MONÓLOGO DE UM VELHO

O tempo passa, lentamente, inexorável... é como se, uma chuva torrencial, uma tempestade, carregada de trovões e raios que riscam o negrume da noite e que não se esvaem. O relógio voa, o tempo não! E ficam os ribombos e os lampejos de luzes fortuitas dos clamores da natureza a assombra-lo. E a mente confusa a perguntar... onde vou chegar? O que devo fazer? O que posso fazer? E a resposta – na coerência de quem não tem uma resposta... simplesmente nada!
Essas mãos já trêmulas não obedecem... nem o resto do corpo; pelo menos, não como d’ antes. As limitações físicas se impõem, cada vez mais, e temo que a mente a acompanhe, cada vez, a cada dia que passa, de forma mais consistente. A consistência da inconsistência. Esses olhos já não são como dantes... falham e também a audição – debilidades que vêm chegando devagarzinho, se aninhando às outras deficiências já mais decorrentes e assanhadas e se acomodam em um cantinho qualquer desse corpo. À noite se fecham mas não descansam... ficam a mercê de um monte de diabinhos que povoaram sua vida por tanto tempo e ainda teimam em fazê-lo. Diabinhos que no passado eram meio que, desligados, mas que agora, quando menos pretendia, tornam à sua mente, encapetados, não lhe permitindo esquecê-los.
De provedor e patriarca passas a ser um velho, um vovô qualquer, que tem a obrigação de prover mas que se torna por conveniência familiar o serviçal de seus dependentes e serviçais na configuração exata do termo e na proporcionalidade do aspecto social dele decorrente. E enquanto essas debilitudes superam suas forças, fica o desespero de não se ter o amparo do equilíbrio da suficiência contra a insuficiência do provimento necessário a manutenção daqueles que lhes são caros e de sua própria carcaça já deteriorada e carcomida pelo tempo; e vem a pergunta que não quer calar... valeu a pena?
Urias Sérgio de Freitas.