Huck vs. Ferréz - A minha opinião

ME SINTO NO DEVER DE EMITIR ALGUMAS OPINIÕES SOBRE OS DOIS ARTIGOS BASTANTE COMENTADOS, ESCRITOS SEMANA RETRASADA.

Para quem não sabe, esses artigos tiveram sua origem quando o apresentador de TV Luciano Huck teve seu relógio Rolex roubado no Itaim Bibi (para quem não sabe também, um bairro da Classe Alta em São Paulo). Na seqüência ele escreveu um artigo no jornal Folha de São Paulo. Como resposta, teve o artigo de Ferréz, famoso escritor da periferia paulistana, morador do Capão Redondo e líder em diversas campanhas (realmente) sociais como a 1Dasul e um movimento de Literatura Marginal (de escritores da periferia paulistana [equivalente aos subúrbios de outras capitais]).

Confesso, nasci na periferia de São Paulo, também sou escritor (embora amador), também estudei, também defendo que as pessoas tenham seus direitos preservados, conforme sugere a Convenção de Genebra (que instala o famigerado “direitos humanos”, que ao contrário do discurso fascista padrão e de plantão, não defende só bandido, e sim o tratamento digno que QUALQUER pessoa humana, indiferente de classe social, cor ou credo), defendo uma sociedade mais justa e digna. Portanto é evidente que ideologicamente estou mais próximo do segundo texto que do primeiro, e não vou ser hipócrita de fingir qualquer parcialidade.

Nosso amigo que se notabilizou na TV ao fazer pobres se humilharem em provas impossíveis por prêmios que não pagam o famigerado relógio, nasceu filho de um dos sócios de um famoso restaurante de elite em São Paulo. Teve educação, saúde e agora fama. Nunca se preocupou com que acontecia nos bairros que ficavam do outro lado na Marginal Pinheiros ou da Bela Vista. E não se preocupa até hoje, como demonstrou claramente em seu artigo. Sua preocupação é que hoje ele não pode andar no seu bairro nobre sem correr riscos. Nunca passou pela cabeça desse senhor que nas periferias paulistana e carioca se matam muito mais que em qualquer guerra no mundo. Que um médico para clinicar num hospital público na periferia recebe menos de cinco reais por paciente, que nas escolas públicas (nós nunca estudamos em colégios particulares), chega-se ao final do ensino sem se saber ler, escrever ou fazer as quatro operações básicas. Que em bairros como Cidade Tiradentes não existe um único clube de lazer, quiçá teatros ou cinemas (quando uma administração anterior criou espaços com essas coisas na periferia, muitos acusaram-na de gastar com “luxos”).

Sobre seus impostos, posso te garantir com um mínimo de matemática, que quem nasce na periferia paga, proporcionalmente muito mais que o senhor e se por acaso ganha cinco salários mínimos (um décimo do valor do seu relógio, em valores que o senhor conheça) paga o imposto de renda retido na fonte, ou seja, sem os abatimentos, que eu tenho certeza que o senhor deduz em suas declarações anuais.

Há claro, como poderia me esquecer, a “nata” do seu texto (pelo menos no leite eu tenho o direito de jogá-la fora). Cadê os salvadores da pátria? Não existe salvador da pátria. Nenhum país foi construído por um salvador da pátria. Nos países de primeiro mundo, ou desenvolvidos, ou seja lá qual termo for mais bonitinho, as elites não viveram em ilhas e começaram a reclamar quando elas começaram a ser invadidas pelos sarnentos do lado de fora. Elas construíram seus países, não esperaram ninguém aparecer. Elas amam suas pátrias mais que seus relógios. E a máxima de seu texto, esse sim que deve ter revoltado Ferréz e impulsionado a escrever o artigo de baixo: Capitães Nascimento existem há muito tempo em São Paulo e no Rio e em outras capitais de elites ilhadas em seus mundos de fantasia. Sabe qual a diferença entre hoje e alguns anos atrás senhor Huck? Hoje a bomba explodiu. Não adianta mais matar pobres e pretos na periferia e colocar notas no jornal que morreram X pessoas “suspeitas de envolvimento com o tráfico”. Isso não controla e não isola mais vocês da realidade que vocês vem a 500 anos construindo. Grupos de extermínio e de tortura da polícia são novidade para vocês apenas agora que fizeram um filme que passa na Av. Paulista e dá pra comer pipoca, tomar Coca-Cola e ver pobre apanhar na cara e tomar tiro de doze. Isso não existe mais, a bomba que nós (todos nós) acendemos o pavil está explodindo. Mas fica tranqüilo já prenderam alguém para te confortar. Ninguém garante que é ele (cadê a prova material? Há é verdade, isso só é necessário quando o advogado NÃO É da Defensoria Pública. Pobre pode ser morto sob “suspeita de envolvimento com tráfico”, ta na lei da selva urbana, né?).

Senhor Huck, nem eu nem o Ferréz defendemos o que aconteceu com o senhor. Se defendêssemos o crime, já faríamos parte dele muito antes, pois nossa infância foi à margem do seu Jardins. Nunca defendemos isso. Mas aprenda que não são os outros que constroem a realidade, somos nós. Eu, você, os políticos, os ricos, os pobres. Vocês acham que tem que matar os pobres que invadam sua ilha para roubar? E os ricos que vendem obras superfaturadas, que lavam dinheiro do mesmo tráfico que mata milhares de pessoas (e elas não são estatística, por incrível que possa parecer, elas tem vidas, sonhos, anseios), que desviam dinheiro que como já disse antes, nós pagamos muito mais que vocês e precisamos muito mais dos serviços que eles seriam oferecidos, se não tivessem sido desviados para alguns de seus clientes de suas boates e restaurantes. Esses não merecem o Capitão Nascimento, afinal, são de uma classe humana que não tem deveres, apenas direitos, os tais ricos. Isso é o certo, não concorda senhor Huck?

Luiz F. Ricas, 25 anos, técnico em eletrônica, músico, escritor, estudante (é, nós pobres temos que nos virar com o que temos e somos). Tecladista da banda Variant´s e atendente de suporte técnico terceirizado da Telefônica.

Links dos artigos comentados: http://blogentrelinhas.blogspot.com/2007/10/ferrz-huck-troca-foi-justa.html#links

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u336144.shtml

Luiz F Ricas
Enviado por Luiz F Ricas em 19/10/2007
Código do texto: T701655