A gota que transborda o vaso

“Factóides: Que palavra para descrever melhor a carga de lixo jornalístico que a imprensa nos despeja na cabeça diariamente” (Radamés Manosso - Produtor de conteúdos educacionais para Internet)

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A literatura brasileira nos dá – através do realismo/naturalismo – uma visão mais ampla do comportamento humano. Comportamento determinado pelo meio e pelos fatores sociais que interferem nas mudanças de vida – é o homem perdendo seu poder de livre-arbítrio para o determinismo.

Tornou-se modismo, à época dessas escolas literárias, escrever sobre comportamentos patológicos, violência urbana, personagens marginalizadas, taras sexuais... Os romances sobre esses assuntos quebraram o romantismo do ser idealizado, de bom comportamento social. Enfim, era o homem dissecando o próprio homem.

Nos dias de hoje, mostrar distúrbios sociais na televisão tornou-se moda corriqueira – principalmente se ela (a moda) tem precedência na violência. E violência, taras, vícios,... sempre andam de mãos dadas. A mídia – assim como na literatura – procura trazer à tona e à tela, não apenas a ferida (que já dá ibope), mas, também, o efeito e a causa: o momento do corte, a sangria... O lado animalesco do homem exposto no ato do crime.

Numa antítese bem humorada, violência e palhaçada – num mesmo quadro - viraram modismos televisivos. Violência e Palhaçada!? Sim, por que não! Vejamos uma análise que possa simplificar esses ingredientes ambíguos: O clamor ou o glamour do ato é que diferencia o fato, independente da classe social. Os fatores geradores vão se perpetuando, renovando-se... refletidos no tempo pelo espelho da mimese inútil.

A televisão usa e abusa da balança do “escracho”, pesando dores e gracejos; o lado social do entrevistado é que determina o peso – muitos nem são pesados. Numa analogia bem simples, é como se a roupa da moda comprada no camelô tivesse função diferente das imitações encontradas nas vitrines dos shoppings. O contrapeso dessa pesagem é que, no "camelódromo", a “dondoca” se esconde; no shopping, ela desfila - mesmo que a conta no vermelho mal dê para comprar saia cigana do modismo de novela. É o preço da moda pesando na compra de um bom livro. E para não fugir à análise realista do fato, concluímos que: o homem, em nenhum outro tempo, jamais foi tão determinado pelo meio.

E o meio determina a casca! Se socialite usasse a moda “A vida como ela é” das favelas da cidade, desfilaria apertada num shortinho cor de cana antes do caldo – aquele em que o verde manchado brilha intensamente no escuro; personificado e amplamente divulgado em programas policiais, enquanto os apresentadores se esgoelam para vender o “álcool” do patrocinador e divulgar as intenções políticas-econômicas do dono da TV. Esse é o quadro da nudez da violência gerada pelos vícios, e vestida com farrapos (em forma de short) da desigualdade social – divulgados em pleno meio-dia!

Os programas policiais atuais são uma mistura de cultura inútil com drama popular, induzindo o povo a sorrir da desgraça alheia - de boca cheia - em pleno meio-dia: “Olhem a cara desse nojento!...” É o sorriso escancarado da nossa alegre hipocrisia contra quem não teve vez, nem voz, para modificar o modismo da sua vida indigna. E pior, a televisão procria factóides, aliciando cada vez mais pessoas dependentes desse novo tipo de cultura: O Besterolismo – Essa gota que transborda o vaso!

Gostaria de ver essa violência sendo exibida depois da meia-noite. Assim, surgiria a moda da "reflexão policial noturna": o espectador - que não vê sua “responsa” nas desgraças dos outros - refletiria um pouco mais antes de dormir. Melhor que isso, só a leitura de um bom livro, do teor de Luzia-Homem (Domingos Olímpio - Naturalista), que nos induz ao questionamento sobre os valores humanos.

Pela lei da compensação – e em tudo ela existe – nesse novo "horário-modismo-televisivo", o “meliante” ficaria em casa mais tempo (agindo menos na madrugada). Afinal, bandido que se preza não perde um programa policial, e até gosta de ver os “chegados” na telinha - aparecer na televisão está na moda e cria fama no “pedaço”.

Intrinsecamente, conclui-se: A mídia tem dois lados soberbos – um, expõe; o outro, contrapõe. Características iguais na literatura; só que, neste caso, o livro não apenas disseca o corpo, altera também a alma.

Sim! A vida está sujeita ao modismo; mas toda moda passa. Menos a violência, que não é moda, e sim o reflexo da dependência materialista do homem através do nosso egocentrismo.

Só não podemos é continuar aceitando a moda da primeira saia justa da vitrine.

Até mais ler, pelas culturas inúteis da vida!

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 16/10/2007
Reeditado em 22/08/2011
Código do texto: T696910