O USO DA LINGUAGEM COMO MEIO DE RESISTÊNCIA AO PROCESSO DE CONQUISTA DA AMÉRICA

É erronea a afirmação de que os índios americanos tenham sido passivos ao processo de conquista pelos espanhóis; ao contrário disto, nota-se que eles usaram de todas as formas possíveis para, de alguma maneira, resistir a este processo, mantendo vivas suas culturas e crenças.

Um dos meios que os ameríndios utilizaram para resistir foi a linguagem. A linguagem mostrou-se um instrumento poderoso de resistência, visto que, de princípio, os espanhóis não se interessaram em aprender as línguas faladas pelos nativos da América.

Hector Bruit aborda este tema dizendo que “a vantagem dos índios residiu na língua deles que a maioria dos espanhóis não tomou conhecimento...” . Além da vantagem por conta deste desinteresse dos espanhóis, os ameríndios, usando uma “estratégia” oposta, “aprenderam o castelhano, a ler e escrever, e alguns até latim”. Os índios aprenderam falar castelhano com boa vontade, no entanto, não abandonaram o uso de sua língua para se comunicarem entre si. Para Bruit, “essa foi uma brecha de liberdade e de enganos permanentes. Os espanhóis irritavam-se na presença dos índios quando falavam em sua língua, sem poder saber se mexericavam, idolatravam ou armavam alguma safadeza”.

E como uma medida, em favor dos espanhóis que se sentiam inferiorizados por não entenderem o que os índios diziam, o ouvidor Juan de Matienzo sugeriu, no Peru, “que os caciques falassem com seus índios em castelhano quando em presença de espanhóis sob pena de perder o cargo”. O ouvidor queixou-se ainda com o Imperador, alegando que o ensino do latim e do castelhano aos índios “... lhes permitia uma série de vantagens que usavam em proveito próprio”.

Alguns índios bilíngües eram até mesmo contratados pela audiência como intérpretes, o que possibilitava que eles estivessem informados dos “pleitos e brigas” que havia entre os espanhóis.

Hector Bruit nos revela ainda que poucos foram os espanhóis que adquiriam um conhecimento razoável dos idiomas e tradições americanas, o que fez com que a maioria deles fossem obrigados a conviver com a desconfiança de não saber o que os índios falavam e suas verdadeiras intenções.

Todorov nos apresenta em seu texto uma personagem indígena que se utilizou da habilidade no domínio de duas línguas indígenas (a dos Astecas e a dos Maias) para talvez sobreviver ao processo de conquista. “La Malinche” foi intérprete de Cortez e Aguilar nos diálogos com os índios. “E em pouco tempo ela aprende o espanhol, o que aumenta sua utilidade”.

Martin Fontes descreve os índios Astecas como sendo uma sociedade que dava extrema importância à linguagem, ao “bem falar” e à retórica. A arte de falar bem era ensinada pelos pais e também nas escolas especiais. Martin nos revela, ainda, a admiração que os espanhóis demonstravam pela eloqüência indígena “... era como se tivesse estudado a arte da oratória durante toda a vida”.

Todos estes fatos expostos nos levam a perceber que o domínio da língua própria, o aprendizado da língua dos conquistadores, e o desinteresse destes últimos em aprender a língua dos ameríndios foram, sem dúvida, uma “arma” em potencial, da qual os índios americanos se utilizaram para arrostar à conquista dos espanhóis.

Mesmo tendo a religião cristã imposta pelos espanhóis, os índios se utilizaram da linguagem até mesmo para embutir em suas rezas “sem limitações, seus sentimentos contrários aos espanhóis, misturar as duas religiões e transformar Cristo em mais um ídolo, e não ser entendidos nem pelos padres”.

Cláudia Wasseman cita um “canto triste” elaborado por indígenas americanos após a conquista, transmitindo a violência que marcou o período:

“Nos caminhos jazem dardos rotos,

Os cabelos estão espalhados.

Destelhadas estão as casas,

Ensangüentadas têm seus muros...”

Segundo Cláudia Wasseman “estas diversas formas de resistência – armadas ou culturais, individuais ou coletivas” demonstram que os ameríndios não sofreram passivamente o processo de conquista da sua terra.

Bibliografia:

História da América Latina: Cinco Séculos – Cláudia Wasseman;

A Conquista da América – Todorov;

O Visível eo Invisível na Conquista hispânica da América – Hector Bruit

Marcos Sodré
Enviado por Marcos Sodré em 07/02/2008
Reeditado em 03/08/2009
Código do texto: T849255
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