NOITE FELIZ

Confesso que estranhei encontrar meus amigos FHC e Lula, num animado papo com o Sr. Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, quando cheguei à casa na noite de ontem. A estranheza se deu não pelo papo entre os três em si, mas pela presença do último elemento, que para mim não passou de um penetra visto nunca ter, até então, apertado sua mão em cumprimento.

Sentando-me numa poltrona bem à frente ao sofá onde Fernando Henrique e Uribe conversavam ao lado de um sonolento Lula estendido sobre a rede que também guarnece o ambiente, trouxe uma mineral com gás, um scoth e uma branquinha para molhar nossas palavras enquanto o papo se desenvolvia e aguardávamos as surpresas que a cozinha nos preparava. Lamento não ter participado da conversa desde seu início, mas mesmo que o houvesse conseguido nada me convenceria da lógica de Lula despachar o embaixador Garcia (Marco Aurélio Garcia) para aquele teatro, como representante do Governo brasileiro, onde o palco não era ocupado por atores, mas somente por criminosos, tendo de um lado um reconhecido agitador (Hugo Chávez) e de outro, emissários de uma quadrilha empenhada em derrubada de governos legalmente constituídos e comprometida com a ação do narcotráfico. Bons tempos aqueles em que Governos não negociavam com bandidos...

A decisão de Lula evidencia um grande desserviço prestado à Nação e por isso, foi duramente criticado tanto por mim, quanto pelos demais. Com o passar do tempo, não foi difícil eu entender a razão da presença de Uribe e Fernando Henrique aqui em casa. Eles deveriam estar empenhados em convencer Lula a não mais cometer besteiras numa área em que o Brasil se tornou uma referência de excelência – a política internacional. Consolidamos a imagem de um país comprometido com a paz mundial promovendo, sempre que possível, o entendimento entre as partes em qualquer conflito; pela adoção de uma política de respeito à autodeterminação dos povos, o que nos impede de meter o bedelho em questões internas de quem quer que seja. Nunca, em tempo algum, adotamos uma política intervencionista. O resultado prático dessa conduta se traduz em importantes dividendos políticos e comerciais. No plano político, por uma rara constatação: temos relações diplomáticas com, praticamente, todos os países do mundo, independente da ideologia de seus respectivos governos, prerrogativa que favorece, e muito, o interesse comercial de todos.

O pragmatismo de uma política de não alinhamento só nos favoreceu ao longo do curso de muitos anos, até mesmo durante o período militar (64/85). Nesse período, em pleno Governo Geisel, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola (1975), ao lado de outras importantes e corajosas iniciativas para a época, como o restabelecimento de relações diplomáticas com a China e a assinatura do acordo nuclear com a Alemanha, contrariando fortes interesses norte-americanos que amargaram a rejeição, pelo nosso Governo, da proposta da poderosa Westinghouse, interessada em nos fornecer equipamentos e tecnologia. A isso, dá-se o nome de soberania.

Agora, meu amigo, minha amiga, pense bem: o que irá ocorrer nesse encontro entre os representantes das FARC (Força Armada Revolucionária da Colômbia) e o presidente venezuelano, capaz de motivar a presença de um representante de nosso governo? Todos sabemos do espírito desagregador e belicista que compõe a personalidade do Sr. Chávez. Notícias recentes nos dão conhecimento do rompimento das relações diplomáticas entre Venezuela e Colômbia, por iniciativa de Chávez, revelando, uma vez mais, o comportamento inadequado desse senhor.

Não será nenhuma surpresa, para mim, se nos próximos meses chegar a notícia de uma provável invasão da Colômbia pela Venezuela ou ainda a queda do Governo colombiano pelas ações da FARC com o apoio institucional da Venezuela. Traduzindo: fim do clima de paz neste nosso pobre continente.

Reside aí a causa de meu temor. Que o sonho que tive desse encontro na noite de ontem com os ilustres senhores de nossa História, seja o marco do início de um pesadelo para nós, habitantes dessa ilha de tranqüilidade que por enquanto é nossa América Latina. Oxalá eu esteja errado. Mas cá pra nós: que missão foi dada ao Garcia? Qual o grau de sua importância para nossos interesses diplomáticos e comerciais?

Sonhando, vivi um pesadelo.

Dom AFONSO
Enviado por Dom AFONSO em 30/12/2007
Reeditado em 03/01/2008
Código do texto: T797237
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