CRIATIVIDADE

Começar de repente fazer uma atividade, um trabalho qualquer, como levantar-se de manhã para ir trabalhar, ir à escola, é sempre algo que na maioria das vezes nos causa preguiça, tornando-se um problema difícil e complicado, mas que na prática tem sempre uma solução aparente. Quando se tem que fazer alguma coisa, escrever algum artigo que só depende de nós, inexiste outra alternativa senão começar agir imediatamente, anular a inércia que nos impede de alavancar os primeiros movimentos.

Na construção deste texto, por exemplo, experimento e quero testar esta ideia do que acabo de colocar. Pensei em escrever alguma produção que fosse inédita, que pudesse servir para aumentar o meu pequeno arquivo de memórias e nenhum dos "santos" que sempre me auxiliam nestas ocasiões, baixou neste instante, daí que me sinto desamparado, incompetente, para iniciar o que poderia ser um texto memorável, quem sabe até uma obra prima de um pseudo escritor emergente. Mesmo que isto não aconteça e certamente não acontecerá, vou cumprir com o meu propósito, que é escrever um texto que não seja desprezível, que deverá ter como função contribuir, minimamente que seja, para que o mundo de alguma forma fique melhor. Estou seguindo a minha tese de que para este caso, escrever o que se deve é apenas, sair da letargia momentânea, abandonar a preguiça mental e agir dentro de uma lógica de que é preciso dar o “start”, a partida. Vou tentar então ver o que sairá deste experimento que faço ao vivo e a cores, retratando na medida da minha capacidade ou mesmo incapacidade, os sentimentos e o grau de dificuldade que esta ação específica possa representar. Não estava disposto a escrever nada, mas estabeleci que precisaria relatar este sentimento de quem não deseja fazer coisa alguma, mas que por razões diversas precisa cumprir determinada atividade, algum compromisso. Me propus a escrever sem vontade. Aliás, este é o lugar comum, o que mais acontece e é para o público que como eu, sente este desconforto, esta mesma realidade é que direciono estas minhas reflexões, este experimento. Prometo ser fiel ao propósito de não alterar nada, até porque se assim não for, não terá credibilidade esta tese, ou quem sabe até será uma teoria tola de alguém que não tem competência para estar escrevendo sobre diversos assuntos. Então, inicialmente estou fazendo um esforço para ligar o motor motivacional, sair da zona de conforto e partir para a primeira frase, a primeira ideia. Colocar no papel o título, aliás nem sei se devo mais falar em papel, mas sim colocar na tela do “smartphone” ou outro modelo tecnológico similar, a proposta, algo incerto que deverá ser elaborado. O substituto do papel, estas maravilhas tecnológicas, são hoje como o sangue que precisamos nas veias, incorporou nos tempos modernos como uma necessidade vital, como se fosse um alimento do qual temos que consumi-lo a todo instante.

Mas, retornando as dificuldades e soluções para tratarmos dos assuntos que pretendemos realizar e não sabemos por onde começar, temos que ter determinação, disciplina de caserna e entender que o relógio do tempo não para, que num piscar de olhos o cenário muda, as nuvens mudam de lugar, o quadro de agora já não é o mesmo que ocorreu a um segundo atrás e assim é a lei do universo, que segue seu curso num movimento dinâmico sem fim. Se precisarmos fazer alguma coisa, não podemos pensar duas vezes, devemos no máximo efetuar um breve planejamento tático e daí partirmos para a ação, fazer agora, dar o primeiro passo. Escrever a primeira linha no caso da escrita, como este texto está sendo produzido, cujo objetivo único é comprovar de que se temos uma necessidade real, temos que colocar mãos à obra, irmos à luta. Mesmo que seja produzir um texto para o qual o "santo" não baixou, o que devemos é conscientizar de que ao fazer o gesto inicial, escrever o título, o primeiro movimento, já não estaremos mais no mesmo lugar, já produzimos, saímos da mesmice na qual nos encontrávamos. Na medida em que a primeira ideia é concebida, o processo se desencadeia numa sequência natural e ao final o que sempre ocorre, é o atingimento de um produto cuja qualidade pode ser avaliada como satisfatória, oxalá não aconteça uma obra prima, uma bela criação.

Sem a pretensão de que ocorra no presente caso, só espero que aqui fique demonstrada a minha teoria, fruto de uma experiência, de uma constatação vivida na prática, ao longo de vários anos de observação. Pois bem, dito isto e em coerência com o que acabo de escrever, enquanto esclareço estes pormenores que me acontecem, neste instante sinto-me em condições de iniciar a escrever de forma um pouco diferente, parece que o motor dos meus sentimentos está começando a aquecer, as turbinas ainda não foram ligadas, mas há indícios de que o dia vai ser bom, que meus “santos” acordaram e estão ao meu redor. A temperatura está amena, em torno de vinte e poucos graus, céu de brigadeiro, com uma lua retardatária em quarto crescente, parecendo que esqueceu de se esconder no seu tempo, antes do raiar do sol. São dez horas, ela dá uma conotação diferente ao dia ensolarado, uma vez que como símbolo da dualidade astral, sol-lua, nem sempre um ocupa o espaço do outro a esta hora da manhã. Aliás quem sabe até na noite que passou, não houve uma balada no céu e como tantas donzelas a lua apaixonada perdeu a hora, ocupada que estava nos braços do astro rei. Quem sabe... quem sabe.. posso até imaginar.

Manuela, meu pequeno relicário, nos meus braços olha para o céu e grita: “papaiê, aiá, aiá...” significando ter observado algo diferente para os seus dezoito meses de vida; uma lua em plena luz do dia, não é fato comum e a pequena e delicada princesinha, já mostrando seu futuro grau de esperteza, não teve dúvidas, apontou seu dedinho para o céu e sorriu. Nada mais belo, nada mais encantador, do que desfrutar momentos como este. Meu poeta caboclo, santo de poucas andanças, sussurrou baixinho no meu ouvido:

“Olhem o sol e a lua,

Manuela e você.

Quatro apaixonados,

Uns pelos outros.

Todos lado a lado.

Como soí acontecer.

O sol ama a lua,

A lua ama o sol.

Você ama Manuela.

E todos amam vocês.”

Confesso que este santo, não é muito dado a prosa não, ele é mais dado ao estilo Drumoniano, gosta de poesias, das coisas simples da natureza. Mas como a minha proposta inicial, foi relatar os sentimentos que pudessem acontecer neste texto, sem planejamento, eis ai o que de fato aconteceu. Hoje é um dia de domingo, inverno frio, apropriado para um almoço familiar, recheado de presenças especiais, como os filhos e os netos, como acontece na maioria das famílias convencionais.

Sentamos a mesa do almoço dominical. Estão presentes todos os familiares mais próximos e que residem na cidade. Algumas ausências são sentidas em virtude de morarem distantes, mas mesmo assim são lembradas, em cada conversa como se presentes estivessem.

Reservaram-me um lugar de destaque na cabeceira da grande mesa que servirá de suporte para o nosso banquete matinal. Uma honraria grande presidir um encontro destes, só comparado com os encontros fraternos, quando ainda estudante universitário, na capital do estado, morávamos em uma república estudantil, palácio eterno de saudosas lembranças. Ali como no samba de Adoniran Barbosa, vivi seguramente momentos de glória e de doce recordação. A música da época entoava com alegria e descontração e dizia assim:

“Saudosa maloca,

Maloca querida, dim, dim,

Foi ali que nois passemos

Os dias feliz da nossa vida”

Bons tempos aqueles; engraçado como a história se repete, quando falamos do nosso passado estudantil. Quase sempre os mesmos casos, com pequenas variações, são contados por aqueles que um dia foram os jovens sonhadores do seu tempo e que, como eu saíram do interior e voaram para lugares distantes, passando por necessidades diversas, lutando com idealismo e sempre sobrando lindas histórias de superação para contar. Década de 1960 na Inglaterra surgia cinco jovens com um único destino, encantar o mundo e ficar para a eternidade. Fenômeno musical:

“Calças justas bocas de sino,

Cabelos longos desalinhados,

Gestos exóticos de meninos

Na voz, um som encantado.”

Só em verso para falar da beleza e encantamento daquele conjunto avassalador. Tantos outros fatos aconteceram, a história está recheada destes acontecimentos. Mas o que mais importa é que existe um prazer imenso em participar das mudanças do mundo.

Não vou continuar para não te cansar. Acho que acabo de demonstrar que escrever é algo tão interessante que basta a gente começar e se entregar de corpo e alma. O resto é deixar que o coração vá ditando o que deve ser registrado e as memórias poderão ficar para a eternidade.

AGOOLIVEIRA
Enviado por AGOOLIVEIRA em 23/11/2020
Código do texto: T7118558
Classificação de conteúdo: seguro