Por que ESCOLHI Letras?

No segundo semestre de 2015, na Conferência de encerramento da XXIV Semana de Letras-UFSM, em comemoração aos 50 anos das Letras UFSM, ministrada pelo Professor Dr. José Luiz Fiorin (USP) e intitulada "Para que serve um Curso de Letras", (re) vivi toda a minha trajetória como egresso do curso. Primeiro, porque, "o nosso Fiorin" nos fez lembrar do primeiro ponto que nos toca como estudantes de Letras: a escolha. Sim, a despeito dos olhares tortos de muitos cursos socialmente vistos como de maior prestígio, escolhemos as Letras. Não fomos destinados a elas por não passarmos no vestibular para Medicina, para Engenharias e etc., etc., etc.

"O nosso Fiorin", também destacou, que, trabalhamos com algo que é um dos primeiros, principais e mais essenciais interesses da humanidade: a linguagem. E enquanto o tão respeitável professor Fiorin, referência para todo e qualquer estudante de Letras, falava, eu ia remontando em minha mente o meu trajeto de licenciado em Letras. Desde aquele 2008, em que, por um erro no código de inscrição fui parar na Licenciatura em Letras Inglês da UFSM. Depois, me vi feliz iniciando o curso de Licenciatura em Português da UFSM em 2009.

"Memórias e Desafios" (temática de comemoração dos 50 anos das Letras UFSM). O primeiro desafio foi conseguir situar-me dentro de um prédio labiríntico como é o Centro de Educação da UFSM. O segundo desafio foi tentar compreender o porquê de não termos aula no Centro de Artes e Letras, ao qual pertencemos. O terceiro desafio foi tentar compreender o porquê de não termos salas suficientes para as nossas aulas no prédio em que estávamos alocados. Então surge a primeira memória de luta: um grupo de estudantes de Letras, entre eles eu, organizamos uma intervenção em prol de um prédio para as Letras da UFSM. Lembro-me de ter acordado super cedo, corrido até o prédio 16 e, junto de outros estudantes, trancar as portas de acesso ao prédio com correntes até o momento em que as autoridades responsáveis assinassem um documento que nos garantisse a construção do tão sonhado prédio das Letras UFSM. Das 06 às 10 horas da manhã nenhum professor e nenhum aluno pode entrar no prédio. Ao fim e ao cabo, tivemos um documento assinado e uma posterior construção do prédio (que ainda é um mistério para todos).

Passei por muitos grandes mestres nos cinco anos de graduação em Letras Português da UFSM. Todos com suas particularidades. Chorei, muitas vezes, por me achar um incompetente, por não conseguir aprender o que me exigiam. Os soluços e os choros não foram em vão. O muito que hoje sei, tenho certeza, vieram desses discursos de medo e de terror, que me fizeram sair da minha zona de conforto e estudar além dos meus limites para, de fato, aprender, entre outras coisas, a fazer uma análise de poema (e tem gente que pensa que isso é fácil). Foi bonito ver esses mestres, que tanto me encantaram com suas aulas, que tanto me ensinaram sobre os meandros da linguagem, reunidos essa semana, em um mesmo tempo e espaço, mas acometidos por outros tempos e espaços. Meu muito obrigado a todos eles.

E então, em 2011, quando eu faria o meu primeiro estágio em escolas, percebi com acuidade que eu estava despreparado para tal desafio. Se não me falha a memória, ter desistido do estágio em 2011 foi a minha decisão mais sensata, pois tive um tempo maior para constatar um problema dos cursos de licenciatura como um todo: a lacuna entre teoria e prática na formação inicial docente. Fui do Diretório Acadêmico de Letras e essa experiência mostrou-me como a coletividade e a colaboratividade são importantes para um curso de graduação. Ao longo de toda a minha graduação, participei de grupos de estudos e de iniciação científica, tanto em Linguística, quanto em Literatura. Fui conhecendo e testando qual era a parte que me cabia deste latifúndio (e aqui utilizo a voz do poeta João Cabral de Melo Neto). E eis que descobri que muitas partes deste latifúndio me pertenciam, pois todas elas se interrelacionam, se interligam e são, sobremaneira, interdependentes.

Também participei de um projeto crucial para a minha formação docente, o Curta Cinema no CE, no qual exibíamos filmes curta-metragens para alunos de escolas, com debates e oficinas capazes de problematizar assuntos importantes no âmbito da formação humana, como o preconceito, por exemplo. Recebi o convite de um professor para ser voluntário em um projeto de ensino que ele estava desenvolvendo. Nesse exato momento, já em término da minha graduação, foi como se ecoasse em mim a frase de uma música de Arnaldo Antunes e Ortinho: "a casa é sua". A minha casa é o ensino, a educação, a docência, a escola. E mais uma vez, esse grande mestre possibilitou-me construir a minha casa no mestrado.

Não poderia deixar de trazer novamente ao coração, os muitos colegas de graduação, entre eles alguns que se tornaram meus amigos. Com eles, na vida acadêmica construí encontros genuínos e integrais entre seres humanos, porque dentro e fora de sala de aula, não somente a linguagem como nosso objeto de estudo, mas também a linguagem como mediadora e construtora de identidades foi e é a tônica de nossos percursos. Alguns desses colegas e amigos eram os que estavam ao meu lado no auditório em que aconteceu a conferência em questão, em que ouvíamos atentos à fala "do nosso Fiorin". Também, durante tal conferência, ao analisar os rostos dos estudantes de Letras que lá estavam, dei-me conta de como o tempo passa, pois eu não conhecia cerca de 95% daquelas pessoas. Mas esse desconhecimento é bom e feliz, pois demonstra como tudo se renova e como ainda há os que, como "o nosso Fiorin" finalizou a sua fala: escolhem as Letras, porque irão conhecer e desenvolver a paixão pela linguagem em si mesmos, mas que também, irão como professores, tentar ensinar essa mesma paixão. Afinal, somos seres da linguagem, de linguagem, na linguagem, pela linguagem e para a linguagem.

E assim, para que serve um curso de Letras senão para, ademais, sentirmos medo, terror, inércia, felicidade, tristeza, altruísmo, raiva e toda uma gama conflitante de sentimentos, justamente, porque conhecemos, reconhecemos e construímos a realidade com a linguagem. E aí me recordo do filme Sociedade dos poetas mortos, em que o professor (Keating) de Literatura afirma o seguinte: "E Medicina, Advocacia, Administração e Engenharia são objetivos nobres e necessários para manter-se vivo. Mas a poesia, beleza, romance, amor, é para isso que vivemos."

Escolhi fazer Letras, justamente, porque tendo consciência de mim mesmo pela linguagem, posso ensinar o outro a ter, também, consciência de si mesmo pela linguagem, de modo que, ao estarmos em contato, sejamos humanos, porque existimos pela linguagem e vivemos por ela, para ela, com ela, ou através dela.