ESTRANGEIRISMO: ESSENCIAL PARA NOSSA LÍNGUA?

Arnaldo Pinheiro Mont’ Alvão Júnior*

Clélia Andrade de Paula**

RESUMO: A globalização já se concretiza no mundo, e hoje ameaça a nossa linda, amada, idolatrada, salve, salve Língua Portuguesa. Talvez ninguém perceba que o nosso único patrimônio vivo está perdendo sua independência; não para a mesma nação portuguesa, exploradora “oficial” do Brasil por séculos, mas para uma alastradora miscigenação de idiomas. Publicitários, jornalistas e demais brasileiros responsáveis por boa parte da nossa leitura, utilizam o estrangeirismo como arma para atacar o nosso pouco resistente Português. Diante deste parâmetro, nasce uma questão dos defensores deste idioma: o estrangeirismo é essencial para nossa língua? Visando uma reflexão dos leitores sobre este tema, pesquisas bibliográficas foram realizadas para a preparação deste artigo, e trouxeram resultados que exprimem a polêmica existente nos espaços aonde a Língua Portuguesa é desprezada. Tentaremos entender o que é estrangeirismo, como age e a qual ponto sua influência pode nos prejudicar.

Palavras-chave: Estrangeirismo, educação, empréstimo, banalização, influência, valorização.

1. INTRODUÇÃO

Este tema foi abordado visando uma ampliação de conhecimento da população a respeito do estrangeirismo, apresentando-o como recurso importante da Língua Portuguesa e alertando sobre a indispensável utilização correta e limitação de sua riqueza.

Gramáticos, professores e toda a gama de educadores que exercem uma função incisiva na propagação da Língua Portuguesa, lutam contra a má utilização de um recurso lingüístico muito importante presente no nosso idioma: o estrangeirismo. Não conseguimos mais sair de casa sem sermos atacados por uma espessa camada de

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* Acadêmico do 7º semestre do curso de Letras na UNIDERP – Licenciatura Plena e Bacharelado, Campo Grande-MS, 2003.

** Professora Orientadora.

poluição visual lançada por publicitários sem criatividade, e ler matérias de jornais e revistas publicadas por jornalistas ignorantes de regras gramaticais, com textos repletos de expressões estrangeiras utilizadas sem necessidade. Destarte, procuraremos entender melhor esta situação por meio de três tópicos: estrangeirismo, influência e suas conseqüências, e reversão de um quadro problemático.

2. ESTRANGEIRISMO

Vivemos sufocados por palavras, expressões e construções estrangeiras lançadas aos montes em nosso cotidiano. Imperceptivelmente, fazemos uso constante deste recurso lingüístico muito importante ao nosso idioma, mesmo sem saber qual é a sua denominação. Mas não é difícil entender o conceito de estrangeirismo já que estamos familiarizados com ele. Basta ler um artigo, conversar com algum colega de trabalho, assistir a televisão, ouvir uma locução na sua rádio preferida ou simplesmente sair um pouco de casa e olhar em sua volta.

Gramaticalmente falando, o estrangeirismo é um vício de linguagem – “[...] desvio provocado pelo não conhecimento da língua padrão” (TERRA, 1995, p. 305) - e pode ser morfológico ou sintático. Ficou complicado? Então explicaremos melhor: quando você vai ao cinema e assiste a uma matinê, porque geralmente é mais barato e fica mais fácil de levar a namorada, sem perceber, acaba de tropeçar num estrangeirismo morfológico denominado Francesismo. Matinê é uma palavra francesa adotada pela Língua Portuguesa.

São várias as adoções realizadas pela nossa língua. Italianismo (pizza), Espanholismo (guitarra), Anglicanismo (futebol), Germanismo (chope), Eslavismo (gravata), Arabismo (bazar), Hebraísmo (amém), Grecismo (olímpico), Latinismo (currículo), Tupinismo (peteca), Americanismo (chocolate), Orientalismo (chá), Africanismo (samba) e outros “ismos” são “morfológicos filhos adotivos” de nossa “mãezona” língua. Existem estrangeirismos pouco conhecidos pela população. A palavra soirée – outro Francesismo que Houaiss e Villar (2001, p. 411) definem como “reunião social noturna” ou simplesmente “matinê” – é um exemplo.

Estrangeirismo sintático trata-se de construções provenientes de línguas estrangeiras. A antecipação de um adjetivo a um substantivo, por exemplo, é influência inglesa: “Majestoso Hotel” em vez de “Hotel Majestoso”. A expressão “meus olhos saltaram de raiva!” (francesismo), é um outro exemplo de estrangeirismo sintático.

Estrangeirismo é isso: “emprego de palavra ou construção estrangeira” (HOUAISS ; VILLAR, 2001, p. 184). É esse o vício de linguagem que você presencia quando vai a um coffee-break, assiste a uma palestra sobre franchise, come um hot-dog ou toma um drink. É fashion não acha?

3. INFLUÊNCIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

O estrangeirismo revigora e enriquece a língua. Supre as necessidades que surgem com a globalização. O seu uso correto e adequado deixa o texto claro e objetivo. Porém, um exagerado deslumbramento deste recurso provoca a desvalorização da Língua Portuguesa. O mais freqüente é o Anglicanismo, que possui presença forte em todos os setores, principalmente nas áreas de informática (download, e-mail), publicidade (outdoor) e jornalismo (news).

Faz-se uso de estrangeirismos sem necessidade; e isso é tolice. Quando andamos pelas ruas, vemos a ignorância das lojas em apelar para palavras em inglês com o intuito de conquistar clientes. Isto espelha a falta de criatividade e genialidade que, somadas com a pobreza de vocabulário e de espírito dos empresários, vão desvalorizando a Língua Portuguesa. Promoções ridículas são constantes: numa loja com o nome de Mama Gioconda estava na vitrine um imenso cartaz escrito “on sale” e outro ao lado “jeans free”. Essa mistura da Língua Italiana com a Língua Inglesa, no Brasil, não combina. Todos os clientes entenderiam melhor se estivesse escrito “liqüidação” e “jeans grátis”.

Desabafando e exemplificando, eu sou bombardeado de estrangeirismos todos os dias, e não gosto disso. Quando alguém me pergunta o local do meu trabalho e respondo, numa central de chamadas, raramente o indivíduo sabe o que é isto. Sou obrigado a dizer call center para a pessoa entender.

E dentro de um ambiente de call center, o trabalho é movimentado à custa de estrangeirismos. Fico me perguntando, para quê usar termos como feedback, book, bottom, fitness, ok e ranking sendo que temos nossas palavras realimentação, livro, broche, boa forma, tudo bem e colocação no vocabulário? Certo dia, durante uma reunião, nossa coordenadora de qualidade e processos – ainda bem que meu setor não se chama quality and process – disse em alto e bom som: às 16:00 horas teremos um coffee-break. Não resisti em perder a oportunidade de dizer: não vejo a hora de “coffee-breakar”. E quebrei todo o clima chique provocado pela expressão americana, defendendo a Língua Portuguesa de mais um ataque. Afinal, a hora do lanche é a hora mais feliz!

No caminho do trabalho para a casa, me deparo com letreiros escritos street dance, happy end e personal trainner. Chego em casa, enquanto me arrumo para ir à universidade, ouço as propagandas da rádio dizendo: venha à Boate Night Club. Assisto ao Globo News e a reportagem é: A hora do rush. Não escapo de estrangeirismos nem na universidade. Existem aulas de reforço no meu curso de Letras denominadas workshops que, ao serem traduzidos, transformam-se em CTI das Letras! Que ironia! Um estrangeirismo tirando a Língua Portuguesa, símbolo de nossa cultura e história, de seu próprio espaço de propagação, para colocar na CTI, em fase terminal, pronta para morrer e dar lugar a um novo idioma. Seria mais simples e digno se chamassem apenas Aulas de Reforço.

Para quê tanto exagero? Nosso vocabulário é tão rico, mas convivemos com um excesso de estrangeirismos: fast food, pizza light, drive-thru, cyber café, diet, grill, boite, drinks, hip hop, ferry boat, ket chup, playground, dream team, pop star, trash, style... É bem mais bonito e romântico dizer eu te amo, mas dizem Amor, I love you!

Zeca Balero, grande compositor brasileiro, em protesto com tanto estrangeirismo, escreveu uma letra chama Samba do Approach. Nela, o compositor apresenta todo o nosso cotidiano poliglota. Cotidiano que vai deteriorando o uso de expressões em português para dar lugar a estrangeirismos.

Terra (1995) em sua Minigramática considera o estrangeirismo como barbarismo: “[...] grafar ou pronunciar uma palavra em desacordo com a norma culta” (1995, p. 312). Estrangeirismo é uma barbárie muito apreciada pela população. Entretanto, mais gostoso que um ice cream, só um sorvete; e sorvete está de acordo com a norma culta!

Tentamos inverter os papéis: passaremos a chamar o mouse, componente do computador, de rato e divulgaremos isto no Estados Unidos até que seja adotado pela população. A possibilidade da palavra “mouse” tornar-se “rato” no Brasil é a mesma nos Estados Unidos: zero! Os americanos não almoçam, eles have lunch. Poucos de nós, brasileiros, tomamos o chá ou café da tarde, mas todos os americanos have breakfast. E nós achamos um must comer Mc Donald’s.

Definitivamente, língua é a condutora e a protetora de um povo. É realmente deprimente ver a influência do estrangeirismo provocar a desvalorização da Língua Portuguesa, mal tratada pela sua nação que, conseqüentemente, desfaz de seu próprio patrimônio. Vamos acabar trocando o Hino Nacional Brasileiro por um single qualquer. Ficamos na expectativa de isso nunca acontecer.

4. REVERSÃO DE UM QUADRO PROBLEMÁTICO

Como já relatamos, o estrangeirismo é um recurso lingüístico muito importante da Língua Portuguesa. O problema está com a população brasileira, que, sem consciência ou sem interesse nas conseqüências possíveis, não sabe utilizá-lo e exagera no emprego de palavras e construções estrangeiras. O idioma acaba prejudicado.

José Saramago, escritor português vencedor do prêmio Nobel de Literatura, afirmou não entender por que bradamos tanto contra a colonização se no fundo gostamos de ser colonizados. É certo que não estamos devolvendo o Brasil para Portugal, mas estamos entregando nosso país às várias culturas espalhadas pelo mundo. A nossa cultura e história, por meio da desvalorização do nosso idioma, estão sendo excluídas, dando espaço às expressões estrangeiras.

Visando a solução deste quadro problemático, nasce no Brasil um novo Joaquim José da Silva Xavier, com ideais de liberdade para a Língua Portuguesa e independência dos estrangeirismos. O Tiradentes do século XXI é o deputado Aldo Rebelo (PC do B – SP). Rebelo criou a Lei 1.676/99 que tenta reduzir o estrangeirismo na mídia; abrangendo os meios de comunicação, publicidade, embalagens de produtos e outros tipos de expressão.

Para lançar o projeto dessa lei, que julga o abuso do estrangeirismo lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, Aldo Rebelo precisou encarar estrangeirismos do próprio governo. Vários órgãos utilizam as palavras newsletter e clipping como boletins informativos. “As línguas passam por mudanças. Mas é preciso coibir abusos”, disse o deputado Aldo Rebelo (PC do B – SP), autor da proposta (CONSTANTINO, 2001, Folha de São Paulo).

Muitos educadores não acreditam nessa lei, mas vêem nela um ótimo início de um cansativo processo de reversão desse quadro melancólico. Acreditam que, com a lei, os brasileiros começarão a refletir sobre o assunto, valorizando mais seu idioma oficial.

Essa reflexão deve ser iniciada, prioritariamente, nas escolas; através de debates entre os alunos e constantes discussões sobre como preservar o nosso idioma. E é neste ponto que se torna importante a participação do professor. Tendo a mesma visão, a revista Nova Escola publicou, em um espaço denominado Era uma Vez, uma matéria com o objetivo de “[...] ensinar os alunos a usar diferentes estratégias de leitura para se aproximar da intenção do autor”; no caso, a letra da canção de Zeca Balero, Samba no Approach. A revista explica ao professor como trabalhar com este assunto em sala de aula: “[...] explique que a língua tem vida, mostre como nosso vocabulário incorpora expressões originárias de outros idiomas” (BRUNIERA, 2003, p. 36).

Recente artigo da Folha de São Paulo (DISCUSSÃO sobre estrangeirismo deve ocorrer nas escolas, 2000) traz uma importante citação sobre o assunto: Para o educador e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras Arnaldo Niskier, o projeto veio em boa hora. “Era preciso começar a discussão de alguma maneira. Essa lei pode ser um instrumento saudável de contenção de exageros, mas é indispensável que existisse uma campanha a partir da escola”, diz Niskier.

O publicitário Lula Vieira afirma que a discussão sobre a defesa da Língua Portuguesa é primordial, mas não aceita e não acredita na lei. Prefere uma campanha para evitar o abuso de estrangeirismos e afirma que funcionaria melhor que a lei (DISCUSSÃO sobre estrangeirismo deve ocorrer nas escolas, 2000). Realmente, não é uma má idéia.

Não desprezo a lei e considero a proposta do publicitário. Creio que uma fusão dessas duas propostas seria um grande passo para a solução desse problema. Teríamos duas armas em vez de uma, e lutar com duas armas, duas vertentes, seria bem mais fácil alcançar o nosso objetivo.

Reverter esse parâmetro não é uma tarefa fácil. Cabe aos editores, publicitários, redatores e todos os profissionais que lidam diretamente com a Língua Portuguesa mudarem sua postura quanto à utilização dos estrangeirismos. Pois são eles os elementos divulgadores do idioma, atingindo uma grande massa de cidadãos brasileiros diariamente com seus textos.

Se esses profissionais e todos os professores de Língua Portuguesa, caminharem juntos, teremos ótimos resultados. Conseguiremos valorizar nossa vasta e linda herança cultural. Os primeiros passos foram dados; basta darmos continuidade a esse trabalho.

5. CONCLUSÃO

Temos o estrangeirismo situado paradoxalmente num universo complexo denominado Língua Portuguesa, onde a contradição concretiza-se, ora definindo-o como um recurso muito importante da gramática, ora caracterizando-o como adversário do nosso idioma. Mas a chave mestra desta discórdia é a necessidade existente quanto ao uso deste vício de linguagem. Precisamos utilizá-lo adequadamente, evitando os desnecessários abusos que suprimem nossas palavras, “filhas legítimas” da Língua Portuguesa.

E para isso, é indispensável uma orientação direta à população, partindo não somente das instituições de ensino, mas de toda a cadeia de comunicação que é importante multiplicadora do idioma. Alertando para a carência de uma dosagem exata, o estrangeirismo passará a ser enxergado somente com bons olhos pelos defensores da Língua Portuguesa.

6. REFERÊNCIAS

BRUNIERA, Celina. Era uma vez. Nova Escola, São Paulo, n. 159, 2003.

CONSTANTINO, Luciana. Aprovado projeto que proíbe estrangeirismo. Folha de São Paulo, mar. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano /ult95u25727.shl>. Acesso em: 10 mar. 2003.

DISCUSSÃO sobre estrangeirismo deve ocorrer nas escolas. Folha de São Paulo, São Paulo, ago. 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ ult95u7103.shl>. Acesso em: 10 mar. 2003.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MOVIMENTO quer riscar anglicismos da rotina nacional. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5 jan. 2001. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/anteriores/ 010105/brasil/bras4.html>. Acesso em 10 mar. 2003.

NOGUEIRA, Sérgio. O uso das palavras estrangeiras. Vale a pena ler. Disponível em: <http://www.portugues.com.br/art2.htm>. Acesso em: 10 mar. 2003.

OLIVEIRA, José Luiz. Freio no estrangeirismo. Jornal de Brasília, Brasília, 14 ago. 2000. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/idioma/20000814.htm>. Acesso em: 10 mar. 2003.

SALOMON, Marta. Comissão aprova limite a estrangeirismo no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 9 ago. 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ cotidiano/ult95u7101.shl>. Acesso em 10 mar. 2003.

SMITH, Jeremy. Deputado comunista quer “purificar” o português brasileiro. Rio de Janeiro: Universo Online, Setembro, 2000. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/ aldorebelo/bonifacio/linguaport/purificar.htm>. Acesso em: 10 mar. 2003.

SOUZA, Raimundo F. Nossa Língua Portinglesa. [S. I. ]: Instituto Gutenberg, 1999 . (Boletim n. 28). Disponível em: < http://www.igutenberg.org/jj28idioma.html>. Acesso em: 10 mar. 2003.

TERRA, Ernani. Minigramática Ernani Terra. São Paulo: Scipione, 1995.

VALE, Rosália. Estrangeirismo: invasão ou apropriação? Nosso Idioma, 20 set. 2001. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/idioma/20010713.htm>. Acesso em: 10 mar. 2003.

Arnaldo Pinheiro Mont Alvão Júnior
Enviado por Arnaldo Pinheiro Mont Alvão Júnior em 22/08/2007
Código do texto: T619409
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