LIVRES E CONDENADOS

“O homem está condenado a ser livre”, já afirmara não inocentemente o filósofo Jean-Paul Sartre. A liberdade é hoje a maior conquista de todos os tempos. Somos livres para pensar, criticar, falar, reagir, responder, omitir, votar, e até mesmo para ser indiferente. A história humana é uma história gerada por uma constante busca pela liberdade. Ser livre é uma conquista e não uma casualidade.

No âmbito político e social, por exemplo, devemos muitas das conquistas a grandes nomes do passado, que ao longo do tempo lutaram por direitos e não titubearam frente às opressões políticas e ditatoriais que desde o início da civilização pairam sobre nós. Em todos os segmentos sociais podemos encontrar, sem dúvida, lutas incessantes que se instauraram entre os opostos de libertação e poder, de disputa e guerra.

Hoje tudo mudou muito, respiramos novos ares, já somos emancipados e donos do próprio “nariz”, somos relativamente “livres”. Por tudo isso, cabe-nos indagar sobre o uso da liberdade nos tempos atuais. Certamente não se trata de questionar o valor desse direito (de ser livre), pois sem dúvida, este é legitimamente justo e necessário, mas de pensar o que se tem feito com a liberdade conquistada. Se tomarmos como referência a civilização grega, o primeiro povo que marcou os tempos por buscar o valor sublime da ética e da moral guiado pelo divino princípio do bem, perceberemos que tudo era ordenado no seio do grupo, da cidade. O homem como animal político, como expunha Aristóteles, não poderia ser homem sem que estivesse indissociavelmente ligado à vida da cidade, do seu povo, da comunidade dos homens. No período Romântico, o filósofo Immanuel Kant considerou a liberdade como um princípio fundamental e indispensável, sendo a capacidade da razão humana de se afirmar enquanto grupo, constituindo-se pela universalidade, pela ética e pelo bem, possíveis ao sujeito livre.

Ao longo da história é possível notar diversos momentos em que foram necessárias ações corajosas e até mesmo revolucionárias para que direitos fossem conquistados. Momentos cruciais na vida de muitos povos foram determinados pela força da união comum, que buscou legitimar valores e tomar seu espaço. Entretanto, não podemos deixar de citar a liberdade irresponsável, fruto do livre-arbítrio individualista e soberbo, que aniquila a capacidade dos seres de se associarem, de agrupar-se. O preço de ser livre é muito alto, sobretudo quando se exclui o outro das decisões importantes de uma sociedade. É lamentável numa democracia líderes que não consideram o outro em suas decisões, que não enxergam além de seus ideais egocêntricos e da mediocridade partidária, onde não se admite perder, mas vencer a qualquer preço, em nome do poder.

O não reconhecimento dos valores fundamentais da ética, da coletividade, do conjunto, é um dos cânceres da sociedade atual. É possível que tenhamos evoluído em capacidade e em possibilidades, como na tecnologia e no forte alcance da informação. No entanto, é preciso tomar cuidado com os agentes que se infiltram nas instâncias do bem para corromper e inverter os fatos, apresentando somente o que interessa, ofuscando as partes significativas e as verdades da evidência. Os especialistas em inverter os fatos conquistam cada vez mais o seu espaço, atualizam suas técnicas sutis e diplomáticas para ganhar a confiança ingênua dos seus seguidores.

Lamentavelmente, a face oculta e negra da democracia não se revela com clareza, não é percebida pela luz dos fatos e dos discursos, mas pelas conseqüências drásticas e inconcebíveis das quais não se pode escapar. Há urgência nos tempos atuais de se pensar as questões coletivas, que não devem se limitar aos ideais do “eu”, mas do “nosso”. O planeta depende de uma ética planetária na qual a vida é questão maior, a política necessita de pessoas capazes de acreditar no bem no combate às desigualdades, as leis mais do que nunca requerem reformas que às adaptem aos desafios emergentes no combate ao crime. Recuperar o sentido de ser livre é o desafio maior, pois isso implicará em olhar além dos nossos isolados interesses e perceber-nos como parte. Não é mais possível ignorar atitudes das quais dependem a própria existência em prol de interesses mesquinhos, capazes de sacrificar a verdade e a justiça.

Tomara Deus, que consigamos nos proteger da liberdade irresponsável.