Carta a um amigo – Helena Antoun

Meu doce amigo,

Quando perdemos a pessoa amada (ou acreditamos que perdemos), mais do que a perda da pessoa, sofremos a perda de nós mesmos nela. Quando temos alguém que amamos, e nos ama, esse alguém se torna um espelho, onde podemos ver no reflexo de nós mesmos, uma pessoa bonita, querida, amada. O ser amado nos dá uma imagem bonita de nós e isso é bom, a gente se ama um pouco mais com isso. Quando perdemos o ser amado, é como se perdêssemos a nossa imagem linda que tanto amávamos. É como se o espelho se virasse de costas, e nós quiséssemos desesperadamente virar novamente a face para nós. É difícil sair por aí sabendo que nossa imagem anda perdida a procura de nós, ou que nós mesmos andamos por aí à procura do nosso reflexo. E quando isso acontece, temos a sensação de estarmos passando ao largo das coisas do mundo e da vida, como se não mais fizéssemos parte de absolutamente nada. Aos poucos, vamos nos desapegando de tudo e de todos como se só existisse a nossa orfandade em relação à nossa alma perdida no espelho do outro. Mas tudo isso passa, creia em mim.

Como a dor de parto, perder um amor é nascer pra uma nova vida, e nascer dói. Perder um amor é termos que trilhar novas estradas e redesenhar sozinhos nosso futuro, e projetos outrora feitos a dois. Isso dói e assusta demais, como nos doeu, e não lembramos, no dia em que fomos postos no mundo desamparados, onde só buscávamos uma única coisa: as manifestações maternas.

Meu amigo, a nossa capacidade de adaptação é tamanha que pouco sabemos do que podemos resistir. Sua alma foi ferida e está inflamada e inchada, mas acredite, ela vai desinchar e ficará apenas uma cicatriz para que você possa sempre lembrar o quanto somos frágeis e fortes ao mesmo tempo, servindo de estímulo para o enfrentamento de novas vicissitudes.

Torço pra que aconteça o melhor pra você. Mas o melhor, lembre-se, não temos a onipotência de saber o que é.

Já diz o velho ditado: "O que é do homem, o bicho não come"... O que tiver que ser será.

Um beijo da Helena

Helena Antoun
Enviado por Helena Antoun em 26/07/2007
Código do texto: T580767