A vida é um caos e devíamos aceitar isso

A necessidade de comida fazia que nossos ancestrais fossem nômades, ou seja, andavam de um lugar a outro em busca de alimentos. Até que no período Neolítico, o último estágio da pré história, o homem começou a ter controle sobre a produção alimentícia. Aprenderam que uma simples semente plantada em um solo fértil, a partir de tanto tempo, produzia alimentos e mais sementes, fechando um ciclo. Eles perceberam que uma ação revelava uma reação e se tivessem controle sobre aquela situação, poderia melhorar seu próprio estilo de vida.

Essa máxima de plantar e colher, depois de um dado momento, começou também a ser usado para explicar conceitos espirituais e fazer parte dos rituais primitivos. Se podemos ter poder sobre a natureza ao plantar, podíamos ter o mesmo poder ao sacrificar animais aos espíritos (que não demoraram a se tornar deuses) e a desenhar seu dia-a-dia nas paredes das cavernas. Logo, uma ação feita pelo sacerdote tribal tinha uma reação no mundo material. A caçada tinha sido bem sucedida por causa do mamute pintado, houve chuva para a colheita, pois o líder espiritual dançou.

Essa associação entre causa e consequência evoluiu e chegou até nós, mas continua com a mesma essência: plantou, colherá. O princípio do karma, palavra sânscrita que significa ação, se você fez algo bom, necessariamente receberá algo bom. Vale o mesmo para atitudes ruins. Não importa quantas vidas tenha, em algum momento o que fez, voltará para você.

Se o mundo seguisse essa lógica, poderíamos dizer que ele é injusto?

Primeiro passo para analisarmos é retirarmos o conceito implícito da fé. Digo fé no sentido de crença, pois ao aceitarmos que existe ou existem mais de uma vida além do que vemos, é aceitar sem a racionalidade, logo entra no campo da fé. Ao analisarmos só essa vida visível, diremos que o mundo é injusto. Fazemos o bem e recebemos o mal. Há injustiça, desigualdade e maldade para todos os lados. E mesmo que conseguíssemos fazer com que a justiça humana fosse perfeita, seria impossível alcançar todas as esferas. Violência doméstica, abuso sexual infantil, exploração sexual ou abandono paterno são arbitrariedade que, embora tenhamos leis a qual punam esses crimes, neles resistem diversas falhas e essas mesmas ações que consideramos culpadas e portanto deveriam ser punidas, acabam não sendo.

Assim, concluímos que o mundo não tem uma justiça universal. Como diria Jó no seu livro: “Que o mau é preservado para o dia da destruição; e arrebatado no dia do furor? Jó 21:30”

Mas se o mundo não é justo e temos consciência disso, por que acreditamos em uma justiça divina?

Muito simples, a necessidade de ter algo no controle. Ao não termos controle sobre uma situação, um estupro, uma falta de respeito ou qualquer outro mal trato sofrido a qual sabemos que a justiça humana falhará, desejamos acreditar que tem algo acima de nós que observará e julgará a causa. Necessitamos de um juiz que seja incorruptível, uma entidade consciente que entenda minha dor e seja um mediador nessa situação. Em qualquer cultura no planeta, acreditamos em algum período na história humana que existia algo além. Além da nossa capacidade de ser justo e igual. Alguém que pudesse ser perfeito em suas decisões e trouxesse o Yang para o Yng da nossa sociedade corrupta. Vivemos acreditando que se plantarmos bondade, colheremos bondade, não porque isso é uma verdade universal. Não colocamos esse pensamento a uma avaliação racional, pois o caos nos assusta.

Primeiro precisamos entender o que ele é. Caos não é desordem., é ausência de poder. Como assim ausência de poder?

Imaginemos um quarto bagunçado, não encontraremos nenhum padrão estabelecido. Roupas espalhadas para todo lado, comida dada as baratas, livros empilhados em um canto. Pura desordem, até mesmo se o dono dele discordar, dificilmente ele acharia algo com facilidade ali. Agora apliquemos uma ação sobre ele, chamaremos essa ação de organização. Logo, se essa organização for aplicada por uma entidade lógica, teremos um padrão. A bagunça terminará e teremos ordem.

Entretanto, qual motivo a desordem não foi chamada de caótica?

Porque o caos é não ter controle. Para termos controle, precisamos entender um padrão e aplicarmos uma ação para organizarmos a desordem. O caos são dados que não compreendemos e portanto, não conseguimos exercer poder sobre ele. A principal explicação para esse fenômeno é que no caos temos tantas variáveis que implicam que não podemos exercer domínio sobre ela.

Ao analisarmos profundamente, vemos que a vida é um caos também. Ainda que os coletores sedentários do Neolítico pudessem plantar a semente, estavam limitados a diversas variáveis que determinariam se ela cresceria ou não. O que eles poderiam fazer além de rezar é esperar. Hoje, com a evolução da ciência, queremos cada vez mais administrarmos nossa existência da maneira que planejamos. E, se aquilo que sonhamos não acontece, nos desesperamos e sofremos. Como Buda diria, o sofrimento está no apego. O apego de governar cada minuto de nossa vida como queremos. Esse ínfimo controle obsessivo por tudo nos leva a preocupação excessiva que nos leva a doenças mentais. Por isso as doenças do século XXI são o estresse e a depressão. O suicídio está em alta no mundo todo.

Termino com a análise do filme Clube da Luta. Ainda que não tenha permissão de falar sobre o enredo do filme, há uma cena que me chama a atenção. Dois amigos estão debatendo no carro e o que está no banco da carona virá para o piloto e diz: “Seu problema é querer ter o controle o tempo todo de tudo, largue o volante e deixe a vida fluir”.

Inventamos regras para o funcionamento do mundo desde os primórdios. Seja em formas de mitos, seja em conceitos religiosos, seja no senso comum, queremos ter domínio sobre as coisas, pois tendo domínio, temos como alterar o rumo ao nosso bel-prazer. Porém, o caos nos mostra que basta uma pequena mudança para todas as nossas ações boas se perderem. Nós somos somente uma partícula em todo o universo e devemos aceitar que, estando nós aqui ou não, ele vai continuar a girar. E se, ele continua a rodar sem mim, porque necessito ter controle sobre tudo?

Referências bibliográficas:

A Teoria do Caos e a Vida Cotidiana

http://www.professores.uff.br/salete/caos2.htm

Período Neolítico

http://www.infoescola.com/pre-historia/periodo-neolitico/

O que é Karma?

http://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/o-que-e-karma/

Thiago Justo
Enviado por Thiago Justo em 14/03/2017
Reeditado em 15/03/2017
Código do texto: T5941245
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