arranca esse pendão dos ares
Colombo fecha a porta dos teus mares.”
         Essa dualidade segue e é retomada no Modernismo do século XX. Desde a semana de Arte Moderna (1922) já tínhamos o sentimento de brasilidade pensando e denunciando a realidade brasileira como em Oswald de Andrade e Mário de Andrade, até mesmo com a valorização de uma língua brasileira na dimensão de sua oralidade. Por outro lado tínhamos o nacionalismo ufanista e alienado de Plínio Salgado que inclusive vai desembocar no fascismo.
     Aliás, o nazi-fascismo utilizou-se plenamente desse nacionalismo ufânico e alienado como forma ideológica de mobilização das massas. Desde Mussoline; Hitler; Salazar e todos os demais tiranos até a Ditadura Militar brasileira tinham esse fundamento de manipulação. O Brasil de 1974, auge do regime militar, cantava nas ruas “Pra frente Brasil, Brasil / Salve a seleção”, enquanto isso (eis a questão) nos porões do regime pessoas eram torturadas e “desaparecidas”. Também as questões sociais ficam “desaparecidas” e tudo são alegria e festa. O que vale é sermos campeões de futebol. Sermos os melhores do mundo (em Futebol, claro!).
         Não quero dizer que é ruim torcer pelo futebol brasileiro. É bom torcer sim! Pensei nesse assunto ao ver os carros com bandeiras, lojas, casas, ruas e avenidas repletas de verde-amarelo. O povo unido “em um só coração”. Tudo lindo, tudo belo. Mas que nacionalismo é esse que só serve para torcer durante a copa do mundo? Por que esse “um só coração” não bate pela vida de crianças abandonadas, não bate contra a miséria humana, não bate pelos ultrajantes indicadores sociais?
         Fico sozinho imaginando como seria belo esse país mobilizado com essa mesma vontade e entusiasmo na luta pela Educação de qualidade; na luta pela Saúde; pela Moradia; pela Segurança. Todo mundo acompanhando nas ruas de todo esse imenso país o Congresso Nacional votando leis que garantissem o fim da corrupção. Imagine a cada voto o Povo gritasse: “GOOOOOOOOOOLL”, quero dizer “VOTOOOOOOOOOO”.