A CONDIÇÃO IDEAL DO POETA

Luciana Carrero

O cancioneiro popular dizia que a burguesia fede; que enquanto houver burguesia não haverá poesia. Com efeito, a burguesia não fede mais que um miserável. Este é um exagero do artista, para dizer que o burguês de barriga cheia, come, bebe, dorme e trepa, depois se estatela e se engorda de desejos de todas as formas. E vive assim. E viaja... viaja... viaja. Nos aeroportos e pelas estradas onde anda não tem tempo para a poesia. Poesia, para o burguês é um monte de dólares que o afastam de ver beleza no que não seja materialidade. E na materialidade não há poesia, nem poderá haver. A poesia verdadeira vem da mente dos oprimidos, dos mortos de fome, dos descabidos e dos que têm a vaidade sem explicação de cumprir um caminho em nada valorizado. Então estes coitados cantam o mundo e o transformam em suas diletâncias. Descobrem, na escrita, o fluir de um mundo para suprir a dimensão do desespero e dizer: Eu construo meu mundo além desta imperfeição que é a minha vida. Sofrer é a vida do poeta. É possível ficar com alma de poeta e mendigar ilusões que ela apresenta, para contemplar um mundo existencial meramente particular e só atingível pela escrita. Os depressivos são os melhores poetas, Para ser um bom poeta tem que esfregar a cara na lama, cheirar um mundo fedorento, amar sem ser amado, conviver com a dor, com o desespero, com a intolerância, com a discriminação, preocupar-se com direitos humanos não tidos por si nem por outrens. Tem que se embebedar de vinho e vomitar palavras estranhas, magnetizar, mentir, para si e para os outros, viajar no verso. Um poeta é um condenado. E acha que o burguês fede. Este poeta consola-se assim, afagando a ilusão de construir perfumes de poesia. Até o burguês fedido, numa hora de recaída, se perfuma com poesia, mas toma consciência da realidade e foge da poesia. O poeta morre de fome, por falta de credibilidade e continua se lambuzando de poemas. E um certo homem desequilibrado sempre foi o melhor poeta e teve a coragem e a franqueza de dizer que "O poeta é um fingidor... em suma, é tão fingidor que finge ser dor a dor que deveras sente. A condição ideal do poeta é a marginalidade. Além de fingidor e mentiroso, viaja aos infernos de Dante só para sofrer o seu masoquismo de ter nascido condenado. Faz rir e faz chorar, vivendo entre perfumes falsos e drogas verdadeiras. A condição ideal do poeta é ser morto de fome, porque é da fome de tudo que saem os melhores poemas.