Capital Burro
Ainda que abalado pelos acontecimentos, o mundo globalizado persiste com a sua velha e caducada fórmula. Num passado não tão remoto assim, o vilão, pelo menos para os ocidentais, era o comunismo. O bode expiatório era a União Soviética, a China e seus seguidores. Era preciso banir do mundo qualquer tendência que ameaçasse as garras do capital predador. Ironicamente, a intervenção direta do Estado no domínio econômico não funcionou, nem para o socialismo, nem para o capitalismo. O mundo precisava, urgentemente, retomar a finalidade básica do capital. O mundo socialista mudou, o apetite do capital insaciável tirou do Estado o poder de controle direto da economia, instituiu-se o capital apátrida, monopolizado ou oligarquizado e, pior, individualizado.
Assim, perdida a finalidade do capital, que também seria social, com a justa distribuição da renda e a promoção do bem estar, a economia mundial buscou repetir no século XXI o início eufórico e saudosista, para alguns, do final do século XIX e início do século XX - do chamado Estado Liberal, com o neo - liberalismo.
Hoje, os capitalistas canibais não têm quem culpar pela degradação moral do mundo, a não ser eles próprios, e, sem qualquer pudor ou temor, vejam só! já engendrada, como está a economia globalizada, e justificados nela, corrompem jovens, subvertendo-os e tornando-os inescrupulosos, criam a lógica do ter prevalecendo sobre o ser, bombardeiam a família como meio de desestabilizar a mais básica organização social, viciam a juventude, não somente com drogas, mas com a alienação, degradando valores, como as artes e a literatura; atacam as religiões, desacreditando-as, criando e ampliando escândalos, como forma, principalmente, de afastar as pessoas do recurso da fé e da esperança; alimentam e estimulam o prazer irrefreável e consumista, seja pelo luxo, pela inspiração de uma vida fútil, de modismos, em detrimento da simplicidade. Promovem, de outra forma, as paixões pelas diversões, fazendo multiplicar ídolos, remunerados de forma colossal, e distraindo a atenção das massas. Envenenam o mundo com idéias nefastas, criam doenças viróticas, bacterianas e remédios paliativos, tornando seus portadores e usuários eternos dependentes; enfraquecem as pessoas com poluições ambientais, tornando-as confusas e impotentes, banalizam a prostituição e criam um descontentamento global, fomentando o ódio entre as pessoas e entre os povos. Mas não param por aí. Como se não bastasse, desacreditam os mais velhos, ou mesmo os não tão velhos assim, instituindo-se a massificação e a substituição do homem pela máquina – o homem descartável -, derrubando a cultura e os costumes; criam sistemas de agiotagem permanente, forçando os menos favorecidos a um endividamento impagável, vitalício, sem expectativa de uma melhor vida futura. Financiam a democracia com o intuito de apoderarem-se, cada vez mais, do poder instituído, e de sustentarem seus planos infernais, elegendo governantes e legisladores; pregam o aumento de salário nominal, criando artifícios que diminuem progressiva e permanentemente o seu poder aquisitivo, gerando conflitos entre patrões e empregados, greves, lock –outs. Incrementam a indústria em detrimento da agricultura local, com o propósito especulativo, criando uma instabilidade pernóstica. Fulminam as instituições, tornando as Constituições vulneráveis. Investem maciçamente em crises políticas, objetivando a concentração de riquezas, cada vez maiores, nas mãos de poucos e destruindo a estabilidade financeira. Retêm o capital, especulativamente, estagnando a produção, com vistas a criar-se o caos, o pânico, a agonia dos Estados, levando a humanidade a privações, angústias e sofrimento intenso. Implantam, por fim, o despotismo econômico, com características que aparentam uma radical vingança social, que condena toda a humanidade. Engendram um círculo vicioso, como uma doença social, sem fronteiras, onde poucos traçam o “destino” miserável de uma maioria crescente.
Não faltarão, como historicamente nunca faltaram, aliados espúrios, temporários, oportunistas, cediços e inescrupulosos, ou mesmo inconseqüentes, serviçais movidos pela ganância de poder pessoal.
Criaram, até, em defesa deste perverso sistema, um escudo protetor contra as críticas que lhe são dirigidas. Num passado não tão longíncuo, taxavam tais críticos de anarquistas, de comunistas, baderneiros, subversivos, etc., sendo eles ou não. O que não se podia era criticar o Capital ou o modelo econômico capitalista. Ou você era a favor ou era suspeito, digno de inquisição. Já na era da globalização, do modelo neo–liberal, do “capital burro”, como o denominam alguns pensadores estrangeiros, a moda é a competitividade. A mensagem é: Quem não puder competir com as multinacionais estará fora do mercado e, como somos economia que se fez dependente, como outras tantas, resta-nos a escravidão e a busca do mercado informal e da produção de um tudo por R$1,99. Como conseqüência óbvia, e por isso o termo “capital burro”, teremos a crescente violência, acarretada pela disparidade, pelo aviltamento dos valores, transformando a cultura e corrompendo o papel protagonizado pelos atores sociais, o império do narcotráfico e da fome. E se esta cria escravos, não basta matarmos a fome, mas combatermos o que a está causando.
Como o mundo tornou-se pequeno e, portanto, não é mais uma soma de partes, mas um tecido com suas células, onde o funcionamento de uma afeta o das demais, as sociedades beneficiárias, ditas ricas, ironicamente passam a sofrer os mesmos efeitos da degradação generalizada, e o ser humano torna-se refém do capital, que tem por objetivo o capital, para o capital e pelo capital. Refém do “Capital Burro”.
(Escrito em 2002)