Nossas pobres elites (sobre o filme "Tropa de Elite")

O Brasil não se cansa de discutir “Tropa de elite”. E é apenas o começo.

Muito bom que seja assim. E olha que o lançamento oficial, nos cinemas, é só agora no começo de outubro – e todos nós, contraventores que somos, já vimos o Dvd pirata. O filme ainda vai gerar muita discussão. Tem muito pano pra manga ali. Mas, afinal, o que a imprensa e a opinião pública ainda não disseram sobre o polêmico filme? Acho que quase tudo já foi dito. Quase. O fato é que o filme é rico de subliminaridades, além dos discursos ultra-diretos – e frágeis.

Antes de falar mais, vou avisando: “Tropa de elite”, dirigido por José Padilha, e tendo no papel principal um irretocável Wagner Moura, é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Faz bem para o nosso cinema. Agora... Se o filme faz bem para a nossa sociedade, eu não sei. E receio que não faça.

O filme passa mensagens que merecem discussão. Não vamos ficar só nessa de “que filmaço!”. É um grande filme? É. É super bem realizado? É. “É preconceituoso?” Como é... Chega a ser simplista. Mas estamos no Brasil. Em que outro lugar uma força policial usa uma caveira como símbolo? O mesmo lugar que produz um filme que, entre outras controvérsias, endossa a tortura como método de se obter confissão. Não há imparcialidade na visão do filme: o herói/protagonista é um assassino torturador. E o pior: todas as torcidas estão com ele. E pior ainda: têm-se a impressão de que “o filme” espera causar na população, exatamente esse sentimento de simpatia pelo “honesto”, sádico e perturbado Capitão Nascimento, personagem central da trama. E pra fechar a tampa do caixão: consegue.

É muito fácil botar na conta dos traficantes e dos consumidores de droga todas as mazelas do Rio de Janeiro. Numa das cenas finais – meio que dando a “moral da história” –, em uma dessas passeatas pela paz – mais especificamente por luto a um rapaz assassinado –, um policial invade o “cortejo” e dispara sua indignação dizendo mais ou menos isso: “toda essa violência é culpa de vocês, seus maconheiros...”. É esse novo mote que agora tanto se diz de “quem compra droga está patrocinando a violência do tráfico”. É obvio que isso de fato ocorre. Entretanto, tal discurso tenta simplificar ao extremo as diversas questões sociais envolvidas. Chegar para um médico que fuma maconha nos fins de semana e dizer que ele é um patrocinador da morte de vários jovens, não seria o mesmo que dizer, caso não fosse maconha, e, sim, cerveja, que sua cervejinha está contribuindo para uma indústria que é responsável por um dos maiores índices de mortes registradas no país: as mortes por acidentes de trânsito, provocadas por motoristas embriagados? Isso sem falar na violência doméstica e todos os outros tipos de violências praticadas com o “auxílio” do álcool.

A droga ilícita é um problema mundial hoje. Mas e o alcoolismo, com sua feroz e lícita propaganda? Não é? Ah... Mas aí entram as grandes corporações. Não são meros traficantes infelizes malocados no alto dos morros. São mega-empresas. Não se mexe com quem paga grossos impostos, não é assim? Então vamos fazer dos traficantes – e agora também dos usuários – os vilões da derrota social deste país, e, sobretudo, das nossas metrópoles. Os traficantes e os “maconheiros” não são mais produtos da sociedade que fracassou. Esta, que fracassou na geração de empregos, fracassou na distribuição de renda e de terra, fracassou na educação, etc. Os bares entopem nossos adolescentes de álcool – o mesmo álcool que os pais bebem em casa. Dali, já se sabe o destino de tudo. Mas quem é que vai prender os donos das cervejarias? Eles estão dentro, e absolutamente dentro, da lei vigente. É bem mais fácil torturar e matar jovens favelados, sem perspectivas.

Seria a nossa elite policial (o BOPE do filme – que dizem ter sido tão bem retratado) um reflexo da nossa elite política? Seria um reflexo das nossas oligarquias? É esta a polícia que nós queremos? Será que nosso país rico e miserável, mergulhado numa coisa que chamam, erroneamente, de guerra civil vai ter que começar a crer em “Rambos”?

Fiquei sabendo que há várias escolas passando em sala de aula o Dvd (pirata, obviamente) de “Tropa de elite” como filme didático. Talvez com uma proposta de “didática anti-drogas”. Anti-drogas, pró-violência e pró-pirataria. Nosso cinema vai bem. Mas nosso povo...

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 18/10/2007
Código do texto: T699248