A FÁBULA ESTÁ MORRENDO...

A fábula está sendo sepultada. E com ela todos os heróis, bandidos, sonhos, desejos...

Mas antes de falar da fábula quero falar um pouco da realidade, que apesar de tratar também de heróis, bandidos e ilusões, nem sempre está acompanhada de beleza e encanto. Esta semana a imprensa publicou fotos dos jovens que agrediram prostitutas no Rio de Janeiro varrendo as ruas e recolhendo o lixo de um bairro da cidade, como punição educativa pelo crime de agressão física. As pessoas que passavam pela rua não economizaram piadinhas e chacotas aos rapazes. As cenas geraram repercussão. E não era pra menos! Bem, talvez essas medidas sócio-educativas atinjam algum resultado transformador ou formativo, quem sabe! Mas o que nos causa espanto é o reducionismo de atrocidades e atos criminosos a meras correções singulares, aplicadas como exemplo de agilidade, como se tudo já estivesse resolvido ou que a solução para a criminalidade residisse na execução de tais medidas. “Bateram nas garotas agora vão varrer rua para ver o que é bom!”. Talvez não fosse mais interessante varrer o lixo social e petrificado que está contaminando a juventude e as bases vitais da infância? Será que não estamos praticando o crime da omissão e da negligência educacional em favor de medidas fantasiosas, visando apresentar resultados práticos e simbólicos ao invés de promover a cultura do bem e da transformação? Mas é claro que esta é uma tarefa árdua e difícil, de longo prazo, que não dá resultado imediato. Os jovens meliantes alegaram que não tinham a intenção de praticar nenhuma crueldade com as moças, queriam apenas “se divertir”. Os rapazes de classe média que atearam fogo no índio Galdino, em 20 de abril de 1997, enquanto ele dormia num ponto de ônibus em Brasília, também disseram a mesma coisa: “Só estávamos querendo nos divertir!”. É, parece que a diversão está criando uma face cruel, assassina, insana, que espantosamente revela-nos a cada dia uma nova artimanha. Bem, voltemos à morte da fábula! O fato é que se foi o tempo em que as crianças se divertiam soltando pipas, brincando no bairro, ou lendo as aventuras do sítio do pica-pau amarelo, das estórias de Monteiro Lobato e as fábulas do universo imaginário de Hans Christian Andersen – “O patinho feio”, “A pequena sereia”, “A roupa nova do rei” -, que pressupunham sempre um final no qual era ressaltado a moral do bem, onde o mau era mau e o bom era bom. O mundo moderno e tecnológico está extinguindo a infância em troca de uma emancipação obsessiva e estagnada. Hoje as crianças vivem a era do “heroísmo pacífico”, sem causa e sem expectativa, sem etapas e sem construção de alicerces vitais. Querem ser heróis da aparência e do imediatismo. Tudo isso decorre das transformações rápidas e plurais que temos sofrido em vários aspectos da vida humana: técnicos, educacionais, morais, políticos, estéticos, circunscritos na realidade e na esfera das relações humanas. Como pré-produto do meio, as crianças e a juventude absorvem o legado dos valores iminentes da sociedade em que vivem, com suas mazelas e condutas. A morte da fábula é a morte da infância ingênua e verdadeira, da construção de vida, do ser criança. Os valores que as estórias infantis de Andersen, Monteiro Lobato, Tatiana Belinky exaltavam estão sendo substituídos pela realidade adulta e cruel de maneira avassaladora e impetuosa. A fábula significara mais que estórias simplórias e primitivas, mas estórias para crianças que cresciam como crianças, criavam como crianças e aspiravam valores de seu universo. Desejavam ver o final de cada estória com expectativa e sonhavam em ser heróis do bem. A “seriedade doentia” do mundo adulto está eliminando aos poucos a infância criativa. Mais do que pregar os ideais do ECA (Estatuto da criança e do adolescente) é preciso formar as consciências para a vida, dar direções concretas que ultrapassem a “sopa de letrinhas” dos estatutos e das leis. Hoje a cultura big-brother é só mais uma representação do vazio e do egocentrismo humano, da competição pela imagem, pela fama e pelo troféu-milhão. A conturbada casa big-brother substitui a casa-família , o lar, a parceria e a união. A cultura da força individual e competitiva passa a direcionar os objetivos e a traçar os novos parâmetros. As pessoas estão virando personagens e já não se sabe com precisão o que é invenção e o que é realidade. Os personagens não-artísticos não encantam, não despertam e não criam. São cópias grosseiras que usam a imagem para si mesmos. Que novos autores surjam, para que nossas histórias não sejam amanhã meras piadas!