Receita de um ano novo sem Malandragem

No último dia 18 do ano de 2007, o radialismo itapirense perdeu um grande locutor. Os ouvintes da Rádio Clube perderam uma voz que alegrava as manhãs, e eu perdi um amigo. Com essa perda aprendi uma lição, que já havia sido me ensinada pela vida na prática, em duas oportunidades, mas que talvez eu não tenha dado a devida atenção: não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. Sim, o ditado popular mais uma vez se confirmou em minha vida como sendo sabiamente, e ao mesmo tempo radicalmente severo.

Há cerca de dois anos, um amigo e ex-cliente me ligava quase todos os dias, cobrando uma visita. Na época, eu trabalhava fora da cidade, chegava tarde e cansado. Por isso sempre fazia promessas. Dizia que iria no domingo, e furava. À noite eu estava cansado demais. Este meu amigo, deficiente físico, não tinha condições de vir até mim. Era minha obrigação visita-lo. Mas não fui. Em um belo dia, quando eu me preocupava se a chuva atrapalharia a festa do dia seguinte, recebi a notícia de sua morte. Talvez ele só quisesse se despedir, somente isso.

Pouco tempo depois, eu fazia planos com um amigo professor, e proprietário de um botequim na cidade. Falávamos de fazer preparar uma janta e reunir os amigos. Marcamos um dia, choveu. Marcamos outro, não deu. Em outra data eu furei. E então marcamos a próxima, com a garantia de que mesmo que passasse um furacão pela cidade, faríamos o tal jantar. Mas ele sofreu um AVC e foi internado. E nunca mais voltou.

Vivemos fazendo planos. Amanhã faremos isso. Mês que vem vou acertar aquilo, em breve vou falar com tal pessoa. E assim vamos caminhando. Porém basta se lembrar de olhar uma só vez por dia para o relógio da Igreja Matriz: os ponteiros estão se movendo. Ou para o céu. As nuvens também se movem. O vento arrasta a folha, o carro passa, a música toca, enfim, o tempo não pára. E as pessoas chegam, ficam, e então, quando menos esperamos recebemos um telefonema, a notícia chega e se espalha. Isso nos leva à reflexão de como deixamos de lado nossa humanidade por conta de um egoísmo tolo. A ponta de nosso nariz está sempre limpa, lustrada, porque estamos sempre olhando para nós mesmos, e não nos damos conta de quanto as pessoas ao nosso redor são importantes. E não falo somente de amigos que vemos todo dia, de vizinhos, de familiares. Refiro-me também as pessoas que cruzamos nas ruas, que conversamos na fila do banco, que encontramos somente nos finais de semana, no churrasco, na praça, onde for.

Cerca de duas semanas antes deste lamentável fato recebi um e-mail do Marquinhos Tavares. Mantenho um site sobre música e cultura na cidade e o ‘malandragem’ dizia para eu ir até a rádio, uma vez que ele havia preparado uma lista de possíveis patrocinadores, e também havia conseguido com o Jorge (Cebola, seu companheiro de trabalho) umas fotos, bastante antigas, que eu havia lhe pedido. Cheguei ao estúdio e como sempre fui recebido com muito carinho e educação por todos. Fiquei cerca de meia hora conversando com Marquinhos. Como sempre eu estava com pressa, tinha outros compromissos. Em determinado momento do bate-papo relembramos alguns eventos e programas especiais que organizamos juntos, e decidimos fazer uma matéria sobre isso para meu site, e aproveitar a oportunidade para entrevista-lo também. Agradeci as fotografias, a lista de patrocinadores e saí, ficando acordado que nos falaríamos ainda naquela semana sobre a matéria, para marcarmos data e local. A semana passou e não marcamos nenhuma data. Cogitamos esta semana. E mais uma vez, para mostrar como é dono da razão, o ditado se fez presente em minha vida. Isso sem falar em todos os outros momentos que ora não percebemos, ora não damos importância e não nos preocupamos.

E assim seguimos. Ocupados demais para dizer a um amigo ou um familiar o quanto ele é importante em nossa vida. Sempre faremos promessas. E sempre não as cumpriremos. Acredito que isso esteja na essência do ser humano. Talvez isso sim seja malandragem. Sendo assim, sempre deixaremos os bons momentos em segundo plano, preocupando-nos excessivamente com o que temos para fazer daqui a pouco. Até porque, neste novo ano que começaremos sem a presença de Marquinhos Tavares em nosso convívio, tenho certeza de que todos nós, sem exceção, faremos o que um dia nosso poeta Carlos Drummond de Andrade sugeriu que não fizéssemos: mais uma lista de boas intenções para arquivarmos na gaveta. A não ser que sejamos suficientemente capazes de perceber as oportunidades que o dia nos apresenta. E viver o presente, gozando da filosofia pregada por Horácio em ‘Odes’ (I -11.8): “Carpe diem quam minimum credula postero” (Colha o dia, confia o mínimo no amanhã).

Fernando Pinéccio é editor do Megaphone Tabloid

(www.portalmegaphone.com.br)