ERRO CONTINUADO

A cadeira acadêmica de Metodologia Científica registra que o empirismo é uma importante ferramenta de aprendizado e inúmeras são suas evidências: O ser vivo, animal ou vegetal, é um autodidata nato. Seja de que espécie for. O bebê humano nos ensina, a cada dia, a importância do método TEA (Tentativa – Erro – Acerto), como elemento indispensável para a evolução do aprendizado. O medalhista dos 100m de hoje, a prova nobre do atletismo, foi o bebê que só sabia engatinhar. Aprendeu a correr, depois de muito sofrimento para aprender a andar. O bebê ave também aprendeu qual o momento correto de decolar em segurança. O bebê mamífero, de qualquer espécie, sabe procurar o peito da mãe ao sentir fome, sem que houvesse quem lhe informasse que ali há um depósito de leite à sua disposição e o bebê verdinho sabe como se nutrir e reproduzir, ainda que preso a um caule.

Isso apenas prova que cada um de nós, seres vivos, vem ao mundo da mesma forma que um computador sai de sua linha de montagem – dotado de sistema operacional. Assim como nos computadores, o sistema operacional de todos esses bebês é projetado para receber e operar outros softwares, genericamente chamados, pela natureza de cada conjunto, de Inteligência e Educação. Em cada um, a Educação responde pela área responsável pelo acúmulo dos conhecimentos que irá adquirir ao longo de sua vida e equivale ao seu HD; a Inteligência responderá, portanto, pelo melhor uso que deles fará. É o seu processador.

No que concerne à espécie humana, ante um estímulo qualquer, um cérebro pensante opera maravilhas. A maior delas é a capacidade de saber tirar lições de fatos aparentemente sem importância e também dos trágicos, para colocá-las a serviço do progresso. Esta é a base de toda e qualquer civilização. Sentado ao pé de uma árvore, o “computador” Newton foi atingido por um fruto maduro que dela caíra. Esse simples acidente gerou a formulação da Lei da Gravidade - símbolo do aproveitamento de fato corriqueiro, assim como deve ter se originado o invento da roda, a descoberta do fogo e várias outras patrocinadas pelo fortuito.

Sendo dotado do software Inteligência, não é dado ao homem o direito de cometer o crime do “erro continuado”. E o que chamo de “erro continuado”? É aquele em que, embora saibamos previamente estar nele incorrendo seguidamente, teimamos em dar murro em ponta de faca. Basta fazermos um rápido paralelo entre os mundos da política e dos negócios, para que ele se apresente de forma mais evidente.

Antes de ser uma simples competição esportiva, a Fórmula 1 se apresenta como inteligente meio de financiar o aprimoramento dos veículos que utilizamos, através da pulverização de seus elevados custos de P&D (Pesquisas e Desenvolvimento) entre seus aficionados (publicidade, direitos de transmissão, ingressos aos autódromos, souvenirs, licenciamentos, etc.). Inventos como airbag, aerofólios, freios ABS, suspensão inteligente e outros itens, derivam da apreciação de acidentes terríveis como o que vitimou Ayrton Senna e tantos outros, num exemplo raro de ACERTO CONTINUADO.

Outros exemplos de ACERTO: A cada acidente aéreo, independente de sua extensão, é buscada a caixa-preta da aeronave para recuperar informações pertinentes tanto quanto às condições de navegação, quanto às de destreza dos pilotos, do pessoal de terra e funcionamento dos demais instrumentos de bordo, como forma de se evitar o cometimento do erro continuado. É, ainda, item básico das normas de segurança do setor de navegação aérea.

No mar, o naufrágio do Titanic produziu duas mudanças fundamentais nas técnicas de projeto e construção de navios: a definitiva abolição de cascos longos como forma de evitar sua quebra, como o que fora registrado no episódio e a adoção de cascos com seu interior composto de estrutura de módulos estanques, como forma de se evitar que uma eventual concentração de água em determinado compartimento contamine os demais, como ali ocorrera. Aí, também, a inteligência se fez presente, evitando o erro continuado.

Já no mundo da política, parece não haver vida tão inteligente assim. A Política, arte do diálogo, há muito trocou a sadia luta de teses pela de interesses. Enquanto isso, milhares, ou mesmo milhões de pessoas, dela se tornam vítimas fatais. Exemplos clássicos: Santa (sic) Inquisição, as mais diversas e freqüentes guerras (desde o final da II Guerra Mundial o mundo não experimentou um dia completo de paz. Sempre há um conflito aqui e ali.), etc. O que tudo isso representa? Erro continuado!

Paulo Francis já havia declarado, após alguns poucos anos da queda do muro de Berlim, que somente no Brasil ainda se dava crédito ao comunismo. Errou. Os dirigentes de Cuba ainda cometem esse crime de erro continuado, impondo doloroso atraso ao seu povo e influenciando alguns coleguinhas sul-americanos. Mas o fato que mais chamou minha atenção foi o de que tomei conhecimento durante uma excelente conversa temperada por uma geladinha (em 29/08/07), com meu conspícuo amigo Elcio Parada – advogado “da mais melhor qualidade”, que me brindou com uma grande tirada: “Muçulmanos não temem a morte”. Para reforçar a importância do ponto de vista estratégico desta constatação, chama minha atenção para a emblemática cena da execução de Sadam Hussein, momento em que se apresenta perante seus algozes com a fleugma de inglês, fazendo indagações de caráter técnico sobre o procedimento a ser em seguida adotado e pronunciando, por fim, uma exaltação a Alá. Parece algo simples, mas não é. Na verdade, é um enorme diferencial em relação às outras etnias. Os fatos provam: conseguiram fazer de um avião, usado até então como simples e inofensivo meio de transporte, um poderoso míssil, sabendo, de antemão de que dele também seriam vítimas fatais naquele inesquecível 11/09/2001; não hesitam em usar roupas recheadas de explosivos para promoverem os atentados mais diversos, sabendo que deles também não escaparão com vida. O terror iminente aqui e acolá é uma preocupação constante de quem está por perto ou não. Agora uma simples reflexão: Uma luta, em moldes clássicos, contra um povo com tal perfil é ou não é uma forma de erro continuado? Se os norte-americanos primam pela objetividade, eles sabem potencializar a obstinação!

Frente à patente desigualdade das condições de luta entre o soldado americano que desconhecia técnicas de guerrilha em pântano e que eram de domínio do inimigo, Lyndon Johnson acionou Kissinger para negociar com seu rival – o norte-vietnamita Le Duc Tho, os termos de um tratado de paz emblematicamente assinado em 1973 no mesmo ambiente em que fora aquele onde se pôs fim à 1ª Guerra Mundial – a Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes, em Paris, numa iniciativa exitosa de corrigir erro continuado cometido por antecessor. Ponto para sua política externa!

Sei que não verei, mas admito que chegará o dia em que Chefes de Estado reconhecerão que são, apenas, SERVIDORES públicos. Estão, portanto, a serviço de uma população que os elegeu para conduzir seus interesses e, por conseguinte, suas vidas a um patamar seguro. Não têm o direito de se portarem como pilotos kamikazes, nem como bandidos de aluguel. Cenas de truculência, como as que vemos com freqüência, mostram o que produz um Comandante imbecil. Ao invés de cuidar da proteção do cidadão e de seus interesses, criam condições para que sofram e promovam aberrações. Mantê-los no poder é imperdoável erro continuado. Temos a OBRIGAÇÃO de enxergar isso e, por conseguinte, afastar esses senhores do Poder. Se o Poder emana do povo e em seu nome é exercido, temos, além do direito, a obrigação de DEMITI-LOS sob pena de cometermos crime de OMISSÃO. Já fizemos isso nos idos de 64 em nosso país (Ler REFLEXÕES DE UM INDIGNADO).

Para se evitar o cometimento de erros continuados, a Medicina se faz valer dos diversos resultados dos exames de necropsia, assim como o Direito edita Jurisprudências e as demais ciências sempre se valem de registros de importância para formular correções. No entanto o que se vê no dia-a-dia do homem comum é uma seqüência de erros continuados. É o péssimo serviço de saúde pública (hospitais sem médicos, remédios, equipamentos, instalações e condições de trabalho indignas – inclusive salários), caos na segurança pública (freqüentes seqüestros, furtos, roubos, estupros, etc. Tudo isso devidamente somado às mesmas condições indignas de trabalho que se vê nas áreas de saúde e educação pública). E o que fazer o homem comum ante tanta violência? Penso ser simples a resposta. Basta que não se perca de vista o conceito dos softwares que integram cada um de nós e que também saibamos que somos responsáveis pelas ações daqueles a quem confiamos nossos destinos.

Penso ser chegada a hora de formatar. O problema é que até aí há erro continuado! A formatação política global está errada. Praticamente todos os países carecem de uma boa reforma política. Não apenas o Brasil, Estados Unidos ou Iraque. Não há, em nenhuma nação, registro histórico de nascimento de alguma tese política gerada no útero de qualquer partido. Partido político, de qualquer país, não tem cérebros para formular essa ou aquela corrente de pensamento. Sequer tem estrutura para isso. Não têm Centro de Estudos. E se um ou outro tiver, esse Centro estará, sempre, a serviço das idéias esposadas pelos seus dirigentes. Dirigentes esses, que não forneceram o sêmen necessário à fecundação dessas idéias. No mundo todo, partido político apenas esposa teses alienígenas. Constituem uma espécie de Força Armada de Idéias. Existem para fazer prevalecer o direito da força sobre a força do Direito. Daí a expressão “tropa de choque do Collor”; “Tropa de choque do Renan”, “Tropa de choque do Bush”, etc. Existem para defender teses que não criaram e combater as que repudiam.

A gravidade do momento recomenda que as questões filosóficas mudem de palco. Que saiam das tribunas parlamentares, trincheira ideal para se buscar entendimento sobre questões realmente práticas e que falem diretamente ao interesse do cidadão e ocupem lugar nos bancos acadêmicos e/ou nas diversas redações da imprensa. A prioridade política é de natureza pragmática, não programática.

Até quando as famílias deste planeta, não apenas as norte-americanas, iraquianas, inglesas e afegãs continuarão a chorar seus mortos em conflitos urbanos ou internacionais? E as famílias israelenses, árabes, palestinas, africanas de modo geral? E as haitianas e somalis? Para que servem organismos supranacionais, como ONU, OIT, OCDE, OMC e outras, se não são capazes de instrumentalizar a humanidade, para que esta usufrua de paz e prosperidade? Pra que?

A ciência do Direito define o seqüestro como crime continuado, porque este crime impõe sofrimento permanente à vitima enquanto perdurar. E quando a vítima é uma coletividade refém de uma estrutura política inadequada e ineficaz? É erro continuado imobilizar-se ante tantos erros continuados.

Aux armes citoyens!

Simples análise conjuntural

Dom AFONSO
Enviado por Dom AFONSO em 27/11/2007
Reeditado em 10/08/2010
Código do texto: T755265
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