A denúncia da arte marginal

Esta semana confesso que me impressionei assistindo pela TV o julgamento da denúncia do excelentíssimo procurador geral da república contra os quarenta envolvidos no suposto esquema do mensalão. Já fazia muito tempo que não presenciávamos um ato de justiça do qual pudéssemos nos orgulhar do Brasil, pois o que temos visto nos últimos tempos foram pessoas se livrando impunemente de graves acusações ou crimes arquivados e esquecidos na gaveta do tempo.

A suprema corte brasileira deu um verdadeiro show de justiça ao analisar com tamanha técnica e imparcialidade a denúncia do procurador contra os atores dessa novela que agora volta na forma de “vale a pena ver de novo”, mas com um formato que pressupõe um final mais coerente e, oxalá, mais justo. Que empolgante ver aqueles homens da lei reunidos com suas capas pretas com a incumbência de fazer justiça e provar que nem tudo no país acaba em pizza, e que a justiça também pode ser aplicada aos que se protegem pelos requintados Giorgio Armani.

Ao contrário do que muitos previam, os ministros do Supremo agiram como verdadeiros juristas, sem partido ou posição política, mas como representantes da lei que não quer pura e simplesmente punir, mas honrar a pátria com o poder que deve acima de tudo exercer seu divino papel: a justa ação. Mesmo com as mais tramadas estratégias dos advogados de defesa dos acusados, grande parte das denúncias foi aceita e muitos terão de enfrentar sim o banco dos réus. Não se trata de castigar e punir pessoas, mas, acima de tudo, de recuperarmos o sentimento de que estamos protegidos por uma lei, que tantas vezes não ultrapassou os manuais e os códigos do direito.

De fato, é possível que nunca tenhamos visto tanta sujeira aparecer em diversos setores públicos como temos visto nos últimos tempos. Tudo era habilmente camuflado e a sujeira varrida para debaixo do tapete. Ou, quando iam mais longe, abriam-se CPIs inexpressivas que terminavam em nada. Corrupção, negociação de cargos públicos, lavagem de dinheiro, peculato, e outros crimes que eram até então ignorados pela grande maioria surgem à tona e revelam a face oculta da mais sutil imoralidade. Assassinato, roubo, seqüestro já não são mais o foco nos noticiários, que agora mostram um “novo” e “velho” lado da criminalidade: o “crime elegante”; sem sangue ou tragédia, que esconde as armas e não deixa pista. Tolos, ingênuos, caretas, são esses pobres “inocentes” marginais e marginalizados que ainda seqüestram pessoas e dão canseira na polícia, negociando vítimas em troca de um carro ou um objeto qualquer para facilitar a fuga que, na maioria das vezes, não acontece. Voltam para o “xilindró”. Esses podemos sim chamar pobres marginais, muitas vezes desprotegidos e desprovidos de uma educação básica, de uma família ou de uma chance que a vida lhes negara por causas plurais. Como dizia o próprio Shakespeare: “Não há culpados, o que há são desgraçados”.

Mas enfim, que bom que o lado mascarado e podre da democracia esteja aparecendo e nos revelando o que é ficção e o que é fato nesse país. Nada contra a ficção, pelo contrário, a arte é sem dúvida a máxima expressão criativa e vital que possuímos para nos aliviar do real angustiante e transitório do qual não podemos fugir, mas a falsa ficção, a teatralidade que visa o convencimento de que os fatos não são fatos mas ilusão, invenção das mentes pecaminosas e pessimistas, esses sim devem ser banidos. Essa é a falsa arte, a falsa obra de ficção, na qual os falsos artistas se apóiam para se defenderem dos fatos reais que se revelam na mais nua e crua realidade. Tomara que realmente estejamos começando a deixar a platéia desse velho teatro marginal!