RESOLVI FAZER FAXINA
Neste sábado acordei determinada a esvaziar as gavetas e a dar fim ao lixo atômico que fui acumulando ao longo dos últimos anos. De fato era puro lixo atômico, se eu riscasse um fósforo por perto teria explodido. Não poupei nem as fotos, até por que com o passar do tempo, nossa visão fica mais crítica e algumas daquelas fotos pareceram-me ridículas. Pra confirmar esse meu pensamento, meu filho pegou uma dessas fotos, onde na cidade de Puebla, no México, eu aparecia com um enorme “sombrero” de veludo bordado de pedrarias. Para completar o “mico”, o dono da loja de souvenirs convenceu-me a colocar no ombro esquerdo um “sarape” coloridíssimo. Eu estava igual a um integrante dos conjuntos mariachis, só faltei cantar “Cucurucucu Paloma”. Meu filho, torcendo-se de rir, de brincadeira comentou: “Mamãe, vou levar esta tua foto pra mostrar lá TV Justiça, pro pessoal se divertir.” Por que guardamos coisas assim? Só pra passarmos vergonha depois.
Encontrei algumas caixas com bijuterias dos anos 60/70 e foi engraçado este achado, vieram-me a mente as canções daquela época e então comecei a cantarolá-las, ao som da minha própria voz pude verificar que muitas peças estavam perfeitas. Resolvi dar um destino mais nobre às bijuterias: dá-las a minha sobrinha Cláudia Valéria, que vez por outra anda a caça de coisas do gênero, para as festas de época. Numa caixa de madeira e madrepérola havia 12 lenços de cambraia, daqueles bordados, com rendinhas e tudo mais. Ri de mim mesma. Pra que servem esses lenços se estamos no tempo dos descartáveis? E na última gaveta de um móvel encontrei cinco envelopes pardos, cujo conteúdo eu nem me recordava mais qual era. Por fortuna eu havia escrito por fora de um dele:
- “material para pesquisa literária” -
Mas lá dentro deles só havia bobagens, isto é, havia também coisa séria, minha carteira de trabalho de menor, por exemplo, e alguns velhos passaportes que eu guardo não sei por que. Corrigindo-me, sei por que guardo os passaportes sim. O passaporte é uma concessão do governo brasileiro aos seus cidadãos, não me pertencem, a rigor eu deveria devolvê-los quando completassem suas folhas ou o período de validade. Eu os guardei pelas lembranças que eles evocam. Isto foi um achado mesmo. No mais o restante do conteúdo do envelope eram: recibos de restaurantes do Brasil e do exterior, bilhetes utilizados de metrôs de cidades européias, canhotos de ingressos de museus, ingressos de teatros, cinemas, galerias de arte, até bilhetes usados da “funicolare” da cidade de Bergamo, na Itália.
Cada um desses “bagulhos” provocava em mim uma reação. Lembro-me que hesitei em por fora o canhoto de entrada do Palácio dos Cônsules, em Gubbio, Itália. É que ele me trouxe recordações maravilhosas do verão de 2001, quando fui conhecer as regiões da Toscana e da Úmbria. Foi tudo tão lindo. Mas aquela não era hora pra hesitação, a faxina tinha que prosseguir... Ah! Encontrei os negativos das fotos que fiz em Perugia, também da Basílica de Francisco de Assis, em Assis, mas se eu tenho as fotos, não preciso dos negativos. Num envelope vermelho havia uma infinidade de cartões de cidades alemãs, eram duplicatas, eu gosto de álbuns de fotos e cartões postais, tenho alguns bem organizados, mas as duplicatas foram para o lixo. Encontrei também uma foto perdida de um dos álbuns, nela eu estou lendo a carta de vinhos num restaurante em Perugia. Gostei de encontrá-la. No mais, Havia uma centena de cartões postais recebidos de toda parte, recadinhos de amigos, mapas de cidades européias. Jesus! Quanta tranqueira!
No segundo envelope eu havia guardado uma quantidade de canhotos de talões de cheques, extratos bancários, etc...E eu me perguntava: quando foi que essa tralha serviu pra alguma coisa? Por que guardei tudo isto? Eu vivi todo esse tempo e nem me recordava mais dessas coisas, nunca precisei pra nada. Quem foi que disse que se deve guardar canhotos de talonários? Algum maluco, com certeza.
No terceiro envelope encontrei uma carta escrita pela filha de uma colega de trabalho no consulado do Brasil em Milão. Laura é o nome da pequena, a data, 20 de dezembro de 1998. O papel da carta era todo desenhado de corações, lábios vermelhos, estrelas, notas musicais, borboletas e coisas bem ao agrado de uma menina de 8 anos, ela declarava estar muito feliz por meu retorno a Milão, me desejava Boas Festas e terminava com um carinhoso “ti voglio bene,” Ela teve o cuidado de juntar uma foto junto comigo no dia de sua crisma e ao rever a foto me emocionei. Desejo muito boa sorte a você, pequena Laura. Hoje, provavelmente uma linda moça, pena que eu nunca mais tive notícias da família Romanazzi. A carta também foi para o lixo. No mesmo envelope encontrei uma infinidade de selos dos lugares deste mundo onde tenho ou tive amigos. Eu costumava recortar os selos das cartas com a intenção de fazer algo que hoje já não faz sentido. Não importa! Vai pro lixo que é o lugar certo. Encontrei a “tessera” ou cartão com meu código fiscal da Itália, algo assim como o nosso CPF, também foi para o lixo. Desfiz-me de uma quantidade de folders dos hotéis onde me hospedei nas minhas andanças, Alguns são lindos e românticos, aí bateu a saudade. Imagine, até rótulos de garrafas de água mineral da França, havia no envelope. Por que eu guardei não me pergunte, nem eu sei, só sei que os guardei até hoje de manhã.
No quarto envelope havia recibos de pagamentos das contas de gás, luz e telefone do apartamento em Milão. Pra que eu trouxe isto para o Brasil? Gente me diz pra quê? Meu Deus! Até embalagens de meias, ah! Mas essa tem uma justificativa, são meias francesas, eu posso pedir a algum amigo pra comprá-las de novo. Mas que doidice estou dizendo? Eu nunca peço a ninguém pra comprar nada no exterior. Sempre fui de opinião de que quem viaja deve gastar a cota de compras com pessoas da própria família, acho falta de educação pedir esse tipo de coisa.
O quinto envelope também continha recibos de compras, até receitas de remédios e, envolvidos num celofane, os certificados dos tapetes. Dei uma olhada para o corredor onde um dos tapetes repousa e não pude deixar de sorrir, pra que servem estes certificados se não vou vendê-los pra ninguém? A faxina continuou até o final da manhã, quando finalmente, vi diante de mim dois sacos de lixo com as “preciosidades” inúteis, por tanto tempo esquecidas. Descobri que estava mais “magra” ao desvencilhar-me daquelas baboseiras todas. Sim, perdi peso. Afinal, carregar quinquilharias, ainda que esquecidas nas gavetas, pesa muito. Estou leve, livre e feliz. Nunca mais o lixo terá espaço na minha vida. Eu tenho o principal de tudo o que revi agora: a lembrança de cada um dos momentos vividos, de cada lágrima, cada riso, cada emoção. Posso rever cada situação, pois elas estão gravadas na minha mente e no meu coração, é isto o que importa. Os espaços dessas gavetas serão doravante preenchidos apenas com a leveza das recordações bonitas.
(Hull de La Fuente)
10/3/2007
Neste sábado acordei determinada a esvaziar as gavetas e a dar fim ao lixo atômico que fui acumulando ao longo dos últimos anos. De fato era puro lixo atômico, se eu riscasse um fósforo por perto teria explodido. Não poupei nem as fotos, até por que com o passar do tempo, nossa visão fica mais crítica e algumas daquelas fotos pareceram-me ridículas. Pra confirmar esse meu pensamento, meu filho pegou uma dessas fotos, onde na cidade de Puebla, no México, eu aparecia com um enorme “sombrero” de veludo bordado de pedrarias. Para completar o “mico”, o dono da loja de souvenirs convenceu-me a colocar no ombro esquerdo um “sarape” coloridíssimo. Eu estava igual a um integrante dos conjuntos mariachis, só faltei cantar “Cucurucucu Paloma”. Meu filho, torcendo-se de rir, de brincadeira comentou: “Mamãe, vou levar esta tua foto pra mostrar lá TV Justiça, pro pessoal se divertir.” Por que guardamos coisas assim? Só pra passarmos vergonha depois.
Encontrei algumas caixas com bijuterias dos anos 60/70 e foi engraçado este achado, vieram-me a mente as canções daquela época e então comecei a cantarolá-las, ao som da minha própria voz pude verificar que muitas peças estavam perfeitas. Resolvi dar um destino mais nobre às bijuterias: dá-las a minha sobrinha Cláudia Valéria, que vez por outra anda a caça de coisas do gênero, para as festas de época. Numa caixa de madeira e madrepérola havia 12 lenços de cambraia, daqueles bordados, com rendinhas e tudo mais. Ri de mim mesma. Pra que servem esses lenços se estamos no tempo dos descartáveis? E na última gaveta de um móvel encontrei cinco envelopes pardos, cujo conteúdo eu nem me recordava mais qual era. Por fortuna eu havia escrito por fora de um dele:
- “material para pesquisa literária” -
Mas lá dentro deles só havia bobagens, isto é, havia também coisa séria, minha carteira de trabalho de menor, por exemplo, e alguns velhos passaportes que eu guardo não sei por que. Corrigindo-me, sei por que guardo os passaportes sim. O passaporte é uma concessão do governo brasileiro aos seus cidadãos, não me pertencem, a rigor eu deveria devolvê-los quando completassem suas folhas ou o período de validade. Eu os guardei pelas lembranças que eles evocam. Isto foi um achado mesmo. No mais o restante do conteúdo do envelope eram: recibos de restaurantes do Brasil e do exterior, bilhetes utilizados de metrôs de cidades européias, canhotos de ingressos de museus, ingressos de teatros, cinemas, galerias de arte, até bilhetes usados da “funicolare” da cidade de Bergamo, na Itália.
Cada um desses “bagulhos” provocava em mim uma reação. Lembro-me que hesitei em por fora o canhoto de entrada do Palácio dos Cônsules, em Gubbio, Itália. É que ele me trouxe recordações maravilhosas do verão de 2001, quando fui conhecer as regiões da Toscana e da Úmbria. Foi tudo tão lindo. Mas aquela não era hora pra hesitação, a faxina tinha que prosseguir... Ah! Encontrei os negativos das fotos que fiz em Perugia, também da Basílica de Francisco de Assis, em Assis, mas se eu tenho as fotos, não preciso dos negativos. Num envelope vermelho havia uma infinidade de cartões de cidades alemãs, eram duplicatas, eu gosto de álbuns de fotos e cartões postais, tenho alguns bem organizados, mas as duplicatas foram para o lixo. Encontrei também uma foto perdida de um dos álbuns, nela eu estou lendo a carta de vinhos num restaurante em Perugia. Gostei de encontrá-la. No mais, Havia uma centena de cartões postais recebidos de toda parte, recadinhos de amigos, mapas de cidades européias. Jesus! Quanta tranqueira!
No segundo envelope eu havia guardado uma quantidade de canhotos de talões de cheques, extratos bancários, etc...E eu me perguntava: quando foi que essa tralha serviu pra alguma coisa? Por que guardei tudo isto? Eu vivi todo esse tempo e nem me recordava mais dessas coisas, nunca precisei pra nada. Quem foi que disse que se deve guardar canhotos de talonários? Algum maluco, com certeza.
No terceiro envelope encontrei uma carta escrita pela filha de uma colega de trabalho no consulado do Brasil em Milão. Laura é o nome da pequena, a data, 20 de dezembro de 1998. O papel da carta era todo desenhado de corações, lábios vermelhos, estrelas, notas musicais, borboletas e coisas bem ao agrado de uma menina de 8 anos, ela declarava estar muito feliz por meu retorno a Milão, me desejava Boas Festas e terminava com um carinhoso “ti voglio bene,” Ela teve o cuidado de juntar uma foto junto comigo no dia de sua crisma e ao rever a foto me emocionei. Desejo muito boa sorte a você, pequena Laura. Hoje, provavelmente uma linda moça, pena que eu nunca mais tive notícias da família Romanazzi. A carta também foi para o lixo. No mesmo envelope encontrei uma infinidade de selos dos lugares deste mundo onde tenho ou tive amigos. Eu costumava recortar os selos das cartas com a intenção de fazer algo que hoje já não faz sentido. Não importa! Vai pro lixo que é o lugar certo. Encontrei a “tessera” ou cartão com meu código fiscal da Itália, algo assim como o nosso CPF, também foi para o lixo. Desfiz-me de uma quantidade de folders dos hotéis onde me hospedei nas minhas andanças, Alguns são lindos e românticos, aí bateu a saudade. Imagine, até rótulos de garrafas de água mineral da França, havia no envelope. Por que eu guardei não me pergunte, nem eu sei, só sei que os guardei até hoje de manhã.
No quarto envelope havia recibos de pagamentos das contas de gás, luz e telefone do apartamento em Milão. Pra que eu trouxe isto para o Brasil? Gente me diz pra quê? Meu Deus! Até embalagens de meias, ah! Mas essa tem uma justificativa, são meias francesas, eu posso pedir a algum amigo pra comprá-las de novo. Mas que doidice estou dizendo? Eu nunca peço a ninguém pra comprar nada no exterior. Sempre fui de opinião de que quem viaja deve gastar a cota de compras com pessoas da própria família, acho falta de educação pedir esse tipo de coisa.
O quinto envelope também continha recibos de compras, até receitas de remédios e, envolvidos num celofane, os certificados dos tapetes. Dei uma olhada para o corredor onde um dos tapetes repousa e não pude deixar de sorrir, pra que servem estes certificados se não vou vendê-los pra ninguém? A faxina continuou até o final da manhã, quando finalmente, vi diante de mim dois sacos de lixo com as “preciosidades” inúteis, por tanto tempo esquecidas. Descobri que estava mais “magra” ao desvencilhar-me daquelas baboseiras todas. Sim, perdi peso. Afinal, carregar quinquilharias, ainda que esquecidas nas gavetas, pesa muito. Estou leve, livre e feliz. Nunca mais o lixo terá espaço na minha vida. Eu tenho o principal de tudo o que revi agora: a lembrança de cada um dos momentos vividos, de cada lágrima, cada riso, cada emoção. Posso rever cada situação, pois elas estão gravadas na minha mente e no meu coração, é isto o que importa. Os espaços dessas gavetas serão doravante preenchidos apenas com a leveza das recordações bonitas.
(Hull de La Fuente)
10/3/2007