A Lei de Terras e o Mercado de Terras Agrícolas

*A Lei de Terras e o Mercado de Terras Agrícolas (1)*

*Luiz Carlos de Aquino Pereira (2)*

Por direito de conquista (aquisição originária) a Coroa portuguesa passou a ter o domínio do Território brasileiro. Todavia, para a efetiva garantia da posse da Colônia, em virtude das incursões estrangeiras que ameaçavam o domínio das terras ocasionalmente descobertas por Cabral, tornava-se imperativo a sua permanente ocupação e cultivo.

Para tanto, decidiu o Governo de Portugal pela instalação das Capitanias Hereditárias. Com esse sistema de doação das novas terras, o Governo da Metrópole também pretendia, além de garantir a posse das terras coloniais, transferir a terceiros (os donatários) os ônus, que dificilmente suportaria, da ocupação efetiva da terra por conta própria. As cartas de concessões das capitanias outorgavam aos donatários direitos soberanos sobre seus territórios. Dentre os seus inúmeros direitos, havia o de distribuir sesmarias ‘como melhor lhe aprouvesse, sem pensão nem foro, apenas com o dízimo à Ordem de Cristo (um décimo dos frutos colhidos, criado por D. Afonso II, em 1218 em Portugal)’.

Portanto, desde o início da colonização do Brasil até a abolição do Sistema de Sesmarias, em 1822, as terras eram doadas pelo Poder Público. Mas vale salientar que, no início do século XIX, simultaneamente às sesmarias foi se firmando no País o Sistema de Posse; decorrente da coragem e bravura das populações mais pobres, que, não dispondo de recursos materiais (necessários à implantação de benfeitorias, aquisição de escravos etc.) e de influência ou distinção para obter sesmarias, só lhes restava como opção a ocupação pura e simples das terras não apropriadas pelo latifúndio.

Com tal fato concreto, os grandes proprietários de então se mostravam sensivelmente preocupados com a perda de um numeroso contingente de mão de obra, fator de produção essencial nas grandes plantações da época, embasadas no baixo nível tecnológico. Havia, assim, a necessidade de frear o processo de expansão da economia dos posseiros, que se intensificou na primeira metade do século XIX.

Por sua vez, nesse mesmo período da história da colonização, também se inicia a pressão da Inglaterra sobre o Brasil no sentido de abolir o tráfico de escravos. E a política de imigração então pensada não transformaria, necessariamente, o imigrante em trabalhador da grande lavoura. O regime de posses, sistema de ocupação das terras então vigente, poderia atraí-lo, favorecendo a sua transformação em proprietário em vez de assalariado.

Nesse contexto a Lei de Terras – Lei nº. 601, de 18 de setembro de 1850, regulamentada pelo Decreto nº. 1318, de 30 de janeiro de 1854, teve como objetivo fundamental dificultar a ascensão do regime de posses e, por consequência, disponibilizar farta mão de obra para a grande lavoura, sobretudo para os latifundiários cafezistas de São Paulo.

Especialmente em três itens se depreende o deliberado objetivo dessa Lei:

1º.) proibir as aquisições de terras por outro meio que não a compra (Art. 1º) e, por conseguinte, extinguir o regime de posses;

2º.) elevar os preços das terras e dificultar sua aquisição (o Art. 14 determinava que os lotes deveriam ser vendidos em hasta pública, com pagamento à vista, fixando preços mínimos que eram considerados superiores aos vigentes no país);

3º.) destinar o produto das vendas de terras à importação de ‘colonos’.

Portanto, longe de ser um instrumento voltado para a solução de problemas ligados à posse da terra, tratou a Lei de Terras de dificultar a transferência das terras devolutas à população pobre do campo. Ao extinguir o sistema de posse e elevar artificialmente os preços das terras, criava barreiras para a apropriação por parte dos trabalhadores. Estes, fossem os trabalhadores livres das fazendas ou os imigrantes pobres, antes teriam que emprestar sua força de trabalho nas grandes fazendas até que viessem dispor de recursos financeiros para tornarem-se proprietários. Em síntese, prevaleceram os interesses do grande proprietário.

De qualquer forma, quando a Lei de Terras estabelece preços para a aquisição de terra junto ao poder público, restringindo unicamente aos mecanismos de compra e venda o acesso à terra por parte de particulares, a propriedade territorial adquire qualidades mercantis e converte-se em valor negociável. Define, assim, a possibilidade jurídica e institucional de ocorrência de negócios com terras agrícolas, razão pela qual é considerada um marco na constituição dos mercados de terras rurais brasileiros.

(1) Ancorado em AQUINO PEREIRA, Luiz Carlos de. Análise do Mercado de Terras Agrícolas no Estado do Ceará – 1980 a 1999. Fortaleza: UFC/Departamento de Economia Agrícola, 2000. (Dissertação de Mestrado em Economia Rural).

(2) Engenheiro Agrônomo e Mestre em Economia Rural pela UFC; Perito Federal Agrário do INCRA.

Aquino Pereira
Enviado por Aquino Pereira em 17/05/2023
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